Seis em cada dez vítimas de estupro calam-se e não levam o caso à polícia, estima o braço da ONU voltado para as mulheres no Brasil. Um número que deveria chocar duas vezes: primeiro, pelos motivos para o silêncio apesar de tamanha brutalidade; segundo, por escancarar que cada caso subnotificado pode significar um agressor à solta nas ruas, de olho numa próxima vítima que pode ser eu, você, sua esposa, mãe, irmã ou vizinha.
Ao contrário do que alguns insistem em bradar por aí, quem está por trás desse tipo de crime não escolhe vítima. Pode arrastar para o matagal tanto a trabalhadora que acorda às 4 da madrugada e é obrigada a sair de casa na escuridão quanto a universitária que, ao chegar para pegar o carro numa rua deserta, percebe que o veículo está com o pneu furado.
É isso o que torna mais assustadora ainda a reação das pessoas diante do episódio envolvendo a adolescente do Rio violentada por vários homens. Quem atribui à vítima uma “parcela” de culpa pelo episódio deveria ser capaz de pôr a mão no fogo pelos mesmos homens, caso encontrassem a mocinha de classe média do parágrafo acima em apuros. Você colocaria?
Se não, provavelmente entendeu que o que move o estuprador é o fato de ele olhar para a vítima como ninguém. Como um ninguém, para usar as palavras com mais exatidão. E recorrer à força física, armas ou ameaças para conseguir o que quer.
Nesse contexto, toda mulher pode ser vítima. Basta ter a infelicidade de cruzar com um sujeito desses no caminho. Portanto, faz menos sentido ainda ver mulheres denegrindo a jovem carioca, como se o fato de ter sido mãe aos 13 ou o hábito de frequentar bailes da comunidade justificassem roubar dela o direito sobre o próprio corpo.
São esses pré-julgamentos que afastam muitas vítimas de estupro das delegacias, mascarando estatísticas, dificultando investigações e colaborando para a impunidade. Diante do medo de serem constrangidas ou até humilhadas, inclusive pela polícia, várias optam pelo silêncio. Às vezes, coagidas pela própria família, temendo que o caso não leve a nada ou as exponha ainda mais. Um comportamento que precisa ser combatido, mas que depende da confiança no trabalho das autoridades e de uma rede multidisciplinar de apoio às vítimas, com psicólogos e assistentes sociais, capazes de ajudar a mulher a encarar um drama que irá acompanhá-la pelo restante da vida.