Poesia de Leonardo Fróes ganha reedição mineira

César Augusto Alves/Hoje em Dia
08/12/2015 às 09:54.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:15

Em sua última visita a BH, há dois meses, Leonardo Fróes viveu uma situação curiosa. Fumando em frente a um hotel, foi reconhecido por um jovem transeunte. Detalhe: o rapaz também se chamava Leonardo e atua como tradutor – mesmo ofício ao qual Fróes se dedica desde jovem. Estava ali, pronto, o inusitado da poesia viva: “Encontrei comigo jovem nas ruas de BH. Isso é poesia concreta”, diz o poeta, de 74 anos.

Nesta terça (8), no Sesc Palladium, Fróes lança, pela Chão da Feira, a nova edição de “Sibilitz”. Apesar de ter sido publicado originalmente em 1981, a poesia presente na obra nada perde nestas três décadas. Ao contrário, nos pega desprevenidos com versos que ora soam contemplativos ora corrosivos, questionando conceitos e admitindo para si uma postura crítica do seu tempo. Não que o texto seja atemporal, é que evoluímos pouco, na opinião do poeta.

“A sociedade parece que avança muito lentamente. É o que justifica nosso interesse em poesia medieval, que ridiculariza os mesmos males de hoje. O avanço social é lento”, afirma Fróes, que diz não representar nenhuma ideologia ou movimento. “Não sou porta-voz de nada. Escrevo sobre a existência”.

Caminho da emoção

O que chama atenção nos textos de “Sibilitz” é a explosão de ideias poéticas que Fróes “despeja” nas formas de verso e prosa. “‘Sibilitz’ é um grande jogo que fiz na juventude. Antes, escrevia de modo mais organizado, mas, naquele momento, foi uma explosão. Deixei como veio; escolhi o caminho da emoção”, explica.

Através de seu cuidado com a confusão deliberada das palavras, somos conduzidos a uma leitura que planta dúvidas e impõe reflexão, como no poema “Justificação de Deus”: “Deus é o meu grau máximo de compreensão relativa/ no ponto de desespero total/ em que uma flor se movimenta ou um cão/ danado que se aproxima solitário de mim”.

Elementos da natureza, aliás, percorrem todas as curtas narrativas da obra. A presença constante é fruto do “exílio” do poeta em um sítio próximo a Petrópolis, onde plantou quase todas as árvores existentes – e são muitas. “São meus filhos”, brinca, “É a poesia viva!”.

Foi ali, depois de ter morado até 1970 no Rio, que descobriu as maravilhas da vida simples, também presentes no livro (um bom exemplo é “Xisnada”, que contempla a força do silêncio de um olhar), e a pequenez do ser humano na natureza: a vida é muito maior que a vida humana.

Para Fróes, a natureza é o combustível que libera a poesia em suas mãos quando escreve. Seja contemplando o que está ao seu redor seja abraçando uma árvore, e explicando (ou tentando explicar) a emoção que viveu em seus textos. “A influência é absoluta. É como se sentisse a poesia descontínua, como se a minha vida fosse poesia”, conta. E completa: “Escolhi o caminho da emoção. Se as coisas estão confusas (no texto), é que não estão claras para mim”.

Lançamento de “Sibilitz” (R$ 35). Terça (8), às 17h. Foyer do Sesc Palladium (Av. Augusto de Lima, 420). Às 19h30, na sequência, leitura dos poemas no Teatro de Bolso do local. Entrada franca. Retirada de senha 30 min antes.

Confira a íntegra da entrevista com o poeta, que falou ao Hoje em Dia por telefone de Petrópolis:

 

Sibilitz foi lançado originalmente em 1981, e traz agora uma reedição pela Chão da Feira. A poesia presente no livro é tão forte que necessita ser reafirmada, ou a sociedade não avançou muito nas provocações que seu texto traz?

