Presidente da OAB Minas aponta mudança no perfil profissional de direito

Paulo Leite, Luiz Fernando Rocha - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
10/08/2015 às 07:14.
Atualizado em 17/11/2021 às 01:17
 (Carlos Henrique)

(Carlos Henrique)

Tornar eficiente o Judiciário, resgatar na sociedade a confiança nas instituições e criar nos servidores públicos a vocação de servir são fundamentais para a transformação do país. Essas e outras opiniões você confere na entrevista de Luís Cláudio da Silva Chaves, presidente da OAB/MG.   Vivemos hoje uma crise de relações institucionais e credibilidade. Como o senhor percebe esse cenário?
Acho que o ser humano, de forma geral, não só no segmento jurídico, mas em todos da atividade humana, tem procurado muito mais o ter do que o ser. Isso faz com que em especial nas atividades politicas e até na área jurídica a pessoa valorize mais os salários, os bens materiais do que a vontade de servir. Por isso percebemos no Brasil a ausência de valores na sociedade que realmente façam servidores públicos motivados pela vocação de servir, que pensem menos nas questões corporativas e mais nas questões sociais.   O cidadão conhece a Ordem dos Advogados do Brasil, mas desconhece seu funcionamento. Como o senhor descreveria o trabalho da OAB?
É importante salientar que todas as atividades da OAB são realizadas voluntariamente, não há remuneração, seja em cargos da diretoria, conselho e participação nas diversas comissões. A contribuição de cada um de nós na ordem visa uma dupla função. De um laudo, uma parte interna, que é de valorização da advocacia, que passa por diversos pilares. De outro, a defesa da Constituição e o respeito à legalidade e à liberdade. Nessa linha da legalidade temos 94 c0missões temáticas sempre consultadas em diversas ações governamentais, de cidadania, para que possamos empreender uma contribuição à sociedade civil.   Quais as principais ações da OAB para valorizar a profissão do advogado?
A OAB trabalha primeiro na questão da ética. Temos um tribunal de ética muito eficiente. Sem ética, não há advocacia que atenda a expectativa da sociedade. Em segundo aspecto, o conhecimento jurídico: o advogado tem que estar preparado para o exercício de uma função relevante. Por isso, tanto no exame de Ordem, garantia de entrada meritória, quanto no exercício profissional, nos cursos da escola de advocacia, a OAB tem preocupação muito grande na formação dos profissionais. Em terceiro, a prerrogativa profissional, ela não é privilégio, é condição para que o advogado exerça a atividade com independência e autonomia. Se o advogado se sente apequenado perante o Poder Judiciário, perante o Ministério Público, o cidadão fica indefeso. Em qualquer país opressor se enfraquece a advocacia tornando o Estado mais opressor, mas nos países desenvolvidos o cidadão está em pé de igualdade com o Estado para discutir suas querelas, seja judicialmente ou não, mas para fazer valer o seu ponto de vista. Uma advocacia forte é sinônimo de garantia individual e coletiva da sociedade.   Falando em exame de Ordem, questiona-se o grau de dificuldade que resulta em baixa aprovação, provocando dúvidas sobre a formação nos cursos de direito. Como o senhor vê essas afirmações?
A OAB tem que se preocupar em ter uma prova que verifique a capacidade mínima para o exercício da advocacia e aí eu diria que a segunda etapa do exame é muito bem feita. Porque é realmente onde você testa o conhecimento do advogado para a prática jurídica. A primeira etapa não tem como ser diferente. É uma prova de múltipla escolha e as provas de múltipla escolha por vezes não são justas, porque medem um conhecimento muito genérico. O exame se revela de importância muito grande, no meu entender, porque unificado no Brasil permite que todos sejam selecionados pelo mérito. Hoje, entrego carteira de advogado a muita gente humilde que se esforçou, estudou. Antigamente, a advocacia era profissão eminentemente elitizada, poucas pessoas podiam estudar numa faculdade de direito tradicional. Hoje não. O que eu gosto no exame de ordem não é especificamente a prova. Gosto porque, se a prova é ruim ou boa, é igual para todos. É o principio da igualdade, da isonomia, que não faz de ninguém melhor que o outro para o exercício da profissão. Numa relação com o futebol, estão jogando no mesmo campo e vai ganhar aquele que merecer.   A impunidade é a questão que mais incomoda a sociedade brasileira. O que deve ser feito para colocarmos um fim nessa situação?
Para mim, ruim no Brasil é a estrutura do Poder Judiciário. Temos um tribunal, o TRF da 1ª região, que passa, inclusive, por uma correição parcial, em que um processo leva dez anos, 15, 20 anos para ter uma decisão definitiva. Isso não pode prevalecer no estado democrático de direito. Se você me perguntar o que é razoável prazo de duração de um processo, evidentemente que isso tem a ver com quais são as provas que tem que ser produzidas, acho inconcebível um processo demorar mais do que quatro anos. No Brasil, depois de passar por essa “via crucis” para receber uma sentença e se for contra o poder público, o cidadão ainda tem que entrar na fila de precatórios para receber. O grande mal da justiça não é a impunidade, é a morosidade, que provoca muitas vezes a impunidade. Temos vários casos de injustiça no Brasil que não estão atrelados à impunidade, mas a falta de eficiência, e essa falta não é provocada pela ausência das leis ou estruturas legislativas antigas. Tem países no mundo que a legislação é mais antiquada que a nossa. Acho que o que está faltando no Brasil é, por exemplo, número suficiente de juízes, de servidores da Justiça. Os governantes usam a Lei de Responsabilidade Fiscal para justificar a impossibilidade de aumentar o quadro de servidores, mas não exigem a produtividade dos que estão lá. O que temos que cobrar do Judiciário é uma maior eficiência. Lamentavelmente, eles gastam dinheiro em coisas que não vão funcionar, por exemplo, o processo judicial eletrônico. É um dinheirão de investimento, mas eles começam sem organizar a estrutura do Judiciário. O processo judicial eletrônico hoje serve para quê? Para o cidadão saber mais rápido que o processo dele está parado. É como se você tivesse uma Ferrari numa estrada cheia de buracos. Ele é importante? É, mas primeiro teria que se estruturar o Judiciário para responder a todas as demandas, num prazo célere. Como é feito agora na audiência de custódia. O cidadão preso em flagrante tem que ser levado à presença do juiz em 24 horas para determinar se a prisão provisória é ou não necessária. São medidas como essa, de menos burocracia e mais eficiência, que o Judiciário precisa. Como se explicar no século 21 uma comarca sem juiz, funcionando com a figura do juiz TQ, que vai nas terças e quartas-feira. Ele só pega processos mais urgentes e isso acaba desacreditando o Judiciário.

