Uso do FGTS para obter empréstimo consignado é considerado armadilha

Janaína Oliveira
joliveira@hojeemdia.com.br
15/07/2016 às 20:21.
Atualizado em 16/11/2021 às 04:19
 (Marcello Casal Jr.)

(Marcello Casal Jr.)

Os trabalhadores do setor privado já podem ir aos bancos e usar o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) como garantia do empréstimo consignado. Entrou ontem em vigor a Lei 13.313 que permite a utilização de parte dos recursos da conta e da multa rescisória nesses casos.

Segundo o governo, a intenção da norma é reduzir o risco na concessão de crédito aos empregados de empresas privadas e, dessa forma, ampliar esse tipo de operação e permitir a cobrança de juros menores. Para especialistas e órgãos de defesa do consumidor, entretanto, a medida é vista como uma armadilha.

Como quase metade da renda das famílias brasileiras já está comprometida com dívidas, de acordo com dados do Banco Central, o receio é de que a medida faça com que os consumidores se enforquem ainda mais.

“Embora possa parecer que o consumidor desfrutaria de algum benefício imediato, o principal favorecido é o sistema financeiro, que passa a ter acesso aos valores em condições que o trabalhador não dispõe”, explica a economista do Instituto de Defesa do Consumidor (Idec), Ione Amorim.

Segundo ela, com a nova regra, o fluxo financeiro do crédito consignado privado poderá atingir patamares equivalentes às demais operações de consignação. E o consumidor continuará exposto aos mesmos riscos e ainda mais endividado.
Outro agravante, diz Ione, é que, provavelmente, o trabalhador utilizará o valor para quitar dívidas contraídas com taxas de juros ainda mais elevadas como é o caso dos cartões de crédito. Ou seja, os bancos ganham nas duas pontas.

Além disso, em razão dos descontos das parcelas serem feitos diretamente na folha de pagamento, essa modalidade de crédito não revela dados de inadimplência, mas contribui para o atraso de outras dívidas.

Na avaliação da coordenadora institucional da Associação de Consumidores Proteste, Maria Inês Dolci, a autorização para uso do FGTS na contratação de empréstimo consignado é um retrocesso e complicará ainda mais a vida financeira do brasileiro.

“É uma armadilha, pois o FGTS é uma das únicas reservas financeiras dos trabalhadores para situações como desemprego”, adverte.

Principalmente em um cenário de crise econômica com alto grau de incerteza, juros altos, escalada do desemprego e renda em queda, Maria Inês afirma que é preciso ter em mente que crédito não é salário. As dívidas comprometem o orçamento mensal, afetando o poder de compra. “Incentivo ao endividamento para acelerar a economia não é a saída”, afirma.


Poupança
O FGTS é uma poupança que garante uma reserva ao trabalhador em momentos de demissão, aposentadoria, compra de imóvel, tratamento de câncer, HIV ou doença em estado terminal, alem de outras situações de necessidade. “Nos últimos anos, o uso do dinheiro do FGTS aumentou muito devido à impulsão dada ao crédito habitacional. A preocupação é que o dinheiro do fundo não é do governo, mas do trabalhador. A grande questão é se haverá provisão para devolver ao trabalhador o dinheiro quando ele precisar. A verdade é que o sistema corre o risco de entrar em colapso”, afirma o mestre em Economia e professor do Ibmec em BH, Felipe Lacerda Leroy.

Taxas de juros e limite de parcelas ainda serão definidos

A nova lei estabelece que, ao contratar o empréstimo consignado, o trabalhador pode optar como garantia 10% do saldo do FGTS ou até 100% da multa rescisória paga pelo empregador no momento da demissão. Caso fique inadimplente, o fundo cobre a dívida.

A norma é resultado da conversão da Medida Provisória 719/2016, aprovada pelo Congresso. A lei foi promulgada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL).

Editada em março pelo ex-ministro da Fazenda Nelson Barbosa, a MP tinha a intenção de reduzir as taxas de juros cobradas a trabalhadores do setor privado para esse tipo de operação.

Da forma como é hoje, os principais clientes do crédito consignado são os servidores públicos. Por terem estabilidade, o risco é baixo e, portanto, as taxas são bem menos salgadas.

Segundo nota técnica divulgada pela Fazenda em fevereiro, os juros médios para o setor público são de 26,5%. Para o setor privado, chegam a 41,3%, quase o dobro.

“Mas aí eu faço a pergunta que não quer calar. Os trabalhadores em regime da CLT ou Rural também terão juros a 26%? Eu duvido”, diz o presidente do Instituto Fundo Devido ao Trabalhador, o advogado Mario Avelino.

As projeções da equipe econômica indicam que haverá um crédito adicional de R$ 17 bilhões no mercado, o que deverá estimular o consumo e movimentar a economia sem impactar a inflação e sem aumentar o endividamento das famílias brasileiras.

“O que qualquer economista sabe é que não funciona bem assim. Nem todo trabalhador vai fazer empréstimo para consumir, principalmente, com a instabilidade e o fantasma do desemprego rondando”, afirma Avelino.

Parcelas
Pela nova legislação, caberá ao Conselho Curador do FGTS estabelecer o número máximo de parcelas e a taxa mensal de juros a ser cobrada pelas instituições financeiras.

Além disso, ficará a cargo da Caixa Econômica Federal, agente operador do FGTS, definir os procedimentos operacionais para viabilizar essa modalidade de consignado.

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