Stefan Salej: qual Minas queremos ter em 20 anos

José Antônio Bicalho - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
22/09/2014 às 07:28.
Atualizado em 18/11/2021 às 04:18
 (Marcelo Prates)

(Marcelo Prates)

A notícia de que Stefan Bogdan Salej estaria retornando a Minas, depois de um longo período no exterior, mexeu com as rodas ligadas à política empresarial no Estado. Salej foi um dos mais polêmicos presidentes da Federação das Indústrias do Estado de Minas Gerais (Fiemg). Reformulou profundamente a estrutura de gestão e os métodos de atuação da entidade, modernizando-a, influiu nas políticas de desenvolvimento regional e nacional, comprou uma série de brigas na política empresarial, ganhou apoiadores fieis mas também criou inimizades.

Sua marca sempre foi a franqueza e energia com as quais defendia suas posições. Foi o responsável por quebrar a combinação de alternância na direção da Confederação Nacional da Indústria (CNI) entre São Paulo e estados nordestinos, abrindo caminho para que a presidência pudesse ser ocupada, hoje, pelo mineiro Robson Andrade.

Depois da Fiemg, foi diplomata pelo governo da Eslovênia e representante da União Europeia junto aos países da América Latina. Nos últimos anos, dedicou-se à carreira acadêmica (ele é cientista social) na África do Sul.

Com retorno a Minas agendado para o início do próximo ano, Salej garante que a política empresarial está longe de seus planos, que passam por um curso de doutorado na UFMG. Mas não deixará de usar “todos os fóruns possíveis” para promover a discussão sobre políticas de desenvolvimento econômico e de sua tese mais cara, o aprimoramento de um “capitalismo democrático, sem modelos importados”.

Quais atividades o senhor desenvolveu na África do Sul?
Estava trabalhando basicamente com pesquisa e participando de uma série de atividades acadêmicas. Meu último trabalho publicado foi sobre o papel das entidades empresariais no mundo. Eram cinco cases (Índia, União Europeia, Estados Unidos, Turquia e Brasil. Eu fiz o capítulo do Brasil.

Antes da África, o senhor cumpriu funções diplomáticas para o governo da Eslovênia. Como foi essa experiência?
Esse trabalho diplomático foi feito quando a Eslovênia ocupou a presidência do Conselho Europeu (principal órgão de representação política da União Europeia). Nessas atividades fui responsável pelo início do diálogo (da Europa) com o Mercosul, que estava congelado, e de promoção de reuniões entre chefes de Estado da América Latina e União Europeia.

O principal desafio era esse destravamento das relações?
Sim. Foi a primeira vez que conseguimos formatar um plano de ação de parceria entre União Europeia e a América Latina. E não apenas comercial, mas também relacionada à área de imigração, que sempre foi um problema.

O avanço nas relações entre UE e Cuba aconteceu também nessa época. Como se deu isso no campo diplomático?
Trabalhamos para reduzir as sanções da União Europeia contra Cuba. Foi um trabalho longo e difícil, porque tratava não apenas dos interesses da União Europeia, mas também dos Estados Unidos. Há uma visão ideológica contra Cuba, mas subestima-se sua importância estratégica. É um país que está a 150 quilômetros dos Estados Unidos. Nossa meta era trabalhar para que Cuba permaneça cubana, independente, e que no futuro não caia numa esfera de influência predominantemente americana.

Como era seu relacionamento com Hugo Chaves?
Minha experiência pessoal com Hugo Chaves foi das melhores possíveis. Tudo em que acertamos diretamente, ele sempre manteve a palavra. E foi quem explicou quais são as angústias na gestão de um país como a Venezuela, que tem de um lado os americanos querendo transformá-la em uma democracia modelo americano, e não tinha anteparo da União Europeia para fazer algo diferente. Em uma de nossas conversas, ele me disse: “o senhor acha que estou me aproximando da Rússia por ignorância? Não é porque quero, mas porque é minha única opção”. Então, trabalhamos para destravar as relações com a União Europeia.

Com a crise mundial, como o senhor enxerga a inserção do Brasil no comércio internacional?
Existe uma crise, mas também muitas oportunidades comerciais e para o país receber investimentos. O problema é a pouca consciência da classe política em relação ao peso político do Brasil no cenário internacional. O Brasil é uma potência, que tem espaço em qualquer mesa de negociação do mundo inteiro. É um país que no contexto atual tem uma situação peculiar: integridade territorial, riquezas naturais, água, floresta, espaço para expansão. Tem relativamente pouca gente para seu tamanho e reservas enormes de água, que será o produto mais procurado no futuro. E tem uma integração cultural que faz com que não tenhamos conflitos religiosos ou raciais. O que temos são conflitos sociais. Um país com essas características ganha um valor muito grande no mundo inteiro.

Com essas características, estamos desperdiçando oportunidades?
Nós somos um território cobiçado. Não há uma empresa estrangeira, um país estrangeiro, que não tenha interesse no Brasil e que não procure influir no Brasil através de ações políticas. Ou através de outros tipos de ações, como no caso da espionagem americana, que sempre existiu. Brasília está entre as cinco capitais no mundo com o maior número de representações diplomáticas. São Paulo é o segundo lugar do mundo com maior número de representações consulares, depois de Nova York.

