Sobram vagas para juiz federal, mas faltam candidatos à altura

Giulia Mendes - Hoje em Dia
09/02/2015 às 08:08.
Atualizado em 18/11/2021 às 05:57
 (Samuel Costa)

(Samuel Costa)

Sobram vagas e processos, mas faltam juízes federais em Minas. O motivo da conta que não fecha é a falta de capacitação dos candidatos, que não conseguem nota mínima para aprovação em concursos.   Desde junho de 2014 na direção do foro da Justiça Federal em Minas, e há 14 anos como titular da 10ª vara cível de Belo Horizonte, Miguel Ângelo de Alvarenga Lopes trabalha para minimizar outro entrave: o estrutural, criando varas no Estado e modernizando a infraestrutura já existente.   Quais são os maiores problemas do Judiciário em Minas Gerais e no Brasil atualmente?   Nós estamos com um grande problema na carreira. Não conseguimos preencher as vagas. Fazemos concurso sem parar, mas os candidatos não conseguem nota mínima para aprovação. Tínhamos 250 vagas abertas no tribunal da 1ª região, mas, na semana passada, em Brasília, tomaram posse apenas 58, e eram 10 mil candidatos. Em BH, estamos com quadro deficitário de juízes substitutos, precisamos de mais 15. No Estado, para ficar mais equilibrado, precisamos de 30 juízes e 200 servidores. Hoje são 150 juízes e 200 servidores ativos.   Há um processo de implantação de um tribunal federal no Estado. Como está o andamento desse projeto?   É um desprestígio muito grande para Minas Gerais não ter um tribunal de 2ª instância, um tribunal regional federal. Nós estamos vinculados a Brasília, junto com outros 13 estados. Temos até emenda constitucional que cria um tribunal de Minas, mas, desde que Joaquim Barbosa deu uma liminar, o processo parou. Estamos aguardando o julgamento pelo Supremo, mas tenho certeza de que, se for pautado e for julgado, nós vamos ganhar.   Quantos processos estão em tramitação hoje em Minas Gerais?   Temos hoje 500 mil processos. Para se ter uma ideia, o tribunal do Sul, que congrega três estados, tem, atualmente, 80 mil processos em andamento. Só na turma recursal de BH, que é o 2º grau do juizado especial, temos 100 mil processos. Minas Gerias, em termos de movimento da Justiça Federal, é maior que todos os estados do Nordeste juntos. Em Sete Lagoas, temos um problema pontual: a vara tem 26 mil processos para um juiz só. Fora isso, estamos uma situação bem razoável. Levamos, em média, um ano para julgar os casos, mas existem unidades muito mais avançadas no país, que com menos de seis meses já têm a sentença.   O que foi feito até agora e qual é a prioridade do seu mandato até 2016?   A Justiça Federal está em 26 cidades mineiras hoje, e o interior precisa muito de infraestrutura. Para implantar uma nova vara, precisamos de lei federal. Então, é um pouco complicado. Já implantamos em Poços de Caldas, em Ituiutaba e Janaúba. Já existe em Contagem, em Governador Valadares e em Juiz de Fora e Uberlândia, que foram as primeiras varas do interior em todo o país. Nós somos pioneiros neste aspecto.   Qual é a opinião do senhor com relação à quantidade de recursos na legislação?   Todo mundo reclama que existem muitos recursos, mas não ter recursos significa aumentar o poder de decisão do juiz de 1º grau. E isso envolve um embate político interno e divisão de poder. Uma das piores situações que nós temos atualmente é ter o agravo de instrumento. Todas as decisões do juiz podem ser recorridas. Sempre defendi que o mínimo deve ir para 2º e 3º graus, doa a quem doer, é um efeito colateral, mas precisamos disso para o nosso sistema fluir de uma forma melhor.   Os modelos de conciliação têm apresentado bons resultados?   