Procurador critica critério político na escolha do secretário de segurança

Ezequiel Fagundes - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
22/12/2014 às 07:25.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:27
 (Wesley Rodrigues)

(Wesley Rodrigues)

Com quase 30 anos de experiência na área de segurança pública, o procurador de Justiça André Ubaldino, chefe da Promotoria de Combate ao Crime Organizado em Minas há 12 anos, faz críticas à indicação do deputado federal Bernardo Santana (PR) para assumir a Secretaria de Defesa Social do Estado.    Pós-doutorado em Organizações Criminosas em Cambrigde, na Inglaterra, e professor de Direito e Processo Penal na PUC Minas, Ubaldino acredita que o governador eleito, Fernando Pimentel (PT), cometeu um equívoco ao apostar na indicação política para atuar em uma das pastas mais complexas da máquina governamental mineira. Longe dos holofotes da imprensa nos últimos anos, ele falou sobre esse e outros temas com exclusividade ao Hoje em Dia.   Qual avaliação da indicação do novo secretário de Defesa Social?   Tenho respeito pelo deputado Bernardo Santana, mas a indicação dele foi política. No momento em que somos pressionados por dificuldades na área de segurança pública, quem nós procuramos? Nós vamos diante de um gerente ou de um especialista? A expectativa das instituições de segurança é que nós tivéssemos um técnico à frente da Secretaria de Defesa Social. As urgências da segurança pública fizeram com que nós não tenhamos tempo a perder. Mas reconhecemos no senhor governador eleito a autoridade para escolher seu secretariado. E é óbvio que cairão sobre ele (governador) as consequências das decisões, sejam elas positivas ou negativas. Espera-se que no final do governo ele divulgue para a população um balanço para verificar se ele acertou ou errou na escolha não técnica.   Então o governador eleito Fernando Pimentel cometeu um equívoco?   Quando digo que precisávamos de um técnico não é uma crítica a um governo. É uma crítica ao modo de governar. Quando nós outorgamos a um governante o voto, nós atribuímos uma procuração, nós outorgamos um mandato. Mas não é um mandato em branco. Como contribuintes, nós nomeamos um gerente. E espera-se desse gerente que escolha para as funções aqueles com maior capacidade, as melhores qualidades técnicas. Mas esperava-se certamente entre os numerosos quadros à disposição que o secretário anunciado tivesse uma competência técnica.    Qual a sua maior preocupação?   A nossa preocupação é que ele não reúna experiência no momento em que temos enorme urgência em resolver a questão da segurança. Desejo ao novo secretário, torço muito que ele escolha os quadros que vão auxiliá-lo, o faça com maestria, que ele possa escolher os melhores.   Setores da PM demonstraram insatisfação com a indicação do deputado. O senhor percebeu isso?   Querer atribuir esse descontentamento a setores da Polícia Militar apenas é um equívoco. Esse descontentamento não aconteceu somente na Polícia Militar. Esse descontentamento ocorreu também em setores do Ministério Público em virtude de o novo secretário ser o proponente de uma medida que é um retrocesso. Respeitamos as posições em contrário, mas a PEC 37 (visava retirar o poder de investigação do Ministério Público) nos parece um terrível retrocesso. Não que isso macule a biografia do deputado, pois esperamos que ele reveja sua posição equivocada.    Esse descontentamento também ocorre em parte da Polícia Civil?   Sim. Existe um equívoco de imaginar que a Polícia Civil está absolutamente confortável. O ceio da Polícia Civil está preocupado com a indicação política para um cargo extremamente complexo. É um dos cargos mais difíceis. Não basta experiência política. Nós do MP esperávamos um técnico.   Há risco de ter retrocesso?   O risco de retrocesso existe. O que se espera, portanto, é que o senhor secretário de Estado faça o que me parece que o governador eleito não fez: ouvir. Me recordo da campanha eleitoral do senhor governador. Dizia ele que iria fazer as coisas ouvindo as pessoas. Espero que o futuro secretário ouça mais os diferentes setores. Isso eventualmente pode evitar o retrocesso. O MP, a Polícia Militar, o Corpo de Bombeiros, os atores que estão tentando construir um modelo de segurança pública desde o tempo em que o governador era professor da Fafich não foram ouvidos. Nós temos excelentes nomes nas polícias e no MP que mereciam ter sido ouvidos.   Seu nome foi defendido dentro do MP para ser secretário de Defesa. Foi convidado?   