Comissão de SP investigará se diplomata norte-americano colaborou com ditadura

Patrícia Britto - Folhapress
19/03/2013 às 19:55.
Atualizado em 21/11/2021 às 02:03

SÃO PAULO - A Comissão da Verdade de São Paulo pedirá a colaboração das comissões nacional e pernambucana, que investigam os crimes cometidos durante a ditadura militar (1964-1985), para esclarecer se o ex-embaixador norte-americano Richard Huntington Melton colaborou com o regime repressor no Brasil. As investigações terão como base o depoimento do ex-deputado federal Ricardo Zarattini (PT-SP), 78, que afirma ter sido interrogado por Melton quando esteve preso no Dops (Departamento de Ordem Política e Social) do Recife, conhecido centro da repressão, em 1968.

Em depoimento à comissão paulista na manhã desta terça-feira (19), Zarattini relatou as circunstâncias em que foi questionado pelo diplomata sobre sua posição crítica aos Estados Unidos. Ele afirma ter sido torturado pelo então delegado Moacir Sales de Araújo e pelo então investigador Luís Miranda e que, duas semanas após ter sido preso, foi levado para a sala do delegado, onde foi interrogado pelo norte-americano.
 
"Me apareceram esses torturadores e um norte-americano. Este me perguntou por que eu era contra os Estados Unidos. Eu disse que não era contra as pessoas dos EUA, mas contra o sistema imperialista que vitimava o Brasil naquela época", disse o ex-deputado.

Zarattini diz que não foi torturado pelo norte-americano e que nunca mais voltou a encontrá-lo. Ele conta que só descobriu quem era o representante do governo dos EUA anos depois, em 1989, quando o reconheceu em fotografias publicadas nos jornais na ocasião em que Richard Melton foi nomeado embaixador no Brasil. Na época, foi divulgado o currículo do novo embaixador, que havia sido funcionário do consulado americano no Recife de 1967 a 1989. Melton foi embaixador norte-americano no Brasil de 1989 a 1993.

Segundo relato que consta no livro "Settling Accounts with Tortures" ("Acertando as Contas com Torturadores"), de Lawrence Weschler, quando Zarattini falou pela primeira vez que Melton foi um de seus interrogadores, em 1989, um porta-voz da Embaixada dos EUA no Brasil citado por reportagem da Associated Press confirmou que o diplomata atuou no consulado em Recife de 1967 a 1969, mas acrescentou que "Richard Melton nunca ouviu sobre Zarattini e nunca participou de nenhum episódio daquele tipo".

A reportagem não conseguiu contato com a Embaixada dos EUA no Brasil até a publicação desta notícia.

Registros

O ex-deputado decidiu procurar a Comissão da Verdade de São Paulo após se deparar com recentes notícias sobre o suposto consentimento de um funcionário do consulado norte-americano em São Paulo com a repressão durante a ditadura.

Em fevereiro, a comissão paulista divulgou livros de portaria do antigo Dops de São Paulo onde há o registro de quem entrava no prédio, conhecido por ser um dos principais centros de tortura na cidade durante a ditadura. Entre os registros, há o nome de Claris R. Haliwell, identificado como representante do consulado dos EUA em São Paulo.

Para o ex-deputado, o governo norte-americano intervinha nos assuntos políticos do Brasil por interesses políticos e econômicos. "Eles achavam que o Brasil iria se transformar em outra Cuba, e disseram que não iam permitir isso", disse durante seu depoimento.

Ricardo Zarattini liderou movimentos trabalhistas no campo, principalmente na zona canavieira de Pernambuco. Participou da luta armada, foi um dos fundadores do extinto PCR (Partido Comunista Revolucionário), preso três vezes e torturado. Em 1969, foi um dos 15 presos políticos libertados em troca do embaixador norte-americano Charles Burke Elbrick, que havia sido sequestrado por militantes de esquerda.
 
 

 

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