Imbróglio sobre tabela de honorários ameaça assistência jurídica a carentes em Minas

Evaldo Magalhães
efonseca@hojeemdia.com.br
05/03/2018 às 08:40.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:42
 (Maurício de Souza)

(Maurício de Souza)

Milhares de pessoas sem recursos financeiros para contratar advogados correm o risco de ficar sem representantes legais em processos judiciais em Minas Gerais. O motivo é um impasse entre esses profissionais – os chamados advogados dativos, que atuam onde não há defensores públicos concursados – e o Estado no que diz respeito aos valores fixados para o serviço e ao atraso no pagamento dos honorários. 

A seção mineira da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB/MG) emitiu recomendação aos associados para que não aceitem nomeação como dativos enquanto essas questões não forem resolvidas. “Essa paralisação deve persistir até que haja boa vontade para pagar os advogados”, afirma o conselheiro seccional da OAB/MG Raimundo Candido Neto. 

A entidade informa que, das 296 comarcas da Justiça Mineira, apenas 113 têm defensores públicos. Nas demais 183 (62% do total), quem fica incumbido de defender pessoas sem condição financeira para bancar advogados particulares são os dativos, escolhidos pelos juízes. Temos uma tabela com valores pelos serviços dos dativos defasada”, diz Candido Neto. Segundo ele, o problema maior é a falta de pagamento aos profissionais, o que gera ações judiciais. 

De acordo com o conselheiro, há hoje, no Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG), mais de 70 mil processos de cobrança de honorários movidos por advogados dativos mineiros. Ele não soube mensurar o valor de tais processos.

Incidente repetitivo

A questão dos valores a serem pagos pelos serviços dos dativos em Minas Gerais pode ser resolvida em breve. Em fevereiro, os desembargadores da 1ª Seção Cível do TJMG iniciaram o julgamento do que se chama, em direito, de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) relativo ao tema. O IRDR é um processo que trata de um assunto abordado em inúmeros outros processos. Assim, depois que ele é julgado, a mesma decisão pode ser aplicada de forma unificada a todas as outras ações judiciais de igual teor.

No caso do pagamento dos dativos, uma das questões cruciais, e que vem suscitando as milhares de ações movidas pelos advogados, tem sido justamente a precificação dos honorários. 

Em 2013, uma tabela foi elaborada e aprovada em conjunto pelo TJMG, pela Advocacia-Geral de Minas Gerais e pela OAB/MG. Ela estabelece valores que vão de R$ 105,66, para honorários por cada audiência, a R$ 1.267,91, referentes a defesas em processo de competência do Tribunal do Júri. 

Além de questionar os valores da tabela, o conselheiro da OAB/MG Raimundo Candido Neto diz que outro problema é que, muitas vezes, o juiz que nomeou o dativo fixa outra remuneração e o Estado, por sua vez, contesta os valores, gerando litígio. “Os valores fixados na tabela são módicos para que se remunerasse minimamente o trabalho dos dativos e para que o pagamento pudesse ser feito administrativamente, sem burocracia. Infelizmente, essa tabela não tem sido aplicada e a Justiça é que tem decidido quanto se deve pagar. Aí, o Estado recorre, pedindo para diminuir o valor e postergando o pagamento”, explica ele. 

O julgamento da IRDR foi adiado porque a presidente da 1ª seção Cível, desembargadora Teresa Cristina da Cunha Peixoto, pediu vistas no processo. A previsão é a de que seja retomado em 21 de março. Procurada pelo Hoje em Dia, a AGE informou, por meio de nota, que aguarda o julgamento da IRDR que tramita no Tribunal de Justiça de Minas Gerais, tratando da remuneração dos advogados dativos no Estado.

Defensoria

Fontes ligadas à Defensoria Pública de Minas Gerais dizem que o ideal seria o fim da atuação de dativos em processos nos quais os cidadãos não têm recursos financeiros para constituir advogados. Para isso, seria necessário ampliar e melhorar a infraestrutura do órgão e contratar profissionais – hoje, são 651 defensores mineiros, pouco mais da metade das 1,2 mil vagas já oficialmente criadas para o órgão.

Por meio de nota, a assessoria de comunicação da Defensoria destacou que, a despeito de restrições financeiras e orçamentárias, o órgão realizou, em 2016, 1,98 milhão de prestações jurídicas em todo o Estado e, em 2017, 2,16 milhões. 

Contestações judiciais impedem pagamentos de dativos
 

São comuns casos de profissionais que atuam como dativos em comarcas do Estado, geralmente em cidades pequenas e distantes dos centros mais importantes, sem receber qualquer remuneração por isso. O advogado Ary Alves Dias Filho, da comarca de Ipanema, na Região do Vale do Rio Doce, por exemplo, diz que é indicado como dativo em processos criminais e cíveis desde 1998, quando abriu escritório no município. Mas alega que jamais teve os honorários depositados em sua conta.

“Tenho mais de 200 processos como dativo e nunca recebi um centavo”, diz. “O grande problema é que a tabela da OAB/MG já tem valores baixos para evitar que o pagamento vire precatório, permitindo que possa ser pago administrativamente. Mas nem assim conseguimos receber. O juiz arbitra um valor, o Estado contesta e nossa única saída é tentar receber o que consideramos justo por via judicial”, acrescenta.

O advogado afirma que, de alguns meses para cá, como quase nenhum dos colegas aceita nomeações para ser dativo nas quatro cidades da comarca, a solução encontrada pela Justiça tem sido nomear profissionais recém-formados.

Essas pessoas, ressalta Dias Filho, atraídas pela possibilidade de “ganhar experiência”, acabam aceitando fazer as vezes de defensores públicos, inexistentes na comarca, mesmo sabendo que não receberão seus honorários. “Quem sai perdendo com essa situação é o cidadão, porque muitas vezes é prejudicado pela falta de experiência do seu representante legal”, ressalta. Só na comarca de Ipanema, sustenta Dias Filho, haveria cerca de 70 advogados recém-formados atuando como dativos.

Histórico

A lei que regulamentou a remuneração dos advogados dativos em Minas Gerais foi aprovada em 1999 pela Assembleia Legislativa, atendendo ao que consta no artigo 272 da Constituição Estadual, datada de 1989. 

O artigo prevê que “o advogado que não for defensor público, quando nomeado para defender réu pobre, em processo civil ou criminal, terá os honorários fixados pelo Juiz, no ato da nomeação, segundo tabela organizada pelo Conselho da Ordem dos Advogados do Brasil, Seção do Estado de Minas Gerais, os quais serão pagos pelo Estado, na forma que a lei estabelecer”.

Mais de uma década depois da regulamentação, em novembro de 2013 – um ano após ter firmado Termo de Cooperação Mútua com o governo estadual para que se cumprisse a determinação –, a OAB/MG denunciou descumprimento do referido acordo. 

Em 2016, segundo a OAB/MG, o Estado comprometeu-se a quitar R$ 12 milhões em dívidas com esses advogados, o que ainda não ocorreu. 

 

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