Não recebi nenhum convite. Fiquei extremamente honrado com a lembrança de meu nome por um delegado geral de polícia. Fui sondado a um tempo atrás por um dos melhores nomes da segurança pública no Estado. Ele me perguntou se eu o autorizava a trabalhar meu nome. Disse a ele: olha, é muito pouco provável que meu nome pudesse ser considerado. Já sabia de antemão que isso não iria acontecer.   Por quê?   Tenho graves críticas a fazer sobre a forma como alguns partidos escolhem seus cooperadores. Tenho a visão do contribuinte. Se fosse um governante, pensaria do seguinte modo: quem devo alocar em determinada função? Meu aliado que não reúne os atributos ou meu adversário que reúne os atributos? Na condição de governante, de procurador do contribuinte, estaria moralmente e legalmente obrigado a alocar o meu adversário com os atributos. Como lamentavelmente na política brasileira o mais comum é escolher os aliados de acordo com as preferências políticas, sabia que meu nome não poderia ser levado a sério.   Se fosse convidado aceitaria?   Aceitaria. Não por uma questão de vaidade pessoal. Felizmente construí uma trajetória muito respeitada. Por isso, setores da Polícia Civil defenderam meu nome. Construí em torno de mim aquele que é o principal valor da minha vida: respeitabilidade.   O senhor é favorável à unificação das polícias?   Ela esbarra em uma proibição constitucional. Sou favorável a algo que vai além da integração. Em 1987, participei da operação Mosaico, que combateu tráfico de entorpecente, no Rio de Janeiro. Ali nós reunimos as diferentes polícias em torno de um objetivo comum. Na época, convergimos todos os esforços contra a criminalidade. Sempre acreditei na força da integração. É óbvio que teríamos de ter alguma diferença.    Isso funciona em outros países?   No sistema norte-americano, por exemplo, o sujeito entra na base uniformizado, ganha experiência. Depois tira a farda e vira um detetive podendo alcançar o topo da carreira em virtude da competência. Se não houvesse o obstáculo constitucional, acredito que a segurança devia ser modelada para que tivesse uma polícia única, com segmento fardado e segmento não fardado. As investigações poderiam ser mais céleres, mais eficientes, ao invés de burocraticamente passar as demandas de uma polícia para outra. Reconheço as tradições das nossas polícias, mas o contribuinte quer uma polícia eficiente.   Qual balanço da segurança no Estado nesse fim de ciclo de governo?   Evoluímos muito, principalmente na integração das instituições de enfrentamento, em especial a criminalidade organizada. Principalmente em comparação com outros estados da federação. Embora tenhamos as nossas divergências ideológicas, é importante destacar que em Minas as forças de segurança trabalham em parceria. Temos um diálogo extremamente positivo. Por isso nós exportamos nosso modelo. E isso é perceptível quando reunimos com companheiros dos outros estados. Se não avançamos mais é porque depende de políticas e legislação do governo federal.   Como está acompanhando o noticiário dos escândalos na Petrobras?   Escutei dizer esses dias que o Brasil pode parar por causa das investigações contra as empreiteiras. Que pare então. Porque essas referências de pagamento de propina nós já ouvimos há anos. E se é verdade que há anos, há décadas isso vem acontecendo, nós temos que estancar isso imediatamente. Suportamos uma das maiores cargas tributárias do mundo. Se o dinheiro não é suficiente para investir em serviços públicos de qualidade para o cidadão, é porque o dinheiro está indo para o ralo, para corrupção. Recentemente, o procurador-geral da República (Rodrigo Janot) falou da necessidade de trocar a diretoria da Petrobras. Parece que parte da atual diretoria é contemporânea aos eventos, não necessariamente envolvida em corrupção. Não estou dizendo que tem participação. Se são contemporâneos, não seria o caso de substituí-los. Será que o partido que ganhou a eleição e colocou essa diretoria, será que ele não tem quadros igualmente qualificados?    Nos últimos meses, o país está assistindo a uma operação policial quase toda semana praticamente. A corrupção aumentou?   A lei penal foi progressivamente abrandada. Então os elementos de intimidação foram fragilizados com o passar do tempo. Dessa forma, o cidadão fica mais desenvolto para a prática de corrupção. Afinal de contas, de um modo geral, os crimes praticados sem violência, sem grave ameaça, dificilmente levam para a cadeia. Isso torna a corrupção uma prática relativamente vantajosa. Se você não for descoberto, apropria-se do dinheiro. Se for descoberto, devolve o que obteve. Parece uma casa de jogo em que a banca sempre perde.

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