Práticas segregacionistas: crianças receberam educação nazista

Elemara Duarte - Do Hoje em Dia
08/09/2012 às 12:27.
Atualizado em 22/11/2021 às 01:06
 (Antoninho Perri/Ascom Unicamp)

(Antoninho Perri/Ascom Unicamp)

Entre os anos 1930 e 1940, 50 meninos negros, órfãos ou abandonados foram transferidos de um educandário do Rio de Janeiro para uma fazenda no interior de São Paulo, onde foram submetidos, sob os olhos permissivos da legislação brasileira para a educação da época, a trabalhos forçados, castigos e humilhações. Alguns detalhes neste episódio lembram um campo de concentração e não é mera coincidência.

As crianças foram vítimas de práticas educacionais de inspiração nazista. A passagem está prestes a se transformar no enredo de um documentário e é a base da pesquisa do historiador Sidney Aguilar Filho, que defendeu tese de doutorado na Unicamp sobre o assunto. A pesquisa é intitulada “Educação, Autoritarismo e Eugenia: Exploração do trabalho e violência à infância desamparada no Brasil (1930-45)”.

Nesta entrevista, Aguilar traça as ramificações da “eugenia” na educação brasileira antes da Segunda Guerra. O movimento nada saudoso teve representantes ferrenhos em Minas Gerais.

 

A insígnia nazista foi encontrada até em um tijolo (Foto: Antoninho Perri/Ascom Unicamp)

 

Como este tema chegou até o senhor?

Em 1998, ao analisar a ascensão do nazismo alemão em uma aula de história de terceiro ano do Ensino Médio, uma aluna informou que na fazenda da família dela foi encontrada grande quantidade de tijolos com a suástica (símbolo nazista). Na visita a esta fazenda, a “Cruzeiro do Sul”, em Campina do Monte Alegre (SP), confirmei a existência dos símbolos em construções de 1910 e 1930. Fui também à casa de um antigo empregado da fazenda, que falou sobre a transferência de meninos negros do Rio de Janeiro, então capital federal, para a fazenda, entre 1930 e 1940.


O que é “Eugenismo”?

O termo eugenia, ou “boa geração”, foi cunhado em 1883, por Francis Galton, primo de Charles Darwin. “Eugenia” seria a ciência que lidaria com todas as influências que supostamente melhorariam as qualidades inatas de uma pressuposta raça em favor da evolução da humanidade. Galton partiu de uma proposição estatística de distribuição de talentos entre uma dada população, para defender que o caráter e as faculdades dos seres humanos seriam distribuídos de acordo com estatísticas e que se encontrariam mais nas elites. Assim, seria estatisticamente “mais proveitoso” investir nas elites e promover o “melhor estoque do que favorecer o pior”. A este processo chamou-se “Darwinismo Social”. O uso distorcido do pensamento darwinista agrediu a Darwin, que dele discordou publicamente. Foi nisso que muitos racistas do fim do século 19 e início do século 20 se nutriram.


Por que as ideias fascistas ganharam tantos adeptos no Brasil, incluindo Minas Gerais?

A “Legião de Outubro”, ou “Legião Mineira”, nasceu com fins militares e seu idealizador maior foi o advogado mineiro Francisco Campos, nomeado, em 1930, o primeiro ministro da Educação do Brasil. A consolidação do projeto nacional burguês, centralizador e autoritário, em 1937, incluiu disputas por hegemonias regionais que utilizaram a militarização de crianças e adolescentes através de processos educativos, não só em Minas. Fardados de caqui com saudações semelhantes aos nazistas, os integrantes da “Legião”, se estruturaram e defenderam comportamentos e ideias parecidas à Juventude Hitlerista. Campos, como outro ministro da educação, o também mineiro Gustavo Capanema, foi um dos grandes articuladores políticos da área de educação no período.


Dos 50 órfãos levados para a fazenda no interior paulista, quantos estão vivos e como eles veem o passado?

A pesquisa localizou quatro senhores. Dois morreram ao longo da pesquisa. Os dois sobreviventes têm visões muito críticas sobre a realidade a que foram submetidos. Os relatos são traumáticos.


Na Constituição Brasileira de 1934 havia textos de influência “eugenista”. Hoje, ainda há algum vestígio disso na educação brasileira?

Não realizei pesquisas que possam fundamentar-me para responder tal indagação. Podemos afirmar, porém, que quaisquer tentativas jurídicas ou políticas de tendência eugenista devem ser consideradas ilegais e criminosas dentro dos parâmetros da Constituição Brasileira, da ética e da ciência contemporânea. O que não significa, contudo, que não aconteçam no cotidiano.

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