A cozinha dos séculos XVII e XVII como identidade gastronômica de Ouro Preto

Eduardo Avelar e Giulia Mendes - Hoje em Dia
19/04/2015 às 13:29.
Atualizado em 16/11/2021 às 23:42
 (Eduardo Avelar/ Acervo pessoal)

(Eduardo Avelar/ Acervo pessoal)

No Território Central, Subterritório do Entorno, em especial nas cidades históricas, estão as principais marcas deixadas no período que antecedeu a Inconfidência Mineira.

O Subterritório do Entorno foi estabelecido a partir de duas premissas principais. A primeira é histórica e está presente em várias das cidades mineradoras que compõem a região central do Estado, onde a atividade atraiu culturas de diversos países e etnias, deixando marcas importantes nos costumes alimentares.

A segunda é marcante devido à proximidade e influência exercida pela grande capital e seus costumes modernos e cosmopolitas.

Como características gastronômicas, podemos citar em seu aspecto histórico as cachaças, os queijos, as quitandas e os doces, heranças claras do período colonial e dos ciclos do Ouro e dos Diamantes.

Iguarias como o feijão tropeiro, o bambá de couve e a costelinha com a mineiríssima ora pro nobis também caracterizam essa região.

Cozinhando como nos tempos dos tropeiros do Ciclo do Ouro

A cozinha mineira como é conhecida, trata-se realmente da cozinha praticada nos séculos XVII e XVIII, inicialmente traduzida pela cozinha seca dos tropeiros, com as farinhas e as carnes, especialmente as de porco, tradição portuguesa.

Com a chegada posterior das famílias foram introduzidas as roças para abastecer as vilas, e com elas os animais domésticos, e surgindo a cozinha molhada, com os caldos e guisados acompanhados pelo angu de fubá.

Os doces escreveram importante capítulo na historia da Vila Rica, especialmente do distrito de São Bartolomeu, que foi a primeira e maior roça da região de exploração de ouro por lá, abastecendo por muito tempo a cidade e seu crescente numero de habitantes que chegavam em busca de riquezas.

Pratos como feijão tropeiro, tutu com linguiça, canjiquinha com costelinha, bambá de couve, torresmo e a saquimba com angu, acompanhados dos doces de frutas, geleias e licores, além das cachaças até hoje representam a identidade gastronômica da cidade de Ouro Preto e de toda a região mineradora.

E para completar as tradições da antiga Vila Rica, as panelas de pedra de Santa Rita é importante para as tradições gastronômicas.

Tricentenária – Feita como há 300 anos, a goiabada cascão resiste ao tempo. Fotos: Fotos Arquivo EA

Goiabada certificada

Talvez o mais importante passo para a preservação de nossas tradições na arte culinária de Minas Gerais foi dado com o reconhecimento do oficio de doceiros e a proteção de seus métodos produtivos originais como se faziam a cerca de 300 anos.

É o caso da goiabada cascão, delícia da região de Ouro Preto, em especial no distrito de São Bartolomeu.

O método de preparo, com tachos de cobre em fogo à lenha e mexido com remo de madeira, seria proibido pelas autoridades, mas o tombamento irá proteger o método tricentenário.

O Caminho das Pedras para a certificação da goiabada cascão

Goiaba do pé, tacho de cobre, remo de madeira, forno à lenha aceso. A produção artesanal da goiabada de São Bartolomeu, distrito de Ouro Preto, na região Central de Minas Gerais, é feita da mesma forma desde o século 18 e permanecerá “intacta” graças ao selo que o doce ganhou de patrimônio cultural imaterial.

O secretário de Cultura de Minas Gerais, Ângelo Oswaldo, responsável certificação da goiabada cascão de São Bartolomeu e dos queijos frescal, serro e das serras do salitre e da canastra, contou ao Hoje em Dia como foi feito o processo que garantiu proteção aos alimentos e seus respectivos processos de produção.

“Primeiro, promovemos o registro como patrimônio imaterial do queijo de Minas. Na gastronomia, o selo significa registrar, guardar a forma de fazer o produto artesanal. A culinária é uma grande via cultural, os produtos são bens muito importantes criados pela tradição de um povo”, disse Ângelo.

Com a famosa goiabada cascão, o registro ocorreu quando o atual secretário de Cultura foi prefeito de Ouro Preto, em 2005. “Criamos o Conselho de Patrimônio Municipal e registramos a goiabada cascão de São Bartolomeu, distrito que fica 13 quilômetros ao norte de Ouro Preto. Lá, são conservadas características do final do século 17, início do século 18. O selo de patrimônio cultural não só guarda o know-how, as características da produção, como a forma de fazer”.

