Caso de gravidez dá esperança a trasplantadas com baixa fertilidade

AFP
29/01/2013 às 15:26.
Atualizado em 21/11/2021 às 21:23
 (Marcelo Gomez/Diario La Nacion/AFP)

(Marcelo Gomez/Diario La Nacion/AFP)

BUENOS AIRES - Uma gravidez com sucesso na Argentina, concebida in vitro em uma mulher que passou por um transplante cardíaco e cuja capacidade de procriar foi seriamente afetada pelos medicamentos que tem que tomar pelo resto da vida devido à intervenção, traz nova esperança para mulheres transplantadas e com baixa fertilidade.

"Não existem antecedentes no mundo de uma paciente trasplantada que tenha conseguido ficar grávida por fertilização in vitro", disse, em entrevista à AFP, Gustavo Leguizamón, chefe da Unidade de Gravidez de Alto Risco do Centro de Educação Médica e Pesquisas Clínicas (CEMIC) em Buenos Aires, onde foi realizado o tratamento.

Juliana Finondo, de 39 anos, passou por um trasplante de coração há 13 anos e após dois anos tentando engravidar sem sucesso por via natural, com apenas 25% de chance de conseguir, teve em 15 de janeiro sua filha Emilia, concebida in vitro.

"Estas pacientes podem ter afetada sua reserva de óvulos e sua fertilidade diminuída. É novo que uma paciente trasplantada cardíaca possa encarar um tratamento in vitro", disse à AFP Sergio Papier, diretor médico do Centro de Estudos em Ginecologia e Reprodução (Cegyr), que não participou da intervenção.

Os imunossupressores, um coquetel de até dez medicamentos que as trasplantadas devem tomar para garantir a convivência com seu novo órgão, atuam impedindo o desenvolvimento de novas células de rápido crescimento, entre elas as que são necessárias para conseguir uma gravidez.

A paciente teve que se submeter a exaustivos exames para assegurar que seu organismo não apresentava nenhum sintoma de rejeição a seu novo coração.

"Houve também um pouco de sorte, na primeira tentativa aconteceu a gravidez, e após um tratamento com controle muito estrito a cada 15 dias durante nove meses, Emilia nasceu sem complicações em 15 de janeiro", disse à AFP Sergio Perrone, chefe da Unidade de Trasplante Pulmonar e Cardiopulmonar do hospital da Trinidad Mitre em Buenos Aires, e cardiologista de Juliana Finondo.

É claro que o tratamento supôs riscos para a paciente e para o feto. "Os efeitos dos imunossupressores no feto não são conhecidos, reconheceu o médico.

Por este motivo, a equipe montou um plano especial de medicação que, por um lado, evitava a rejeição do coração, e por outro permitia a gravidez.

"Tivermos que tirar as drogas que interferem sobre o desenvolvimento celular, mas uma mudança brusca implicava em riscos para sua vida, assim foi necessário ajustar os medicamentos meses antes da concepção e incluir remédios para estimular a produção de óvulos, algo arriscado por si só", disse.

Ricardo Jamdes, o especialista em medicina reprodutiva do CEMIC, que conduziu o processo de fertilização, também se referiu às dificuldades do processo.

"A estimulação do ovário pode produzir uma elevação dos níveis de estradiol plasmático -até doze vezes-, e isto poderia trazer mudanças hemodinâmicas, cujo impacto desconhecíamos em uma paciente trasplantada", admitiu em entrevista à AFP.

Superados os desafios da conceção, a gestação trouxe novas complicações.

"Nas pacientes cardíacas, ainda mais as transplantadas, uma das coisas que devem ser controladas é o crescimento normal do bebê no útero", explicou Leguizamón, a cargo da assistência à gestação.

Na gravidez, o volume de sangue "aumenta 40% e isso é muita sobrecarga para o coração. Esta situação faz com que não chegue sangue suficiente ao útero e o bebê se adapta crescendo menos, portanto a ameaça é a prematuridade", afirmou.

"Nunca tive medo, sou muito otimista, confiei", disse Finondo, uma design gráfica da província de Entre Ríos (leste) e radicada na capital argentina.

A maternidade foi o motivo que a fez decidir se submeter a um transplante em 1999, "porque os médicos disseram que não poderia encarar uma gravidez se não fizesse o transplante", explicou Finondo. O desafio continua

O nascimento da pequena Emilia, a termo (após 9 meses de gestação) e saudável, é o ponto culminante do trabalho da equipe médica, mas o desafio continua.

"No parto se converteu todo o equilíbrio que conseguimos estabelecer durante nove meses de gestação para manter ambas as vidas e agora é necessário começar outra vez", explicou Perrone.

Agora será necessário voltar a encontrar o ponto que permita à paciente conviver biologicamente com seu coração, etapa que "pode demandar entre três e seis meses", disse o especialista.

"A mensagem é incentivar a doação de órgãos, porque doar não só salva uma vida, mas a multiplica por muitas mais. Emilia será mãe alguma vez", disse Perrone.

O cardiologista lembrou que "os avanços em transplantes foram radicais nos últimos 30 anos" e o caso Finondo faz cair por terra os prejuízos sobre uma vida cheia de limitações.

"Hoje em dia um transplantado tem uma qualidade de vida excelente, muito melhor do que imaginamos", explicou o especialista.

Em 2012 na Argentina 630 doadores permitiram realizar 1.458 transplantes, um recorde que eleva a taxa de doadores para 15,7 por milhão de habitantes, mas ainda existem 7.290 pacientes na lista de espera, segundo estatísticas do Instituto Nacional Central Único Coordenador de Ablação e Implante (INCUCAI).

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