Acredito que o texto seja atual. Veja bem: o que mais me comove é que os poetas que vão ler os trabalhos (no lançamento , Fróes e poetas convidados farão leitura de textos selecionados de Sibilitz) são da geração de 30 anos. São bem mais novos que meu filho mais novo. O livro está interessando a jovens. Eu era outra pessoa quando escrevi, é claro, e talvez eu estivesse mais próximo do jovem de hoje. O que me encanta, são justamente os leitores mais novos. Quanto à sociedade, parece que ela avança muito lentamente. É o que justifica nosso interesse em poesia medieval, do século 18, que ridiculariza os mesmos males de hoje. O avanço social é lento, o tecnológico é enorme. Os costumes sociais evoluem pouco

 

Qual sua relação com o tempo na constante de sua obra? A influência do tempo, da maturidade literária no que você produz hoje, te faz diferente da pessoa que escreveu Sibilitz 34 anos atrás em quê, precisamente?

 

Sibilitz é mais crítico do que o que geralmente escrevo. Talvez eu tenha maior consolo com a existência com o passar dela. Quando mais novo temos o impulso para mudar o mundo e corresponder à nossa expectativa. Me aproximo da velhice e acabo me conformando com a incapacidade de mudar o mundo. A pessoa mais velha tenta se transformar, e acha que o mundo só transforma se as pessoas se transformarem. Tenho tentado, sobretudo, ser diferente, aparar as arestas. A vida da gente é uma mudança

 

 

A natureza é quase um personagem nos textos de Sibilitz. Qual sua relação com a natureza e qual a influência dela na sua obra? Ela existe como fonte de inspiração ou te entrega elementos que você colhe e transcreve? É uma metáfora em seus textos?

 

É uma relação muito forte. Eu morava no arpoador, era uma pessoa urbana, e eu vim pra cá (no sítio, próximo a Petrópolis, no Rio de Janeiro) com 30 anos. Moro aqui há 43. É um convivo diário, permanente. Me transformou, até então não tinha ligação especial. O sítio foi uma coisa que eu fiz com as mãos, eu plantei quase todas as árvores. Uma poesia bem real, concreta. A influência é absoluta, o tempo todo ela aparece, os animais, etc. É o tema o tempo todo. É como se eu sentisse a poesia descontínua, como se a minha vida fosse poesia. Ser parte da natureza. Não me sinto mais perdido na natureza. Encontrei meu lugar. Ocorre como uma metáfora do sentimento de integração. Não sou mais perdido no mundo como eu me sentia na cidade. A vida é muito maior que a vida humana.

 

 

Em textos como “Xisnada”, você se auxilia de movimentos simples da vida cotidiana para passar sua mensagem, da busca por ago que não se materializa, mas que talvez seja tão simples e fácil de alcançar como prestar atenção no silêncio de um olhar. A simplicidade é um fruto de sua vida refugiada, digamos assim, dentro do espectro “natural” de ter vivido junto à natureza por tantos anos, ou ela já era encontrada mesmo nos tempos de vida cosmopolita que você tinha?

 

Talvez eu tivesse a vontade de ser simples. A simplicidade é a coisa mais importante na minha vida. Na cidade a tendência é complicar cada vez mais. Você ganha mais, tem mais, e complica mais. A minha tendência foi simplificar. Tem a ver com a vida. Por razões econômicas, mudei minha vida, e me acostumei. Passei a me bastar tomando uma cervejinha... Minha vida até hoje é muito simples. Luxo é poder estar em liberdade na natureza. Não suporto ambientes de luxo. Me sinto fora do meu elemento. A vida simples é melhor, mais agradável, custa mais barato. A vida é muito mais... (ri, perdido em pensamentos).

 

 

Os textos de Sibilitz soam, em alguns momentos, surreais, quase insólitos. Me parece que você flerta com o absurdo e o surrealismo, o hermético. Desse modo, qual mensagem você quer passar sendo deliberadamente “confuso”, com provocações tão profundas e inquietantes, quase perturbadoras?

