Editorial.

Um inimigo à espreita

02/09/2020 às 09:17.
Atualizado em 27/10/2021 às 04:26

“Infelizmente, cedi às tentações psicológicas”. Foi com uma justificativa tão baixa quanto o próprio caráter que um idoso de 70 anos confessou, ontem, que estuprava há um ano uma menina que hoje tem 11. A violência acontecia na casa da avó da criança, onde o homem também vivia, em Ribeirão das Neves.

A descoberta do abuso aconteceu por acaso, após mais uma investida do criminoso: talvez temendo que a vítima o delatasse a médicos, o agressor se ofereceu para acompanhar a garota, que sentia fortes dores abdominais, ao hospital. Na volta, a mãe estranhou o comportamento da criança, que acabou relatando os ataques. 

Em outra ocorrência, desta vez em Betim, um homem de 48 anos foi preso, também ontem, suspeito de estuprar há dois anos a filha de 14. 
Os dois casos ilustram bem tragédias que acontecem todos os dias em milhares de lares. Só em Minas, foram quase 1.500 estupros de menores de 14 anos entre janeiro e julho deste ano - uma média de oito meninos e meninas que tiveram a infância violada por bandidos que, não raro, tentam jogar nas costas das próprias vítimas a culpa por uma violência que marca para sempre o corpo e a alma. 

Tristeza maior é imaginar que a pandemia e o isolamento social possam ter, de um lado, multiplicado o número de crianças atacadas, e, de outro, reduzido os episódios que chegam ao conhecimento das autoridades.
A estimativa vem da própria polícia, que no dia a dia já constatou que as denúncias, quando vêm à tona, muitas vezes são feitas no ambiente escolar – onde os estudantes não põem os pés desde março.

Essa realidade é um prato cheio para os abusadores – que quando moram sob o mesmo teto de seus alvos, passaram a conviver ainda mais com eles, devido à Covid-19. Dados do Ministério da Saúde, de 2016, mostram que naquele ano menores de 13 anos representaram mais da metade das 49.497 vítimas de estupro no país. E, considerando-se todas as faixas etárias, a subnotificação estimada era de 90%, o que elevaria os episódios para até meio milhão.

Se é possível encontrar algum alento neste tema, é o de que a Justiça pune com até 15 anos de cadeia quem se apropria de corpos vulneráveis - menores de 14 anos, portadores de enfermidades ou deficiência mental ou quem não pode oferecer resistência ao ataque. E não ameniza a situação do agressor se a vítima, por qualquer motivo, consentiu com o ato ou já havia tido relação sexual. 

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