A Lei de Responsabilidade Fiscal é um dos marcos da legislação brasileira. Pouca gente se lembra, mas antes dessa legislação, de quatro em quatro anos, era um “Deus nos acuda” para praticamente todos os prefeitos do país, que assumiam os municípios com os cofres vazios e dívidas e mais dívidas. Não que essa prática tenha acabado, mas a possibilidade de punição ao gestor que deixa seu sucessor em maus lençóis acabou por diminuir bastante essa prática.
Porém a crise econômica atingiu em cheio o caixa de praticamente todas as prefeituras, mesmo as bem geridas. A queda na arrecadação faz com que muitos prefeitos tenham que tomar decisões complicadas nesse fim de ano. São essas decisões que acabam por revelar o maior problema da legislação.
Sem dinheiro para cumprir todos os compromissos, os gestores hoje optam por cumprir aquilo que a LRF determina deixando de cumprir o que a legislação omite ou não obriga. Conforme os próprios prefeitos relatam na edição de hoje, essas escolhas acabam por penalizar a população.
A saúde, por exemplo, é uma das áreas que mais sofre. Alguns municípios estão demitindo médicos, outros suspendendo as cirurgias eletivas que pessoas levam meses ou anos para marcar. Os servidores também sofrem, já que boa parte não vai receber o 13º salário neste ano.
Em contrapartida, todos os fornecedores das prefeituras precisam ser pagos até o dia 31 de dezembro deste ano. Caso contrário, as contas poderão ser rejeitadas e o prefeito processado por improbidade. Ou seja, o contribuinte e as famílias de servidores sofrerão. Os empresários, bem menos. E não é culpa dos prefeitos, eles não têm muita escolha diante desse quadro.
A lei deveria proteger as cidades também de quedas de receita como as que ocorrem neste ano. É a parte que falta muitas vezes no Brasil. Muitas leis realmente não “pegam”, mas as que “pegam” não são aperfeiçoadas ou adaptadas a uma nova realidade.
A Lei de Responsabilidade Fiscal, criada para proteger as administrações, hoje pode até garantir que a administração funcione, mas ao custo do sofrimento do contribuinte e de servidores. Se a norma obriga a opção pela gestão em vez do fator humano, é sinal de que ela já não cumpre o seu propósito.