Atendimento rápido para evitar revitimização de menores

Mariana Durães
mduraes@hojeemdia.com.br
12/02/2018 às 11:40.
Atualizado em 03/11/2021 às 01:18
 (Lucas Prates)

(Lucas Prates)

Em dois anos, o Disque 100 recebeu 37 mil denúncias de abuso sexual contra crianças e adolescentes, sendo a maior parte de meninas. Promotora de Justiça da Infância e da Juventude em Belo Horizonte desde 2002, Maria de Lurdes Santa Gema, em entrevista ao Hoje em Dia, defende um atendimento em que as vítimas sejam a prioridade, a fim de evitar que tornem vítimas novamente.

Atualmente, quais são os principais desafios em relação aos casos de abuso sexual contra menores?

A violência sexual é uma questão transversal, porque envolve atendimento, proteção, polícia e judicialização das questões. Em Belo Horizonte, desde 2002, a promotoria trabalha com esta temática e temos um protocolo de humanização para o atendimento da vítima de violência sexual infantojuvenil. Instauramos procedimentos, colhemos declarações e verificamos se é caso de medida protetiva ou judicial. Uma ideia que tivemos é que as vítimas de violência sexual não se dirigissem imediatamente ao Conselho Tutelar, mas ao atendimento médico, para que este comunique a polícia e ao conselho.

Em BH, como esse atendimento é feito?

Temos quatro hospitais de referência, que são Odilon Behrens, Julia Kubitschek, Odete Valadares e Hospital das Clínicas. A vítima recebe atendimento médico, psicológico, toda a profilaxia necessária, e tem uma orientação social para suportar o percurso dessa ação, que vai levar à responsabilização do agressor, que muitas vezes é membro da família. Além disso, esses hospitais são credenciados pelo Instituto Médico Legal (IML), para que a vítima não precise ficar indo de um lugar para o outro. 

A partir desse olhar da humanização, o projeto da Vara Especializada em Crimes Contra a Criança e o Adolescente surgiu, então, no sentido de preservar as vítimas?

Exatamente. E será como um centro integrado, que terá Ministério Público, Poder Judiciário, Defensoria Pública, polícias militar e civil e comissariado. A importância de estar tudo no mesmo lugar, é para que o atendimento seja célere, a fim de evitar a revitimização. A criança e o adolescente vão dar um depoimento só, para não ter que ficar repetindo e revivendo todo aquele sofrimento, em frente a pessoas que eles nunca viram, para falar sobre algo que, além de íntimo, foi agressivo. Por isso, também, nossa proposta é priorizar os delitos mais graves, como violência doméstica e sexual.Lucas Prates


Além disso, algo é pensado para a saúde mental e o uso de drogas?

Sim. Não é fácil trabalhar com o sofrimento mental, porque, além de envolver medicação, a família também precisa de apoio já que, provavelmente, também está em sofrimento. Em relação ao abuso de álcool e drogas, não podemos pensar só em repressão. Caso contrário, estaremos atacando a consequência e não a causa do problema. E precisamos pensar tratamentos adequados para o público, a faixa etária e o perfil.

Recentemente, o Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) propôs medida para uniformizar os trabalhos de conselhos tutelares de BH. Qual a importância desta ação?

A criação do Estatuto da Criança e do Adolescente foi importante porque desjudicializou os casos envolvendo menores, que muitas vezes são graves e urgentes. Mas, em BH, temos um Conselho Tutelar para cada regional e a aplicação das medidas ficou em aberto, cada conselho tem sua própria forma de agir. O Ministério Público entendeu que isso fere princípios, então, desenvolvemos um projeto de acompanhá-los mais de perto, não para fiscalizar, mas para que as demandas tenham apoio e sejam melhor articuladas

Como isso será feito?

A proposta é, junto aos conselhos, construir um instrumental para BH, que depois possa ser divulgado para toda Minas Gerais, de modo a unificar o trabalho. Por isso, nossa primeira ação foi conversar separadamente com cada um dos nove conselhos, fazer perguntas e ouvir as respostas e sugestões.

O acolhimento provisório é uma forma de transição para a reintegração familiar. A senhora acredita que o vínculo com a família biológica não pode ser perdido?

Evidentemente que a família biológica é importantíssima, mas, a partir do momento em que uma criança ou um adolescente estão em situação de violação de direitos, tem que se aplicar medidas protetivas, ou até de acolhimento. O mais difícil mesmo é desconstruir o que vem do passado, de que para qualquer coisa a solução é o abrigo, orfanato. Evoluímos quando percebemos que o que a criança precisa é de uma família, seja ela extensa, guarda subsidiada, ou a família acolhedora.

No fim do ano passado, a Prefeitura de Belo Horizonte ampliou o horário de visita de mães em situação de vulnerabilidade na casa dos bebês. Qual a importância desse programa?

Este é um programa importante porque a criança está afastada da família, mas não impedida de receber a visita. No caso de mães e bebês, desde o início, a proposta é de que se tenha uma unidade na qual os dois possam ficar juntos, 24 horas por dia, recebendo atendimento médico e psicológico.Lucas Prates


E por que isso ainda não acontece?

Não é fácil tratar de uma política pública como esta, que depende da articulação de Saúde, Assistência Social, Conselho Tutelar, Rede de Acolhimento. Falta de recurso é outro ponto também, porque precisaria de médico, psicólogo, assistentes sociais. Sem dúvida, essa é uma política que precisa ser melhor discutida.

Em relação ao trabalho infantil, quais ações devem ser feitas para evitar que aconteça?

Nós temos uma questão cultural no país de achar que é preferível o menino estar trabalhando do que roubando. Mas isso é um equívoco. Eles precisam estar na escola, adquirindo conhecimento. Belo Horizonte já teve um trabalho excepcional de erradicação do trabalho infantil. Com os dados em mãos, observamos que cerca de 30% eram da região metropolitana, e que um percentual razoável tinha entre 16 e 17 anos. Infelizmente, depois, a política mudou e o programa foi sendo desfeito.

Quais dificuldades enfrentadas para tirar esses meninos do trabalho informal?

Umas delas é a profissionalização, porque percebemos àquela época que tinha menino que ganhava de um a três salários mínimos, mas que todos estavam na escola e tinham família. Não adianta querer fazer isso sem mostrar possibilidades, porque eles têm demandas. 

A escola pode ajudar nisso? Como?

Queremos convencê-los que é melhor estar na escola. Então, faz parte deste trabalho, a escola infantil em tempo integral e contraturno ou tempo integral para os adolescentes. Pela Lei de Aprendizagem, já temos incluído muitos no mercado, mas é preciso um programa de trabalho protegido para quem tem defasagem escolar muito grande, ou que tenha dificuldade de acessar o Sistema S.

Nesse contexto, quais estratégias devem ser feitas para combater a evasão escolar?

Acredito que passa por sentar na mesa, principalmente com o jovem, para saber o que ele pensa, o que ele deseja. Incentivar a criação de grêmios estudantis, já é um grande passo. Mas seria interessante a escola inserir no currículo o estatuto.

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