Editorial.

Matemática complexa

Publicado em 09/07/2016 às 06:00.Atualizado em 16/11/2021 às 04:13.

O presidente interino Michel Temer, desde que assumiu o cargo, tem conversado com lideranças de vários segmentos da economia para “trocar ideias” sobre a situação do país.

Ontem, foi a vez de bater um papo com o presidente da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Robson Braga de Andrade, e outros 100 empresários do Comitê de Líderes da Mobilização Empresarial pela Inovação.

Na reunião, o presidente da CNI se posicionou a favor de medidas duras e modernas na Previdência Social e nas leis trabalhistas para melhorar a situação do déficit fiscal.

Uma dessas medidas seria o aumento da carga semanal de trabalho para até 80 horas, a exemplo do ocorrido na França, onde as leis estão sendo discutidas e trabalhadores foram às ruas protestar e promover quebra-quebra. 

O argumento do empresário logo ganhou repercussão nas redes sociais e na imprensa e foram iniciadas as manifestações contrárias à possível mudança na legislação.

Acontece que o “barulho” poderia ter sido bem menor não fosse uma “gafe” da Agência Brasil, portal de notícias gerenciado pela Empresa Brasileira de Comunicação (EBC), pertencente ao governo federal.

“A França, que tem 36 horas semanais, passou para a possibilidade de até 80 horas por semana e até 12 horas diárias”, disse Robson de Andrade


Às 14h21, a agência postou a notícia “CNI defende carga de 80 horas semanais para trabalhador brasileiro”, que permaneceu por pouco mais de uma hora no ar, sendo repetida nos grandes e nos pequenos portais de notícias da internet e nas redes sociais.

Às 15h29 – depois de uma possível “chamada de atenção” – a notícia mudou para “Presidente da CNI defende mudanças previdenciárias e nas leis trabalhistas”. Mas, a essa hora, o leite já estava derramado, as repercussões estavam a mil.

Uma mudança como essa na legislação trabalhista não é simples e não envolve apenas a carga horária. A matemática do negócio é complexa.

Com uma jornada de 12 horas na indústria, um trabalhador que reside nas regiões metropolitanas ou nas periferias das grandes cidades, que gasta em torno de duas horas de deslocamento, passará 16 horas por dia fora de casa. 

Com todo esse tempo gasto em um dia de 24 horas, será possível descansar para o dia seguinte com a mesma carga horária? Talvez na primeira semana seja factível aguentar o “tranco”, mas, depois, quando o cansaço começar a bater, o risco de acidentes de trabalho aumenta e, com ele, a possibilidade do funcionário da indústria ser aposentado por invalidez e, consequentemente, onerar o governo, que é quem paga a conta da Previdência.

Em concretizado, este cenário representaria uma melhoria para o patrão, um desgaste para o trabalhador e um problema para o governo. Ainda bem que parece ter sido um erro de interpretação...

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