Guitarra em crise? Gibson traz reflexão sobre papel do instrumento na música pop atual

Lucas Buzatti
lbuzatti@hojeemdia.com.br
26/02/2018 às 08:37.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:34
 (Gibson/Divulgação)

(Gibson/Divulgação)

Pedro Gontijo  Cercado de guitarras, o músico e produtor Leonardo Marques ressalta o caráter cíclico da cultura pop 

B.B. King, Jimi Hendrix, Slash, Bob Marley, Eric Clapton, Jimmy Page – a lista de icônicos entusiastas das guitarras Gibson é extensa. Igualmente grande foi o choque gerado pela notícia, divulgada na última semana, de que a empresa norte-americana corre risco de falência. Segundo o “Nashville Post”, jornal da cidade que sedia a fábrica da marca, é crítica a situação financeira da Gibson Brands, que tem uma dívida a vencer em agosto deste ano na casa dos 375 milhões de dólares.

O assunto caiu como uma bomba no meio musical, provocando intensa reflexão sobre o papel da guitarra no atual momento da música pop. Seria a perda de protagonismo do instrumento o motivo que levou a mítica marca, no alto de seus 124 anos, a enfrentar tal avassaladora crise? O pop perdeu o fascínio pela guitarra, defronte às novas estéticas e possibilidades de produção musical? Onde e como a guitarra se encaixa na atualidade?

Para John Ulhoa, guitarrista do Pato Fu, o instrumento caiu num lugar de acompanhamento e apoio. “Acho que até bailarinos têm mais destaque na atual cultura pop do que as guitarras, no sentido de serem apoio para o vocalista. Na verdade, em grande parte dos shows do mainstream, mal se vê os músicos. Se é que eles estão ali”, critica, ponderando que as Gibsons sempre serão objetos de desejo. “Guitarras estão virando parte de um segmento menor, são parte de uma cultura vintage agora. Nesse sentido, a Gibson ainda tem muita força, é dona de alguns dos designs mais desejados”, defende.

Para além do rock

Affonsinho ressalta que a guitarra é muitas vezes ligada, erroneamente, apenas ao rock – e na verdade é ele que tem perdido espaço na cultura pop. “Acho que o rock deu uma piorada mesmo. Não temos mais instrumentistas impressionantes como Hendrix, Clapton, Jeff Beck. Há muita técnica, mas pouco sentimento, pouca sutileza”, afirma. “Ao mesmo tempo, a guitarra é fundamental em outros estilos, como o jazz e o blues. E aí temos novos guitar heroes surgindo, como o norte-americano Derek Trucks, que é impressionante”, completa.

Cercado por guitarras de estimação em seu estúdio, Ilha do Corvo, o músico e produtor Leonardo Marques (Transmissor) ressalta que é preciso observar as diferentes camadas do universo pop. “Acho que, no mainstream, realmente, a guitarra não é o ícone de antes. Hoje, o Nuno Bittencourt faz um solo na música da Rihanna, é algo pontual. Ela está viva, mas mais escondida”, pontua. “Agora, no underground, ainda há uma evidência. Por exemplo, a Maglore (BA), banda que produzi recentemente, era um trio e voltou a ser um quarteto, justamente com um guitarrista a mais, fazendo as linhas melódicas, os riffs que se cantam”, afirma, citando ainda nomes como o do americano Black Mills e do brasiliense Pedro Martins.<EM>

Marques ressalta o caráter cíclico da cultura pop. “Nos últimos tempos, os músicos têm explorado novas possibilidades e acabaram deixando a guitarra de lado. A música tem essa coisa de ciclos. Esse, talvez, só esteja demorando muito a passar”, reflete. “Mas acredito que uma hora a guitarra vá voltar como um elemento novo, atraindo atenção do universo pop mais uma vez”.Gibson/Divulgação Um dos entusiastas do modelo Les Paul, o guitarrista norte-americano Slash é, hoje, o “embaixador” da Gibson

Instrumento continua desejado no comércio em BH

Proprietário da loja Solsete Musical, Ravel Veiga absorveu o declínio da Gibson com tristeza e desconfiança. “É uma notícia chocante para quem está envolvido na cadeia produtiva da música, porque a Gibson é muito simbólica. Uma marca com um legado gigantesco na fabricação e no comércio de guitarras”, afirma o mineiro, que também é músico e toca baixo na banda Zimun. “Ao mesmo tempo, também fiquei desconfiado, porque isso faz parte da cultura dessas grandes marcas. Muitas delas já foram vendidas em outras épocas, como a própria Gibson e a Fender. Penso que pode ser uma notícia gerada pela própria empresa para criar interesse de venda ou atrair grandes investidores”, completa. 

Veiga ressalta que a guitarra segue como um dos principais carros-chefe da loja. “É claro que, nos últimos anos, o comércio teve uma queda de vendas, de forma geral. Como no Brasil a música é tratada como algo supérfluo, esse mercado foi impactado. Mas com relação à guitarra frente a outros instrumentos, não notamos queda de vendas, pelo contrário”, afirma. “Depois do violão, a guitarra é o instrumento que mais vendemos. Se for uma Gibson, então, é só anunciar que vende na hora. Também damos aulas de guitarra e o número de pessoas, principalmente jovens, querendo aprender a tocar só cresceu nesses dez anos de loja”, pontua. 

O luthier Paulo Penteado faz coro. “No caso das custom shops (lojas de instrumentos feitos sob medida para o cliente), percebo que a procura só tem aumentado no Brasil. Muita gente busca uma guitarra de luthier por perceber que é possível fazer um instrumento customizado e, na maioria das vezes, por um preço mais acessível”, afirma, ressaltando que uma guitarra customizada sai por cerca de R$ 6 mil, enquanto uma Gibson Les Paul não custa menos que R$ 10 mil. “Hoje, por conta dos impostos e da alta do dólar, uma guitarra de marca tem um custo muito alto para o público brasileiro”, completa.

Penteado defende ainda que não se deve tratar a parte como todo. “É complicado dizer que a guitarra está em crise porque a Gibson está em crise. É como dizer que o carro vai acabar porque a Ford está ‘quebrando’. São muitas as marcas e possibilidades”, diz. “A guitarra ainda é um instrumento importante, mesmo no pop. Nos discos de Anitta e Pablo Vittar, ela está ali. No sertanejo, então, você escuta melhores solos que no rock”, pontua. 

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