Recentemente o deputado Eduardo Cunha desqualificou a OAB e fez criticas ao exame de ordem. Como o senhor vê essas declarações?
O presidente da Câmara está fazendo um desserviço a nação, não pelos ataques à OAB, reações destemperadas ao fato de a OAB nacional não apoiar seu nome como relator do CPC, mas quem ocupa um cargo como o dele deve respeitar e permitir o diálogo entre os poderes. Um diálogo republicano, que objetive a melhoria da vida do cidadão. Não vi nas pautas colocadas por ele, algumas até advindas da vontade popular, a intenção de qualquer vontade de servir à nação. Ele se preocupa apenas em retaliar, criar embaraços a administração pública federal. A pauta anti-OAB que ele diz ter e que começa pela extinção do exame de ordem ou da taxa de cobrança pelo exame, não é republicana, de cidadania. Pesquisa Datafolha afirma que mais de 80% da população quer a manutenção do exame, porque quer a garantia de que ela será defendida por um advogado que tenha um mínimo de formação profissional. Tenho certeza de que se o deputado Eduardo Cunha for investigado pela operação “Lava Jato” vai procurar um advogado de qualidade, que tenha feito o exame de Ordem e um mínimo de condição profissional. Essa é a garantia do estado democrático de direito. A credibilidade da OAB é grande e nos obriga a dar satisfação à sociedade brasileira e à advocacia para cumprirmos nossas missões constitucionais.

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