Nova lei permite o bloqueio de bens mesmo sem autorização do Judiciário

Filipe Motta
fmotta@hojeemdia.com.br
12/01/2018 às 22:48.
Atualizado em 03/11/2021 às 00:44
 (ASCOM/OAB-RO)

(ASCOM/OAB-RO)

A possibilidade de bloqueio de bens de pessoas e de empresas inscritas na Dívida Ativa da União, sem que os casos sejam analisados previamente pelo Judiciário, passou a valer no país na última semana, após o presidente Michel Temer sancionar, sem alardes, a mudança na legislação. A medida tem sido defendida pelo governo como forma de se resguardar e acelerar a resolução de problemas tributários, mas tem sido muito questionada por juristas.

Quando uma pessoa ou empresa deve à União, é notificada pelo governo. Durante o processo administrativo, caso não se defenda ou perca a discussão e não pague o débito, tem seu nome inscrito na Dívida Ativa da União. Antes da mudança na lei, qualquer bloqueio de bem só era possível por via judicial. 

A partir de agora, caso a pessoa ou empresa já tenha o nome inscrito na Dívida Ativa da União, ela terá cinco dias, a partir do recebimento de uma notificação, para fazer o pagamento. Caso a quitação não seja feita no período estipulado, os bens passíveis de registro em cartório (como imóveis, carros ou equipamentos) serão bloqueados – o que impede a venda. Esses procedimentos seguirão um processo administrativo conduzido pela Procuradoria Geral da Fazenda Nacional.
O confisco da propriedade para o pagamento final da dívida ainda dependerá de decisão judicial posterior. 

A nova legislação, no entanto, tem sido alvo de questionamentos por especialistas em direito, pela OAB e empresários. 
O entendimento é que, na tentativa de agilizar a resolução de problemas tributários e aumentar a arrecadação, dando autonomia à Procuradoria da Fazenda, o governo está passando por cima do Judiciário – quem tem a competência constitucional de julgar se alguém deve a outra pessoa, mesmo quando uma das partes envolvidas seja o Executivo federal. Ao mesmo tempo, ao bloquear bens de pessoas físicas e jurídicas, pode, por exemplo, inviabilizar o funcionamento de empresas, dizem.

Inconstitucional
“Esse é um pleito antigo do Ministério da Fazenda: agir direto via sistema administrativo e realizar o bloqueio em caso de dívida. Mas enquanto não se alterar a Constituição, é inconstitucional: ato judicial só pode ser feito pelo judiciário”, afirma o professor de direito tributário da UFMG, Flávio Couto Bernardes, também conselheiro da área na OAB-MG.

“Dá um poder desproporcional à área tributária sobre o contribuinte. É preciso lembrar que tem havido uma série de investidas que nem sempre são verdadeiras – o que só é descoberto quando as questões são analisadas pela Justiça. Agora, eles estão fazendo isso sem passar pelo Judiciário. Até que o contribuinte prove que está certo, pode ter sido muito prejudicado pelo bloqueio”, avalia Lincoln Gonçalves, da Fiemg.

Para Breno Dias, presidente da Comissão de Direito Tributário da OAB, o governo “faz justiça com as próprias mãos”, buscando a resolução de problemas sem o Judiciário.

“A lei é de uma gravidade sem precedentes. Um verdadeiro retrocesso às garantias processuais”, critica. A OAB deverá entrar com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade contra a legislação no Supremo Tribunal Federal.

“Há déficit fiscal e busca-se instrumentos mais eficazes de aumentar a arrecadação. Mas não é subvertendo-se as regras constitucionais que se resolve o problema”, afirma o professor de direito tributário do Ibmec, Cléucio Santos Nunes. 

“Ao mesmo tempo em que busca aumentar a arrecadação com essa medida, emite Refis (refinanciamentos de dívidas) favoráveis para devedores em vários setores e mantém incentivos fiscais sem pedir contrapartidas. Gera certa indignação, pois os pequenos contribuintes podem ser os mais afetados”, diz Cleucio.

 SAIBA MAIS

O deputado federal Zé Silva (SD-MG), autor da proposta original do Refis do Funrural, que deu origem à lei sancionada na última semana, afirma que o foco inicial era somente acelerar a negociação das dívidas do setor agrícola com o governo (a lei sancionada vale para pessoas e empresas de qualquer segmento).

“A Procuradoria não tinha autonomia para negociar e agora tem. O que colocamos foi para tentar evitar a morosidade jurídica. E dentro do Refis do Funrural há uma desconto grande na dívida das produtores rurais, que pode chegar a 95%. A proposta foi feita pensando nos produtores rurais”, afirma.

Em seu site, a Procuradoria Geral da Fazenda afirma que a alteração na lei busca coibir a venda de ativos de devedores inscritos na dívida ativa da União. Entre 2012 e 2017, foram vendidos R$ 50 bilhões em imóveis de devedores. Ainda que essas vendas sejam consideradas fraudes, a reversão por meio da justiça é muito lenta, afirma o órgão.



 

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