A real dimensão de Mantega

22/09/2016 às 21:15.
Atualizado em 15/11/2021 às 20:56

Já que o assunto da hora é a possibilidade de prisão (ou a quase prisão) de Guido Mantega, vamos relembrar sua passagem pelo Ministério da Fazenda, a mais longa da história republicana.

Mantega comandou a economia brasileira por oito anos e nove meses, de março de 2006 a dezembro de 2014. Assumiu a pasta no último ano do primeiro mandato de Lula, atravessou todo o segundo mandato do petista e foi mantido por Dilma durante todo o primeiro governo. A presidente, ao assumir para o segundo mandato, trocou Mantega pelo ultraortodoxo Joaquim Levy.

Para entendermos dimensão histórica de Mantega é preciso, primeiro, compreender que ele se filia claramente à escola econômica desenvolvimentista, que é a antítese da escola ortodoxa que o sucedeu primeiramente com Levy, e agora com Henrique Meirelles. Mas, classificá-lo de keynesiano soaria como heresia para os defensores radicais do keynesianismo.

O ex-ministro é uma unanimidade para os economistas de direita: é absolutamente demonizado. Mas não consegue unir opiniões à esquerda. Para seus defensores, é o ministro do milagre econômico do segundo mandato de Lula e das políticas contracíclicas que salvaram a economia brasileira do caos em 2010. Para seus detratores de esquerda, é o ministro que desperdiçou o bom momento da economia ao não promover reformas estruturais, que aprofundou o processo de desindustrialização ao manter o câmbio sobrevalorizado e que não soube administrar o timing das políticas anticíclicas, sendo responsável direto pela recessão subsequente.

Acredito que Mantega é uma sobreposição das duas opiniões. Os dois lados estão certos e as qualidades e realizações do ex-ministro não anulam seus defeitos e omissões, e vice-versa.

Conforme me lembrou ontem nosso respeitadíssimo economista Fabrício Oliveira (ex-UFMG e Unicamp), Mantega não é pioneiro no uso das políticas anticíclicas no Brasil. O próprio Delfim Neto já o teria feito no final dos anos 60 para conter o impacto recessivo da política monetarista aplicada por Roberto Campos e Otávio Bulhões nos anos iniciais da ditadura militar. Mas, Mantega foi o ministro que as aplicou num momento de crise sem precedentes da história recente da economia brasileira.

Será melancólico se essa história acabar em cadeia

Diante do estouro da crise do subprime nos EUA em 2008 e da onda recessiva que se espalhou pelo mundo, Mantega, no biênio 2009/2010, passou a movimentar as ferramentas contracíclicas. Reduziu impostos para empresas de cadeias estruturantes, facilitou o crédito e fez crescer o consumo interno (também por meio das políticas de transferência direta de renda e do aumento do salário mínimo acima da inflação) como contraponto à recessão mundial, blindando o país da crise. E foi largamente exitoso em seus objetivos.

O problema é que políticas anticíclicas foram feitas para cortar com radicalidade um processo de recessão, e não para serem utilizadas indefinidamente. Não são sustentáveis no longo prazo. E Mantega “não recolheu as armas”, conforme gosta de dizer Fabrício Oliveira.

Pior que isso é que nenhuma reforma estruturante foi verdadeiramente encaminhada em sua gestão. Não se deu qualquer andamento sério as reformas tributária, de governo ou política. E, menos ainda, às polêmicas (para as esquerdas) reformas previdenciária ou trabalhista.

Além disso, as políticas anticíclicas não foram acompanhadas de um programa estruturado de investimentos em infraestrutura capazes de dar sustentabilidade ao retorno do crescimento. A aposta no avanço via consumo interno acabou por se justificar a si própria, e o inevitável descompasso entre oferta e demanda não tardou, gerando a inflação que foi a fagulha para a atual depressão.

Mantega foi um ministro controverso, que acertou muito e que talvez tenha errado ainda mais. Mas, sem sombra de dúvidas, foi importante e ficará para a história. Será melancólico se essa história acabar em cadeia. Isso o ministro não merece.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por