Liderança petista defende autocrítica do partido e vê excessos na “Lava Jato”

Filipe Motta
fmotta@hojeemdia.com.br
05/12/2016 às 08:15.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:56

Quadro histórico do PT, o deputado federal mineiro Patrus Ananias é contra a ideia de “refundação” do partido, mas admite a necessidade de um “exame de consciência”. Patrus participou dos governos de Luiz Inácio Lula da Silva e de Dilma Rousseff como ministro do Desenvolvimento Social e Desenvolvimento Agrário. É do grupo petista próximo a Lula. Em entrevista ao Hoje em Dia, ele questiona a “Lava Jato”, que compara a uma lógica ditatorial, e fala do temor de uma possível prisão de Lula. 

Há erros de diagnóstico do PT que contribuíram para o atual nível de fragilidade e desgaste da imagem do partido?
Tivemos muitos acertos e erros. Os acertos são visíveis, embora muitos queiram negar. Em 2014, por exemplo, a FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação) retirou o Brasil do mapa do mundo da fome. Temos cinco anos de seca, mas não temos mais a figura dos retirantes. O golpe foi por causa desses avanços. As classes dominantes fizeram a leitura de que “agora temos que parar de ficar dando dinheiro para pobre. Em tempos de vacas gordas, sobra um pouquinho, tudo bem. Mas agora chega”.

E quanto aos erros?
Por outro lado, é claro que nós temos que fazer a nossa revisão, a nossa autocrítica. É inegável que entre nós, do Partido dos Trabalhadores, lideranças se submeteram às regras do jogo, basicamente o financiamento privado das campanhas eleitorais, com as suas consequências perversas – nessa relação entre público e privado que é uma espécie de privatização do Estado brasileiro. Isso não começou conosco, obviamente, mas não tivemos como extirpar.

O fato de o PT, historicamente, defender um discurso da ética na política fez com que o dano fosse mais severo?
Isso tem a ver, sim. Nós construímos um discurso ético, de desprivatização, de colocar rigorosamente os recursos públicos a serviço do povo, especialmente dos que mais precisam. Mas é claro que tivemos experiências transparentes e limpas, como foi o nosso caso à frente da Prefeitura de Belo Horizonte, e no Ministério do Desenvolvimento Social.

O PT precisa se refundar, como propõe o ex-governador Tarso Genro (RS)?
Gosto muito do Tarso, mas acho que a refundação deve ser um processo permanente. Gosto mais do termo “exame de consciência”. De nos voltar para nós mesmos. Temos muita facilidade de colocar a culpa nos outros. E eu nesse processo? Sabemos que a tensão do dinheiro, do poder, dos bens materiais é grande. E temos que colocar uma nova pauta. 

Qual pauta?
Foi um erro o PT não ter aprofundado as questões da participação política, da democracia participativa, do orçamento participativo. A participação popular tem um lado pedagógico e um lado prático. Se os recursos são escassos, o melhor caminho é chamar as pessoas para definir quais são as prioridades. Quem está no seu espaço sabe os problemas que as pessoas dali vivenciam. Com o orçamento participativo, as pessoas se tornam fiscais do Estado (ele é um instrumento importante de combate à corrupção) e é também um instrumento de combate à burocracia (as pessoas acompanham a execução das obras). O PT errou ao não consolidar a participação no plano municipal e ao não levá-la aos planos estadual e federal.

Existe a crítica de que o PT fez uma inclusão pelo consumo e também deveria ter cuidado da inclusão política...
É verdade, eu concordo. (Deveria ter feito) Uma inclusão política e cultural. Criar condições para que as pessoas possam expandir as suas consciências e exercer a cidadania. Nessa mesma linha, ficamos aquém por não termos ousado mais no sentido de disciplinar e normatizar em nome do interesse público. Outro ponto é que precisamos transformar a linguagem da política, torná-la mais atrativa, interessante, até para dialogar com a juventude.

Essa autocrítica está sendo feita?
Está. É claro que não é uma coisa fácil, no momento que estamos vivendo. Até porque há um contraponto.