 

Vou contar uma história curiosa: Estive em BH há dois meses para julgar um concurso de poesia do Governo de Minas. Acabei de tomar café da manhã no hotel, e fui fumar na calçada, quando se aproximou um rapaz vindo em minha direção e me abordou. Disse: “Você é o poeta Leonardo Fróes? Te vi em um vídeo em uma conferência, falando de Virginia Woolf”, que eu traduzi, inclusive. Perguntei a ele qual seu nome, e era Leonardo. Perguntei a profissão e ele era tradutor... Encontrei comigo jovem nas ruas de Belo Horizonte! É poesia isso. Não se explica.

 

Eu diria, talvez, que eu não sei muito bem sobre o que estou escrevendo. Escrevi sobre aquilo que não entendo, e quero entender. O poeta não é artista da reflexão, mas sim da emoção. Muitas vezes abracei uma árvore e senti uma coisa muito forte. É um ser vivo. Como explicar isso? Escolhi o caminho da emoção. Se as coisas estão confusas, é que não estão claras para mim. No momento de escrever Sibilitz, veio um acúmulo com experiências, toda essa transformação. Deixei como veio. A vida é uma confusão. Quando a gente entende, encontra explicação satisfatória?  

 

Como poeta, você se considera porta-voz de algum movimento literário ou alguma ideologia, ou apenas um poeta de seu tempo, de seu próprio interior?

 

Não me sinto porta-voz de nada. Não tenho nenhuma verdade para tentar passar aos outros. Nunca fui ligado a nenhum movimento literário. Não tenho nenhuma verdade para contar. A minha poesia tenta passar momentos privilegiados que vivi. Entenda: momentos privilegiados tanto de euforia quanto de tristeza. Escrevi mais em estados de euforia. Digo só a verdade do momento que eu vivi. Sou existencialista, - não do movimento filosófico - tenho escritos da existência. É a única verdade que tento ter. Nenhuma ideologia... Só o momento.

 

A Chão da Feira é uma editora independente que publica textos inéditos, ou antigos, que são pouco distribuídos hoje, como é o caso de Sibilitz. Atualmente existem muitos manuais para novos autores, guias de como escrever bem e com êxito. 

 

Você disse bem: movimento comercial. Isso já responde muita coisa. A ficção é muito comercial, e talvez por isso tenha regras a serem ditadas. A literatura é mais comercial hoje. A poesia é um outro departamento. A poesia é um procedimento solitário. Descoberta de cada pessoa. Conhecer as palavras. A criatividade da poesia depende de uma imersão do próprio eu. Sempre vai ser solitário. A poesia é muito diferente da literatura de ficção.

 

 

Como você enxerga esse movimento quase comercial da literatura? Como foi o surgimento de sua voz de escritor, como se deu esse processo?

 

Desde cedo ouvi essa voz de escritor, desde muito menino. Sempre gostei muito de ler. Os livros sempre foram meus brinquedos favoritos. Já no ginásio, com 13 ou 14 anos, eu já sonhava em escrever. Já tinha uma ideia clara de que queria ser escritor. O desejo de escrever era muito grande, corri atrás da minha voz de escritor. Eu fui contaminado, e tinha uma inclinação. Aí a vida vai levando a gente.

 

 

Sobre o lançamento em Belo Horizonte, você fará uma leitura aos presentes junto a outros poetas. Como é sua relação com sua própria obra?

 

Eu fico contente com o fato de ter conseguido fazer aquilo que eu queria. Quando você fala minha obra, considero não só a poesia, mas todo o conjunto do que faço: as traduções, artigos de jornais, tudo isso é parte da minha obra. Fico muito satisfeito. Consigo sobreviver do meu trabalho, a minha obra poética é valorizada hoje pelas gerações mais novas. Isso dá muita força. Os que vieram depois de mim estão apoiando o meu trabalho. Não tenho sensação de apego à minha obra: quando termino de escrever, ela é do mundo, não é mais minha.

 

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