A impressão é a de que somos menores na política internacional...
Um exemplo é dado pela atual campanha presidencial. Nem a política externa, nem a política de defesa, entraram na discussão. E as duas afetam profundamente o nosso entorno. Um problema como o que acontece entre a Rússia e a Ucrânia afeta a nossa economia. Somos capazes de sermos aproveitadores de uma situação trágica como a de Kiev, de aumentarmos nossas exportações para a Rússia, mas quanto vamos aproveitar disso para o nosso desenvolvimento?

Por que nossa presença no comércio internacional não é mais significativa?
Nossas exportações e nossa presença no exterior dependem da estrutura da economia da base empresarial. Temos poucas empresas de capital nacional com alto nível de competitividade, que podem se fazer presentes no exterior. Apesar disso, temos uma boa presença no exterior. As empresas multinacionais brasileiras são poucas, mas estão presentes em 79 países. Mas, o segredo é que você não precisa ser grande para exportar. Precisa é ser competente com seu produto ou serviços e com o mercado.

Até que ponto o problema é câmbio e impostos?
Imagine a Alemanha, que é o segundo maior exportador do mundo. Eles também sofrem com o câmbio, que é determinado pelo Banco Central Europeu e com impostos, mas são competitivos. O câmbio tem prejudicado, mas o que mais prejudica é que não somos competitivos, não temos competitividade no chão da fábrica. Nossas exportações dependem de acordos com empresas multinacionais que se instalam no Brasil, aproveitando o mercado doméstico e adicionando uma parte de exportação, usando o custo baixo da mão de obra.

Como aumentar a competitividade da nossa indústria?
Nós precisamos repensar a competitividade no chão da fábrica e isso se faz com muita inovação. Temos muitos exemplos de que isso é possível. A Magnesita foi a primeira empresa brasileira a abrir uma subsidiária no exterior, em 1960, na Argentina. A Localiza também está no exterior, o Ibope, a Weg está presente em 20 países, a Marcopolo, em 24 países. Temos casos de empresas brasileiras que estão presentes (no mercado internacional) e por que as outras não estão? Porque não se preocupam com inovação, com competitividade.

Em Minas o desafio é maior? Nossa economia baseada em commodities e pouco voltada para o consumo não torna o problema mais grave?
A pergunta fundamental é qual Minas queremos ter dentro de 20 anos. Quem responde isso? Quem pensa nisso? Minas, com a estrutura econômica de hoje, não é competitiva. Um exemplo é este acidente que aconteceu recentemente (o rompimento da barragem de rejeitos da Mineradora Herculano, em Itabirito), com dois mortos e um desaparecido. Em uma mineradora. A mesma coisa aconteceu 12 anos atrás, em Macacos. Em 12 anos, estamos repetindo o mesmo modelo, a mesma coisa, o mesmo acidente. Por que, em 12 anos, não fomos capazes de coibir este tipo de mineração baseado em incompetência e irresponsabilidade empresarial?

Basear a política de desenvolvimento na atração de investimentos é uma estratégia interessante?
Veja, não adianta só trazer empresas para cá e acabar com as empresas de Minas. Estimular a venda das empresas de Minas traz capital estrangeiro, não cria um futuro. O Estado tem que, através de seus instrumentos, estimular o desenvolvimento das empresas mineiras. Recentemente, 80 empresários liderados pela Fiemg foram à Noruega. E os noruegueses falaram claramente: “Nós desenvolvemos a nossa indústria. Damos preferência ao desenvolvimento de indústria local”.

Quais seriam os instrumentos para esse desenvolvimento?
Um deles são as empresas estatais. Ou mesmo as empresas privadas. É preciso desenvolver fornecedores locais. Se a Cemig, a Copasa ou a Codemig têm um programa de desenvolvimento de fornecedores locais, a coisa anda. Mas, se um supermercado é multinacional e prefere comprar das empresas multinacionais, porque eles são aliados em nível global, então as condições não são as melhores. Eu estou falando da cultura empresarial, estou falando de cultura de desenvolvimento e das políticas públicas de desenvolvimento da economia mineira. Isso tem que passar primeiro pela formação de um capitalismo responsável mineiro, e não pela importação de capitalismo de fora como a base do seu desenvolvimento.

O senhor defende o papel do Estado como indutor do desenvolvimento?
Claro, mas ele abriu mão desse papel de indutor do desenvolvimento democrático do capitalismo. O que seria isso? Na prática, você tem que dar oportunidade através dos instrumentos do Estado para o desenvolvimento local. Isso através da sua capacidade de compra, de contratações, apoiando inclusive a inovação nas empresas locais. Isso, aliás, já foi feito pela Cemig há 30 anos. Existia o programa específico de contratação para dar condições às empresas de se desenvolverem e se associarem. Hoje, não existe nada parecido nem na Cemig, nem na Copasa, como também não existe na Petrobras. Existiu na Fiat, tempos atrás, em seu programa de fornecedores locais. Mas, fora a Aethra, qual empresa local, de capital mineiro, que é fornecedora da Fiat? 

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