‘Lula sabia e participou’, diz Valério sobre envolvimento de petista em mensalão

Amália Goulart, Tatiana Moraes e Felipe Boutros
primeiroplano@hojeemdia.com.br
25/07/2017 às 22:29.
Atualizado em 15/11/2021 às 09:45
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Da cadeia, o ex-publicitário Marcos Valério Fernandes de Souza acusou o ex-presidente Lula (PT) de participar de acertos para pagamento de propina não só para a campanha eleitoral em 2002, mas após assumir a Presidência da República. O ex-publicitário sustenta que Lula sabia e abençoou o mensalão, escândalo revelado em 2005 que consistiu na compra de base parlamentar e resultou na condenação de vários petistas. Valério pegou 37 anos de prisão.

Em documento obtido com exclusividade pelo Hoje em Dia, o ex-publicitário narra situações com ou sem a participação do petista, mas, conforme ele, sempre com o aval presidencial.

Valério escreveu à mão 60 anexos, cheios de erros de português, digitalizados pelo advogado Jean Kobayashi e entregues aos promotores em Minas Gerais, uma espécie de pré-acordo de colaboração premiada. Nele, discorre sobre como atuou em várias esferas do poder. Os detalhes foram revelados posteriormente, em depoimentos à Polícia Federal.

No anexo 50, intitulado “Lula X Palocci X Portugal Telecon”, Valério diz que agendou um encontro entre Lula e o então presidente do Banco Espírito Santo para tratar de assuntos do banco português. Conforme Valério, a intenção era negociar uma doação de US$ 7 milhões a Lula. Ele não especifica se o dinheiro iria para a campanha pela reeleição.

“Combinamos um código que seria usado durante a reunião para que o pessoal do banco tivesse ciência de que o presidente Lula sabia da doação. Assim foi feito, viajei com o pessoal do banco no mesmo jatinho ate Brasília e a reunião aconteceu também com a presença de Lula e Antonio Palocci. Terminada a reunião e o código que aconteceu, o presidente do Banco confirmou a doação por parte da Portugal Telecon (sic)”, disse Valério.

Conforme ele, o dinheiro foi pago no exterior. “Um dos pleitos da Portugal era a saída da empresa Vivo e a sua operação em outra empresa brasileira que no caso queriam a Telemar (sic)”, contou o ex-publicitário.

Valério relata ainda passagens em que Lula “abençoou” a compra de deputados para votar de acordo com interesse do governo, escândalo que ficou conhecido como mensalão. Segundo ele, acertos foram feitos com o antigo PL, PP, PT, PMDB e PTB. “Os acertos com o PTB tinha inicialmente o deputado Jose Martinez como interlocutor, junto com o ministro do Turismo Walfrido de Mares Guia, acordo este feito com o Presidente Lula, Jose Dirceu, José Genuino e Dalubio”, afirma Valério. Ele cita os ex-dirigentes do PT condenados no mensalão.

Em outro trecho, o ex-publicitário diz que Lula “abençoou” pagamentos escusos a deputados do PMDB para votações a favor do governo. Transferido de uma penitenciária para uma Apac, após acordo para colaboração premiada, Marcos Valério espera homologação da delação pelo STF.

Paulo Okamotto teria intermediado pagamento de R$ 5 milhões de empreiteira a advogados

Amigo pessoal de Lula, Paulo Okamotto teria sido nomeado pelo ex-presidente para ser o interlocutor de sua equipe com a SMP&B, agência de Marcos Valério, na crise do mensalão. A afirmação consta no anexo 58 da delação do ex-publicitário. Em uma das reuniões realizadas para “encontrar uma saída”, um pagamento de R$ 5 milhões teria sido feito à defesa do operador do mensalão pela Andrade Gutierrez, disse Valério.

