Em Minas, vereadores esquecem a crise e aumentam os próprios salários

Janaína Oliveira e Tatiana Lagôa
primeiroplano@hojeemdia.com.br
17/12/2016 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:07

Enquanto milhões de brasileiros não conseguem repor as perdas com a inflação nos acordos salariais, penam com o parcelamento dos vencimentos, perdem os empregos, sofrem com a recessão econômica e têm pela frente regras mais duras para a aposentadoria, vereadores de Minas aproveitam o apagar das luzes de 2016 para reajustar os próprios rendimentos e os do Executivo. Em alguns casos, o “plus” no contracheque chega a 100%.

Em Raposos, na Grande BH, cidade com menos de 16 mil habitantes, a Câmara Municipal aprovou um pacote de benesses para prefeito, vice, secretários e parlamentares. 

A partir do ano que vem, o rendimento do chefe do Executivo será o dobro do atualmente pago, saltando de R$ 11 mil para mais de R$ 21 mil. Já o salário do vice pulou de R$ 5 mil para R$ 11 mil, o equivalente a um incremento de 80%. No caso dos vereadores, o aumento chegou a 75%, saindo de R$ 3.800 para R$ 6.643. 

Conforme o assessor jurídico da Câmara Municipal de Raposos, Igor Bruno Góes, o atual prefeito, Carlos Alberto Coelho (PSDB), derrotado nas urnas nas últimas eleições, não sancionou o projeto. Mas o veto foi derrubado pelos vereadores. “Por isso, hoje, o Projeto de Lei que trata do aumento dos subsídios está em vigor”, afirmou. 

Para Góes, não há nada de errado com o PL. “Tecnicamente, ele é legal e respeita os limites de gastos impostos pela legislação”, pontuou. 

Em Timóteo, no Vale do Aço, os vereadores conseguiram “emplacar” até uma espécie décimo quarto salário. Além do subsídio e do décimo terceiro no valor de R$ 7.560,33 cada, eles vão receber uma parcela de aproximadamente R$ 9 mil para cobrir perdas retroativas, segundo a servidora da Procuradoria Geral da Câmara, Maria do Pilar Barroso. 

Os vereadores de BH terão um reforço de R$ 1.400 no contracheque na próxima legislatura. Por 25 votos a sete, eles aprovaram um reajuste de 9,3% nos próprios salários, que passam a ser de R$ 16.435,88. O projeto é de autoria do presidente afastado da Câmara, Wellington Magalhães (PTN), e também vale para o prefeito (que hoje recebe R$ 25 mil), vice-prefeito e secretários

Incremento

Na pequena Córrego Fundo, no Centro-Oeste de Minas, os vereadores engordaram o próprio contracheque em 35%. Os nove parlamentares passarão a ganhar R$ 4.910 mensais, ante os R$ 3.600 recebidos até este ano. 

O presidente da Câmara, Danilo José da Costa (PT), afirma ter argumentado com os colegas que o momento não era propício em função da crise, mas não foi ouvido. “Cheguei a propor uma redução nos vencimentos, mas eles votaram e pronto”, observou Costa. 

Em Porteirinha, no Norte de Minas, os vereadores passarão a receber R$ 6.400 por mês. O salário do prefeito subiu de R$ 15 mil para R$ 19 mil, enquanto o do vice saltou de R$ 7.500 para R$ 9.500. Já os vencimentos dos secretários subiram de R$ 4.500 para R$ 6 mil. 

“As pessoas ficaram comentando que a gente estava aumentando o salário. Nossa ideia era aumentar o teto porque o subsídio já está no valor máximo. Isso não significa aumento do valor recebido nesse tanto não. As pessoas não entenderam”Eustáquio do Perpétuo SocorroPresidente da Câmara de Leme do Prado

Segundo o presidente da Câmara Municipal, Etelvino José da Silva Filho, o “Theo”, o reajuste dos vereadores obedece o teto de 30% do valor dos rendimentos dos deputados estaduais. “Por causa da crise, só aumentamos R$ 1.400 nos vencimentos, valendo para os próximos quatro anos”, contou. 

A economia da cidade é baseada na produção de leite, queijo e pecuária de corte. “Dependemos da chuva. Quando chove, circula dinheiro”, disse. 

Em Pai Pedro, município com menos de 6 mil habitantes no Norte de Minas, todos os políticos também tiveram os salários reajustados. 

O vencimento dos nove vereadores saiu de R$ 2.400 para R$ 3 mil. O prefeito, que até então ganhava R$ 7.700, a partir de 2017 receberá R$ 11.800 por mês. Já o contracheque do vice-prefeito saltou de R$ 3.800 para R$ 5.900. 

O Hoje em Dia ligou várias vezes para a Câmara Municipal, mas ninguém atendeu às ligações. 