Qual contraponto?
Estamos vivendo um momento delicado com a “Lava Jato”. Falo como advogado e professor de direito. Por um lado, precisamos participar ativamente do combate à corrupção, queremos que o Partido dos Trabalhadores faça seu exame de consciência, a sua autocrítica, vendo onde lideranças e militantes erraram ou foram omissos, agindo dentro desses padrões históricos do Brasil. Mas queremos isso dentro de uma legalidade constitucional, onde as pessoas possam se defender e serem respeitadas. Não uma ditadura de um juiz ou de uma parte do Ministério Público. Eu fui um dos que aplaudiram a ampliação desses órgãos na Constituição de 1988. Mas muitos de nós questionamos se não há também um excesso, quebrando conquistas relacionadas ao devido processo legal, o direito de defesa, o princípio do contraditório e a presunção de inocência.

O senhor é a favor da delação premiada?
Com muitas ressalvas. Primeiro, a delação premiada não pode ser uma prova, em si. Ela tem que ser comprovada com documentos, com fatos concretos. Eu aprendi, como estudante de Direito, que a prova testemunhal é a mais frágil – sem entrar no mérito do caráter, tem a questão dos registros da memória e da percepção.

O senhor teme a prisão do ex-presidente Lula?
Não estou acompanhando o dia a dia da “Lava Jato”, mas me parece que há pessoas envolvidas com a operação que não têm outra coisa na cabeça do que chegar ao presidente Lula. Espero que não (seja preso), pelo que ele fez e representa ao país. Até agora, tudo que tenho visto é que não há nenhuma prova. São acusações. Eles “têm convicções”, mas não têm provas. 

O senhor acredita que o ex-presidente é inocente?
Claro. Por tudo que sei de Lula. Fui ministro dele por mais de sete anos. Nossas conversas, de uma amizade de mais de 40 anos, são sempre entorno de uma ideia de bem comum, dos direitos dos pobres e da classe trabalhadora.

No caso da anistia ao caixa dois, o senhor é contra?
Radicalmente contra.

Porque houve uma lista de deputados do PT contrários à anistia e o senhor não a assinou
Coloquei a posição no meu blog. Não assinei a lista porque estava trabalhando com a busca de uma decisão unitária do partido. Os companheiros que assinaram a lista poderiam ter esperado um pouco para tentarmos algo mais amplo.

A lista pode acelerar um racha no partido?
Eu trabalho muito para preservarmos a unidade do PT. Sei que isso é difícil, mas quero a unidade. Vejo com certa apreensão essas medidas de divisão que podem comprometer a própria unidade da esquerda. Quero uma aliança da esquerda, unindo movimentos sociais, a juventude, setores ligados às igrejas e às universidades. Para termos unidade da esquerda é fundamental a unidade no PT.

Dependendo do cenário, o PT poderia abrir mão de uma candidatura própria em 2018? Apoiaria Ciro Gomes (PDT), por exemplo?
Não podemos fechar os olhos para o calendário eleitoral, mas acho que temos (outras) prioridades. Temos que fazer um pacto entorno do Estado democrático de direito. Acho importante nós, de esquerda, buscarmos também interlocução com forças de centro, universidades, igrejas, setores da mídia, intelectuais e o mundo da cultura para acertarmos um pacto democrático. Impedirmos um retrocesso, que seria lamentável. 

Alguns quadros do PT sugerem um plano estratégico, de lançar nomes de maior visibilidade para o Congresso, em 2018, como forma de viabilizar a manutenção do tamanho da bancada, e, assim, do tempo de TV e recursos do fundo partidário...
É um caminho. Nós pagamos um preço por valorizar muito o Executivo (que dá respostas mais rápidas) em detrimento ao Legislativo, que é um espaço mais lento, mais plural. É um desafio valorizarmos mais o Legislativo.

O senhor tem falado da necessidade de retomar a relação com as igrejas. Falta um diálogo da esquerda com os evangélicos?
Há evangélicos e evangélicos. Da mesma forma que na Igreja Católica há setores conservadores que questionam a liderança extraordinária do papa Francisco. Defendo o Estado laico, mas reconheço que as tradições religiosas, no seu cerne, têm dimensões éticas importantes. Precisamos conversar com lideranças religiosas que veem em suas convicções uma forma de busca por um bem comum. E para aquelas numa linha conservadora, desejo que possamos ao menos restaurar o diálogo, para preservar o convívio. Não vamos caminhar juntos na política, mas é possível conversar. Hoje, a linha está muito tênue, com sectarismo, intolerância.

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