O primeiro encontro teria sido realizado na casa de uma funcionária da SMP&B às vésperas do primeiro depoimento de Valério na CPI dos Correios. Em uma das reuniões, diz Valério, Paulo Okamotto orientou que o ex-publicitário e a defesa deveriam “ganhar tempo no depoimento, pois já estariam negociando uma saída com a ajuda do vice-presidente e de alguns caciques do PMDB”, diz o texto.

Enquanto os esquemas políticos eram articulados, a orientação jurídica estaria sendo dada pelo ministro da Justiça à época, Márcio Thomaz Bastos. Valério teria se encontrado com o então ministro na casa do jurista, em Brasília. Marcelo Leonardo, advogado do ex-publicitário, também estaria presente, conforme o operador do mensalão.

Na ocasião, foi acertado pagamento de R$ 5 milhões para bancar despesas dos advogados. Este pagamento seria determinado por Paulo Okamotto depois do depoimento.

“Ali ele nos falou que a construtora Andrade Gutierrez faria o pagamento de R$ 5 milhões”, afirma.

De acordo com o anexo da delação, Okamotto teria garantido que o dinheiro seria transferido de uma conta no exterior em uma semana. Os recursos deste pagamento foram divididos entre os advogados dos seis réus do núcleo publicitário.

Conforme Valério, o então ministro da Justiça teria se encontrado com Marcelo Leonardo para informar o que o governo faria para ajudar juridicamente o ex-publicitário e os acordos que estariam sendo feitos pelo presidente Lula.

Com o passar do tempo, os encontros com Okamotto teriam se tornado mais frequentes, realizados a cada 15 dias em Brasília. Nesses encontros, seriam definidos os repasses mensais ao grupo.

Instituto Lula afirma que operador do esquema fraudulento ‘requenta acusações falsas’

A assessoria de Lula negou a veracidade das informações prestadas nos anexos que citam o ex-presidente e Paulo Okamotto. “O senhor Marcos Valério em setembro de 2012 prestou um longo depoimento. Esse depoimento fazia uma série de afirmações mentirosas sobre Luiz Inácio Lula da Silva e Paulo Okamotto. Essas afirmações já foram investigadas pelo Ministério Público (brasileiro e português) que arquivou ou pediu arquivamento de todas essas afirmações por absoluta falta de provas. Essa citação específica que o jornal aborda foi objeto de investigação arquivada em setembro de 2015 no Brasil e em outubro do mesmo ano em Portugal. O senhor Marcos Valério requenta acusações falsas e casos já devidamente investigados e arquivados para tentar entrar no mercado de negociação de redução de penas judiciais”, diz nota enviada pela assessoria.

Também por nota, a Usiminas negou conhecimento dos fatos. “A Usiminas reitera que não teve acesso ao documento citado e desconhece a veracidade dos fatos, os quais teriam supostamente ocorrido há cerca de 20 anos, sendo que nenhum administrador à época é administrador da companhia atualmente”, afirma o texto. A Andrade Gutierrez não quis comentar os anexos da pré-delação, mas informou que colabora com as investigações em curso dentro do acordo de leniência firmado pela empresa com o Ministério Público Federal.

O advogado de José Dirceu, Roberto Podval, que não dá credibilidade a nenhuma declaração de Marcos Valério. Marcelo Leonardo afirmou que participou de inúmeros encontros com o então ministro Marcio Thomaz Bastos, mas nunca para tratar de pagamento. “Nos encontramos várias vezes. Afinal, ele era um colega, advogado, que estava ministro. Essa parte de pagamento de R$ 5 milhões não é verdade”, enfatiza o advogado.

O ex-ministro Walfrido dos Mares Guia não atendeu às ligações. O grupo chinês Haitong, que hoje controla o que era o banco Espírito Santo, falido, não respondeu até o fechamento desta edição. A Oi, então parceira da Portugal Telecom, não quis se pronunciar. O deputado José Carlos Martinez morreu em 2003 em um acidente de avião. Ele era presidente do PTB. A reportagem não conseguiu contato com Delúbio Soares, Antonio Palocci, Sílvio Pereira, José Genoíno e José Borba.

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