Estamos implantando uma novidade em Minas Gerais, que são os núcleos de conciliação. É difícil fazer uma conciliação na Justiça Federal porque você envolve um órgão público. Mas existem questões que não têm saída, a única forma é utilizar os métodos conciliatórios mais avançados. Por exemplo, estamos tentando uma conciliação sobre o Anel Rodoviário, um projeto para desapropriar 30 mil pessoas da área de domínio do Anel em BH. Não é possível resolver isso numa decisão só. Você tem que envolver ali os órgãos estaduais, municipais e federais. Outro processo que está caminhando muito bem é a regularização fundiária do Parque Nacional da Serra da Canastra. Ali existe um litígio de 42 anos, desde a criação do parque, para desapropriar 70 mil hectares. É um imbróglio tao grande que ao passar dos anos piora. Então, no dia 24, acontecerá a segunda rodada de negociações no parque, juntamos todos os órgãos envolvidos, Instituto Chico Mendes, a população, a Procuradoria, o Ministério Público e a Defensoria Pública. A questão é tão complexa que precisamos juntar 50 processos em um só para tentativa de conciliação. Dificilmente se resolveria no processo normal.   O que precisa ser feito para modernizar e aumentar a agilidade nos tribunais? Existe algum modelo ideal no Brasil?   O processo eletrônico tem que chegar a todos os níveis. Estamos caminhando devagar com relação a isso, estamos engatinhando. A informatização agiliza a tramitação, melhora a gestão interna, mas não substitui o homem, por isso, estamos investindo muito no treinamento do servidor para ter um ganho de produtividade. O Judiciário tem uma produtividade baixa se comparada com a iniciativa privada. A forma de trabalhar ainda é muito antiga. Não há um exemplo de modernização lá fora, há uma resistência com relação a isso. Alemanha, França e Itália utilizam tudo em papel. Hoje, em termos de avanço em processo eletrônico, temos o tribunal regional federal do Sul. No país, ele é o mais avançado, um exemplo para Minas.   Na sua avaliação, como está o papel da Justiça Federal frente aos escândalos de corrupção no país?   Para nós, na área criminal, o mensalão, por exemplo, é um marco. Esclareceu-se ali muita coisa. Até então, o Supremo cometia muitos erros, tomava decisões antagônicas, envolviam no mesmo processo quem tem foro privilegiado e quem não tem. Tudo isso tumultua muito o processo, aumenta a dificuldade de andamento processual. A operação Lava Jato já é uma evolução. A Justiça Federal está indo por caminhos certos, especializando-se cada vez mais, fazendo muitos treinamentos na área criminal. Ainda temos muito o que evoluir como sistema repressivo. Nós só estamos identificando muita coisa por causa das delações premiadas, senão não teríamos chegado exatamente onde chegamos. Tenho notado um consenso entre juízes de que a condenação do Marcos Valério incentivou a delação premiada, que já existia há muito tempo, não tinha sucesso, porque ninguém se dispunha. Valério ficou calado e ganhou 40 anos de cadeia. Aqui em Minas Gerais, temos atuado bastante na operação Lava Jato através de oitivas de pessoal pelo nossos juíz federais criminais. Temos casos de relevância nas quatro varas criminais, cada uma tem hoje 4 mil processos. De repercussão maior, temos o mensalão mineiro e a chacina de Unaí.   As mudanças recentes nos governos estadual e federal trouxeram alguma repercussão para a Justiça Federal mineira?   Não tivemos nenhum impacto direto. Em Minas, temos orçamento próprio. O que ocorre é que se o país para de crescer, nós também temos que enxugar nosso orçamento, que é de quase R$ 8 bilhões por ano. Com esse valor, não temos problemas no dia a dia, temos limitações nas necessidades maiores. Pagamos gamos muito aluguel. Nas 26 cidades, só temos três imóveis próprios. Precisaríamos investir. A Justiça Federal é superavitária, dá lucro para governo por causa da execução fiscal federal. Nós arrecadamos cerca de R$ 15 bilhões por ano, e gastamos os R$ 8 bilhões. Um dos motivos porque a área econômica não barrou a criação do novo tribunal em Minas Gerais é este. Fizeram as contas e viram que a arrecadação vai aumentar ainda mais. Desejamos que os novos governos tenham sucesso, que evoluam na ética para diminuir a corrupção e melhorar o país como um todo.

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