Pesadelo diário: gambiarra frustra sonho do Minha Casa, Minha Vida

Bruno Moreno
bmoreno@hojeemdia.com.br
07/10/2016 às 22:37.
Atualizado em 15/11/2021 às 21:09
 (Flávio Tavares/ Hoje em Dia)

(Flávio Tavares/ Hoje em Dia)

Há quase quatro anos, Maria de Fátima Silva, 35 anos, e José Domingos, 33 anos, imaginavam ter realizado o sonho da casa própria ao receberem uma unidade habitacional no Residencial Alterosa, em Ribeirão das Neves, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. No entanto, pouco depois de entrarem no apartamento recém-construído, perceberam que, na verdade, o sonho tinha se tornado um pesadelo.
 

Eles foram uma das 1.640 famílias que receberam as chaves dos apartamentos do conjunto habitacional em abril de 2013, construído com recursos do programa Minha Casa, Minha Vida, do governo federal, e executado pela construtora Direcional. O custo foi de R$ 76,5 milhões, em valores de 2010, época da contratação.

A inauguração do conjunto foi feita pela então presidente Dilma Rousseff (PT). No entanto, moradores contam que o único apartamento completo foi o que ela visitou.

Estalos
Durante as noites e madrugadas, além do incômodo de vizinhos inconvenientes, o casal escuta também estalos na estrutura do imóvel, que apresenta rachaduras em quase todas as paredes e também no teto. Qualquer barulho é motivo para interromper o sono e despertar a preocupação. Após uma reclamação na Caixa, as rachaduras foram reparadas, mas ainda são visíveis.


Além disso, o caimento no piso do banheiro e da cozinha não direciona a água para o ralo, mas para a sala.Outra reclamação é que há apartamentos em que o piso sequer foi assentado na sala.


Há imóveis também que ao lavar o piso do banheiro e da cozinha a água pinga no bocal da lâmpada do apartamento de baixo. “Seria pior se ainda estivéssemos pagando aluguel. Mas a gente paga e não quer morar em um lugar com problema”, desabafou Maria de Fátima.


As dificuldades enfrentaras pelos moradores do Residencial Alterosa não são exceção no universo do programa Minha Casa, Minha Vida, lançado em 2009. Auditoria do Tribunal de Contas da União (TCU) em dez empreendimentos distribuídos pelo país, realizada entre julho e dezembro do ano passado, comprovou que os problemas são semelhantes, principalmente em erros de construção e na falta de acesso a políticas públicas (veja infografia).

Incrustado em um vale próximo ao bairro Veneza e à BR-040 (sentido Sete Lagoas), o Alterosa não conta com a presença do poder público. Os moradores, na prática, foram abandonados à própria sorte. Não há escolas nem postos de saúde e de segurança. Além disso, o recolhimento do lixo é precário.

Em agosto do ano passado, os ministérios públicos Estadual e Federal realizaram uma audiência pública para escutar os moradores sobre as dificuldades. Mas a percepção sobre mellhorias pouco ou nada mudou.


Especialistas cobram políticas públicas integradas para o setor habitacional


O programa Minha Casa, Minha Vida completa sete anos de existência em 2016. Já entregou mais de 10 milhões de unidades habitacionais, mas na opinião de especialistas precisa urgentemente de uma revisão para ser, efetivamente, uma política pública habitacional.

“Enquanto o Estado não se preparar para atender a políticas públicas em larga escala, sempre vão existir esses problemas, como os apontados no Residencial Alterosa e no relatório do TCU”, afirma a professora de política e sociologia da PUC Minas, Antonia Montenegro.

Uma militante que atua em movimento habitacional no Brasil e que pediu para não ser identificada avalia que o programa tinha um sério problema na origem e no desenvolvimento.

“Não é uma política pública. É uma política de entrega de casas. O que o Minha Casa, Minha Vida se comprometeu, em termos de programa econômico, é sensacional. Alimentou a construção civil, alavancou o PIB. Mas não é uma política pública habitacional”, argumenta.

Já a professora Antonia Montenegro avalia ser fundamental integrar as iniciativas. “Para fazer uma política do tamanho que é o Minha Casa, Minha Vida, teria que pensar em integrar com as políticas dos municípios e do Estado (saúde, educação etc). Teria que se pensar numa organização e integração dessas políticas muito sofisticada. E no Brasil, é muito difícil falar nisso”, avalia.

OUTRO LADO
Por meio de nota, a Caixa informou que lançou a campanha “De Olho na Qualidade do Programa Minha Casa, Minha Vida, que tem como objetivo ampliar o atendimento aos beneficiários do programa e acompanhar a qualidade das moradias entregues”. Esclarece ainda que todas as ocorrências registradas no Residencial Alterosa têm sido prontamente atendidas. “Atualmente existem três ocorrências em tratamento, que estão em atendimento”, esclareceu.

Já o Banco do Brasil, que também financia o programa, informou que analisa a possibilidade de criar um canal de reclamações. Negou, ainda, que padrões mínimos de qualidade não são atingidos e informa que os casos levantados são mínimos.

Também por meio de nota, a prefeitura de Neves informou que a construção de equipamentos públicos no Alterosa está condicionada ao envio de recursos do Governo federal. “Existe um projeto para a construção de um Pro-Infância para atender as crianças no residencial, além de um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) e uma unidade de saúde”, informou.

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