Massacre em presídio de Roraima escancara descontrole no sistema prisional

Tatiana Lagôa, Flávia Ivo e agências
tlagoa@hojeemdia.com.br
07/01/2017 às 06:00.
Atualizado em 15/11/2021 às 22:20

O narcotráfico deu mais uma demonstração de força e crueldade em um massacre ocorrido na madrugada de ontem. Dessa vez, 31 presos foram brutalmente assassinados na Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), em Roraima. 

A chacina ocorreu apenas quatro dias após o assassinato de 56 presos no Complexo Penitenciário Anísio Jobim (Compaj), em Manaus. De pano de fundo está a guerra pelo controle de rotas de tráfico entre o PCC e a Família do Norte. 

Da mesma forma que a primeira carnificina, as vítimas foram decapitadas, mutiladas e esquartejadas. Ao anunciar a morte das 31 vítimas, em nota, o governo de Roraima disse que a situação está “sob controle”. 

Não há uma confirmação oficial sobre a motivação do crime. Mas o jornal argentino Clarín divulgou um vídeo, gravado pelos próprios presos, onde há citação de uma possível vingança pela morte “dos irmãos” em Manaus.

Além disso, circula na internet um comunicado atribuído ao Comando Regional Norte do PCC com promessa de represálias pelo ocorrido. PCC e Família do Norte romperam uma aliança em junho do ano passado.

A Ordem dos Advogados do Brasil disse que levará os casos à Corte Interamericana de Direitos Humanos

Sem ligação

Apesar das coincidências entre os crimes, o ministro da Justiça, Alexandre de Moraes, nega haver ligação entre os crimes. “Não é, aparentemente, uma vingança do PCC à Família do Norte”, afirmou. Ele garantiu que, desde as últimas rebeliões ocorridas nesse presídio, houve uma separação entre as facções rivais. Para ele, todas as vítimas eram do PCC. 

O ministro citou rebeliões anteriores porque essa não é a primeira vez que a Pamc é palco de um massacre. No dia 17 de outubro de 2016, dez presos morreram no mesmo presídio após um confronto entre facções. No episódio, alguns também foram decapitados e outros queimados vivos. Na época, o local tinha 1.400 internos. Ou seja, o dobro da capacidade.

A situação estava tão complicada no presídio que, no dia 24 de novembro do ano passado, a governadora Suely Campos enviou um ofício ao Ministério da Justiça solicitando apoio do governo federal, em caráter de urgência, incluindo reforço da Força Nacional de Segurança. 

O ministro da Justiça respondeu em ofício que “apesar do reconhecimento da importância do pedido de Vossa Excelência, infelizmente, não podemos atender o seu pleito”.

Apesar de o pedido estar documentado, Moraes afirma que a solicitação havia sido para ajudar na segurança pública por causa de problemas causados com a imigração de venezuelanos. Ele nega que a intervenção no sistema prisional tenha entrado nas reivindicações. 

O presidente Michel Temer optou por se manifestar por nota oficial de maneira mais rápida sobre o novo episódio. Ele lamentou as mortes.

Encarcerados viviam em condições desumanas em unidade

As condições de vida dos presos da Penitenciária Agrícola de Monte Cristo (Pamc), onde ocorreu o massacre ontem, são desumanas. Esgotos e valas a céu aberto, celas sujas, sem higiene e sem ventilação. Infiltrações nas paredes, instalações elétricas e hidráulicas deficientes. Presos doentes, sem tratamento médico, cuidados por outros detentos. 

O cenário de guerra foi descrito pela Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) de Roraima, em relatório produzido no ano passado, e pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em levantamento feito em 2010. 

Ou seja, as condições degradantes se arrastam há anos. Na época, o órgão já apontava “um quadro de celas sujas, fétidas, escuras e úmidas. O esgoto está a céu aberto e alguns pavilhões correm riscos de desabar”.

A superlotação também chama a atenção. Segundo o CNJ, a penitenciária tem capacidade para 750 detentos, mas possui 1.398 presos, atendendo a quase o dobro da capacidade. No local, onde os presos cumprem pena em regime fechado, não há aparelho para bloqueio de celular ou oficinas de trabalho. 

Conforme o relatório do Conselho, na inspeção não foram encontradas armas de fogo ou instrumentos capazes de ofender a integridade física. Porém, foram apreendidos 113 aparelhos de comunicação ou acessórios.

O relatório prosseguia: “Alguns presos foram abandonados à própria sorte, já que estavam doentes e sem assistência médica e material, pois, atualmente, somente existe um único médico que presta serviço a penas três vezes por semana”.

OAB

Relatório do órgão, publicado em maio do ano passado, apontou que o presídio, localizado na zona rural, a 10 km da capital Boa Vista, tinha estrutura precária e superlotação. Além disso, dos 1.300 presos no local, 939 cumpriam prisões preventivas e 180 não haviam sido sequer ouvidos na Justiça. 

Na apresentação do relatório, Hélio Abozaglo, presidente da Comissão de Direitos Humanos do órgão, afirmou que Roraima precisa urgentemente de um presídio novo. “A construção urgente de um presídio de porte médio com capacidade para 500 internos também ajudaria na resolução da superlotação do local”, destacou. 

Em visita ao presídio, a OAB também constatou que presos que haviam cometido crimes graves, como homicídios, ficavam nas mesmas celas de detentos com infrações mais leves. 

Mundo repercute carnificina nos presídios brasileiros

Os massacres ocorridos nos presídios de Manaus, no dia 1º, e de Roraima, ontem, foram notícia por todo o mundo. A imprensa internacional mostrou as rebeliões nas unidades prisionais iniciadas pela rivalidade entre as facções criminosas Família do Norte (FDN), em parceria com o Comando Vermelho (CV), e o Primeiro Comando da Capital (PCC).

A guerra nos estados da Amazônia brasileira apareceu no jornal The New York Times com destaque para o temor das autoridades do país de um acirramento da briga entre as quadrilhas pelo controle do comércio de cocaína no Brasil.

A emissora de televisão CNN, também norte-americana, destaca na programação notícias sobre os assassinatos nas prisões brasileiras. Junto a ela, outras redes de televisão CBS News, ABC News e Sky News também deram ampla cobertura aos acontecimentos em Roraima. 

Na Alemanha, a rede de notícias Deustche Welle informou que a violência ocorrida na prisão roraimense Monte Cristo foi um ataque rápido “a maior parte dos assassinatos foi realizada com facas, já que não foi encontrada nenhuma arma de fogo na prisão”, destacou no site.

Cobertura

A emissora BBC, do Reino Unido, fez uma entrevista com o secretário de Justiça e Cidadania de Roraima, Uziel Castro, sobre a violência na madrugada de ontem.

O secretário culpou gangues pelos assassinatos na prisão, acrescentando que alguns corpos foram encontrados decapitados, assim como aconteceu no massacre em Manaus. 

O jornal britânico Daily Mail também dá destaque à declaração de Uziel de Castro, que disse que a violência começou com o ataque feito pelo PCC, que é orientado pela chefia da quadrilha em São Paulo.

A emissora de televisão WSMV-TV, em Nashville, nos EUA, informou que a violência em Roraima faz parte de uma guerra entre gangues visando controlar as rotas de drogas, situadas na fronteira do Brasil com a Colômbia, Venezuela, Peru e Guianas.Editoria de Arte / N/A

  

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