Eleitores e Justiça barram acréscimos em subsídios no Estado

Se em algumas cidades mineiras os vereadores conseguiram quase dobrar seus subsídios, em outras, a pressão popular serviu como empecilho. Nos casos em que o clamor dos eleitores não foi suficiente, os aumentos foram barrados na Justiça. 

Em Leme do Prado, no Vale do Jequitinhonha, foi votado um aumento do teto do subsídio de 22%. Dessa forma, os vencimentos dos vereadores poderiam passar de R$ 3.500 para R$ 4.270 na cidade com pouco mais de 5 mil habitantes.

“Dizem que a prefeitura está em crise, mas ainda está contratando. Porém, o dinheiro da Câmara é desvinculado do da prefeitura. São órgãos independentes. Aqui na Câmara já está tudo pago. O orçamento está tranquilo. Por isso um reajuste de subsídio não seria tão grave”Celeste Maria Menezes GontijoPresidente da Câmara de Vereadores de Abaeté

Porém, como foi votada após as eleições, em outubro, a elevação feriu as regras previstas na Lei Orgânica do Município que proíbe alterações nos subsídios após o dia 30 de agosto do último ano de legislatura. 

Mesmo com a proibição, o acréscimo foi aprovado pelos vereadores e seguiria para a sanção do Executivo. Porém, a população se uniu, por intermédio do grupo “Não à Corrupção em Leme do Prado”, e conseguiu reverter a situação. 

Pressionados, os próprios vereadores desistiram. “A gente não sabia dessa proibição. Quando as pessoas começaram a nos procurar é que ficamos sabendo”, afirma o presidente da Câmara, Eustáquio do Perpétuo Socorro. 

Abaeté

Outro caso de reação popular foi o da tentativa de aumento de 11,27% sobre os subsídios dos vereadores em Abaeté, na região Central. Caso aprovado, a remuneração dos vereadores passaria dos atuais R$ 4.265,78 para R$ 4.745,68. 

Além disso, como seria retroativo a janeiro, cada vereador receberia também uma diferença. Em 12 meses, o impacto sobre a folha de pagamentos somaria cerca de R$ 55 mil. 

“Provavelmente não teremos mais esse aumento. Já até devolvi o dinheiro para a prefeitura e eles devem usar o dinheiro para pagar o 13º dos funcionários. A verdade é que todo ano tem esse aumento e só neste que barraram”Celeste Maria Menezes GontijoPresidente da Câmara de Vereadores de Abaeté

A população fez uma Petição Pública e um dos vereadores, Marcelo Vargas, recorreu à Justiça para barrar a alta. Por meio de uma liminar, o reajuste foi suspenso. 

A presidente da Câmara, Celeste Maria Menezes Gontijo, disse que o “único erro” foi o projeto não ter entrado na pauta no dia da votação. “Não tinha nada de errado, estávamos só repondo as perdas. Todo ano tem esse reajuste”, afirma.

Pelo Brasil

O aumento dos subsídios neste ano de crise não foi um privilégio apenas dos vereadores das cidades mineiras. Em todo o Brasil existem situações parecidas. 

É o caso de Juazeiro do Norte, no Ceará, onde os vereadores aumentaram em 20% os próprios salários, passando de R$ 10 mil para R$ 12,6 mil, mesmo diante de protestos da população. 

Na cidade de Goiás, no Estado homônimo, conhecida como “Goiás Velho”, foi aprovado um projeto que garante aumento de 36% nos salários dos parlamentares, chegando aos R$ 7,5 mil. De autoria da presidente da Casa, Eliane de Bastos (PDB), o projeto elevou também o salário do prefeito de R$ 14,5 mil para R$ 17 mil.

“A Câmara tinha um valor reservado para pagar cinco servidores que entraram na Justiça, caso eles vencessem a ação. Como a Câmara venceu, o dinheiro iria para a prefeitura. Mas os vereadores acharam por bem utilizar o recurso para recompor as perdas nos subsídios”Maria do Pilar Barroso BarcelarServidora da Procuradoria Geral da Câmara dos Vereadores de Timóteo

Os vereadores de Aracaju também receberão um “plus” no contracheque. A alta, de 25%, fará com que os parlamentares deixem de ganhar um pouco mais de R$ 15 mil e passem a contar com vencimentos mensais de R$ 19 mil a partir do ano que vem. 

Enquanto isso, apenas 24% das negociações salariais ocorridas no primeiro semestre deste ano, analisadas pelo Dieese, tiveram ganhos reais nos salários.

Para 36,8% das categorias, o percentual de aumento é equivalente à inflação do período anterior. E uma gama de 38,8% delas não irão recompor o índice inflacionário, ou seja, terão perdas. 

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