“O registro é importante porque é um documento que protege o produto de normas legais extremamente rígidas, sendo patrimônio cultural fica resguardado dos rigores das fiscalizações industriais”, completou Ângelo.

Higienização

Ele defende que há outras formas de higienização para os produtos artesanais. “Existem outras maneiras de profilaxia extremamente compatíveis, os pequenos produtores podem optar por essas outras formas”, destacou.

Qualquer pessoa pode solicitar o registro de bens imateriais. Para cada pedido é aberto um processo, feito um levantamento de dados e o pedido é julgado por conselhos de patrimônio.

Confira algumas receitas típicas em Ouro Preto

Guisado

Guisado de costelinha com ora pro nobis – também chamado de lobo-lobô em Ouro Preto, por se parecer com planta semelhante utilizada pelos negros na região central, especialmente no Espinhaço, região do Jequitinhonha, para engrossar guisados.

Ingredientes:

1 kg de costelinha de porco, 2 molhos de ora-pro-nóbis picadinho, Meio copo (americano) de vinho branco, 1 cabeça de alho amassada, 1 colher (sobremesa) de sal, 3 pimentas-dedo-de-moça picadinhas, 1 colher (chá) de pimenta-branca moída, 3 folhas de louro inteiras, 700 ml de água

Preparo:

Picar a costelinha e temperá-la com vinho branco, alho, sal, folhas de louro e as pimentas. Deixar de molho no tempero por seis horas. Depois, levar ao fogo e deixar fritar, na própria gordura da carne. Deixar dourar bem e pôr água aos poucos (meia xícara de chá de cada vez), mexendo bem. Quando, estiver bem cozida, retirar, com uma concha, o excesso de gordura e despejar o lobo-lobô por cima, com meia xícara de chá de água, sem mexer. Tampar a panela e deixar cozinhar por cinco minutos. Quando as folhas murcharem, mexer até misturá-las à carne. Servir com angu.

Receita fornecida por Joaquim Heraldo Lima de Ouro Preto

 

Bambá de couve

Ingredientes:

250 g de fubá (de preferência o de moinho d’água), 500 g de costelinha em pedaços, 5 folhas de couve rasgadas, 1 litro de água, 3 colheres (de sopa) de óleo, 1 tablete de caldo de carne, Alho, sal e outros temperos a gosto

Preparo:

Lavar, rasgar e reservar a couve. Temperar a carne com alho e sal. Reservar. Numa panela com o óleo, uma pitada de tempero e o caldo de carne, refogar a costelinha. Quando estiver dourada, acrescentar água fervente e deixar por dez minutos, com a panela tampada. Numa panela à parte, em fogo brando, misturar aos poucos o fubá com 400 ml de água e mexer, até engrossar. Em seguida, adicionar o angu à costelinha. Deixar por mais 15 minutos, sempre mexendo com a colher de pau. Jogar a couve crua para cozinhar no calor do caldo, já com o fogo desligado. Porção para seis pessoas.

Receita fornecida por Carlos Alberto de Souza Trindade, de Mariana

 

 

Saquimba com angu

Este prato pouco conhecido ainda é encontrado se bem garimpado em alguns estabelecimentos mais antigos, na cidade de Ouro Preto, é uma espécie de sarapatel que não leva o sangue mas somente os miúdos do porco e é servido com angu duro.

Ingredientes:

2 kg de miúdos de porco (fígado, língua, coração), 2 litros de água,300 g de bacon picado, 3 cebolas médias picadas, 2 tomates, sem pele e sem sementes picados, 1 pimentão vermelho picado, 1 pimentão verde picado, 1 colher (de sopa) de sal, Cheiro verde a gosto, Tempero de alho e sal a gosto

Para o angu, 1 kg de fubá e 3 litros de água

Preparo:

Separar os miúdos (chamados de saquimba na região de Ouro Preto) e tirar os excessos de gordura. Lavar com água corrente e colocar numa panela com a água e o sal. Ferventar por aproximadamente 40 minutos. Tirar da panela e deixar esfriar. Cortar os miúdos em cubos e deixá-los à parte. Para fazer o molho, refogar numa panela, de preferência de pedra, o bacon no óleo, até dourar. Acrescentar a cebola, o pimentão o tomate e um copo (de 200 ml) de água. Ferver o molho por dez minutos. Acrescentar a saquimba e os temperos e deixar ferver por mais dois minutos. Para preparar o angu, misturar o fubá e a água numa panela em fogo alto e mexer sem parar, até engrossar. Tampar a panela e deixar ferver por 30 minutos. Virar num tabuleiro e deixar esfriar. O angu deve apresentar uma consistência firme, já que deve ser servido em pedaços. Porção para cinco pessoas.

Receita fornecida por Maria Margarida Silva, de Ouro Preto

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