Vaticano minimizou crimes de Pinochet, segundo Wikileaks

Kelly Velasquez/AFP
08/04/2013 às 16:46.
Atualizado em 21/11/2021 às 02:39

ROMA - O Vaticano teria minimizado os relatórios sobre as mortes provocadas pelo ditador chileno Augusto Pinochet após o golpe de 1973 e manifestou sua compreensão e tolerância pelo derramamento de sangue depois do golpe de Estado no Chile, segundo revelações feitas pelo Wikileaks nesta segunda-feira (8).

"Como é natural, infelizmente, após um golpe de Estado é preciso admitir que houve derramamento de sangue nas operações de limpeza no Chile", afirmou na época o monsenhor Giovanni Benelli, substituto da Secretaria de Estado, segundo os documentos consultados pela internet na página do Wikileaks e parcialmente divulgados pela revista italiana L'Espresso e pelo jornal La Repubblica, entre os meios de comunicação que assinaram a exclusiva.

Em um dos relatórios enviados pela embaixada dos Estados Unidos na Santa Sé, vem à tona a complexa relação do Vaticano com uma das ditaduras mais ferozes da América Latina na década de setenta (1973-1990).

Benelli na época era substituto do cardeal Giovanni Cicognani, Secretário de Estado da Santa Sé, que era muito idoso para cumprir com as funções de número dois do Vaticano.

O braço direito do papa Paulo VI, que havia sido seu secretário particular por anos quando ainda era o cardeal Giovanni Battista Montini, se encarregava dos assuntos diplomáticos mais delicados do papado, chegando a ser apelidado de "Kissinger do Vaticano" por sua visão autoritária e anticomunista do mundo.

Nos documentos da era de Henry Kissinger, Benelli expressou no dia 18 de outubro de 1973, um mês depois do golpe militar que derrubou o governo socialista de Salvador Allende, "sua profunda preocupação, assim como a do Papa, sobre uma campanha internacional esquerdista que distorce completamente, e com êxito, a realidade da situação chilena", segundo o documento classificado de secreto.

Para o prelado, que segundo fontes diplomatas recebeu Richard Nixon pessoalmente quando visitou em 1969 o Vaticano, as denúncias contra a dura repressão desencadeada pelo regime militar eram simples "propaganda comunista".

"Benelli rotulou a cobertura dos acontecimentos como a de maior sucesso da propaganda comunista", sustenta o documento, que lembra que o religioso advertiu sobre "como os comunistas poderão influenciar nos meios de comunicação do mundo livre no futuro".

"As histórias dos meios de comunicação internacionais que falam de uma repressão brutal no Chile não têm fundamento", afirmou Benelli ao diplomata americano, apesar das denúncias em todo o mundo contra a onda de detenções ilegais que assolavam este país e que apelidou de "mentiras descaradas".

O diplomata da Santa Sé, que chegou a ser cardeal e foi considerado como um papábile após a morte de seu mentor Paulo VI, sustentava que tanto a Nunciatura Apostólica no Chile quanto o episcopado chileno garantiram que a junta militar "estava fazendo todo o possível para que a situação se normalizasse".

Inclusive menciona o cardeal Raúl Silva Henríquez para defender o regime e minimizar os excessos da repressão, a quem chama de "um dos mais destacados membros progressistas dentro da Igreja".

O cardeal se converteu pouco depois em um dos símbolos da defesa dos direitos humanos, se distanciou dos militares de forma discreta e em novembro de 1974 foi recebido por Paulo VI no Vaticano.

Um documento sustenta que o cardeal deu ao Papa "uma visão bastante pessimista" da situação no Chile e advertiu que Pinochet costumava acusar outros membros da junta militar pela violência e repressão.

"O cardeal e o Vaticano acreditam que se trata de um estratagema cínico para se livrar da própria culpa", sustenta um dos documentos.

As revelações do Wikileaks denunciam a relação do Vaticano com as sangrentas ditaduras militares da América do Sul, cheia de sombras e luzes.

Em um documento, Benelli reconhece que a hierarquia da Igreja "recebe pressões internas para que condene os excessos da junta militar", sem que a Santa Sé jamais tenha chegado a condená-la publicamente nem a romper relações diplomáticas.

Três anos depois do golpe militar, já sem documentos consultáveis, o Chile estava isolado em nível internacional e o Vaticano mantinha sua linha política de exercer pressão discreta.

Quatorze anos depois do golpe, em abril de 1987, Pinochet conseguiu que o papa polonês João Paulo II realizasse uma visita histórica ao Chile, durante a qual se reuniu com o pontífice do Palácio de La Moneda, o que gerou controvérsias e críticas de muitos setores católicos, que consideraram o gesto como uma bênção ao regime.

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