Ícone LGBT de Belo Horizonte, travesti Cintura Fina ganha biografia

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
19/01/2021 às 18:50.
Atualizado em 05/12/2021 às 03:57
 (DIVULGAÇÃO)

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A lembrança que temos de Cintura Fina, ícone LGBT de Belo Horizonte, está ligada ao papel que Matheus Nachtergaele fez na minissérie “Hilda Furacão”, em 1998. A personagem real, no entanto, pouco tinha a ver com o programa, baseado no livro homônimo de Roberto Drummond. Cintura Fina era negra e um símbolo da luta contra o preconceito.

É esta imagem que o pesquisador Luiz Morando buscou trazer à tona no livro “Enverga, mas Não Quebra”, lançado pela editora O Sexo da Palavra. “Minha intenção é de resgatar e reescrever a história da Cintura Fina na nossa cidade”, afirma o autor, que é mestre em Literatura Brasileira e doutor em Literatura Comparada, ambos pela UFMG.

Na biografia, Morando faz questão de tratar Cintura Fina no feminino. A famosa prostituta da zona boêmia de BH,  conhecida por sua habilidade com a navalha, já tinha deixado claro, em vários momentos, que se via como uma mulher. “Ela adotara toda a representação de feminilidade, seja nos trajes que usava ou na maneira de cortar o cabelo e as unhas”, observa.

Na época, porém,  não era comum definir as travestis no gênero feminino. “Todo mundo tem essa visão mítica e lendária dela como um marginal, termo usado no gênero masculino porque era a forma como a imprensa, a polícia e a área jurídica se referiam a ela. Cintura Fina ficou com esta marca de não aceitar o seu modo de ser, mas soube resistir a esta visão que a associou à criminalidade”.

O livro  busca mostrar um lado mais humano desta cearense que chegou a Belo Horizonte em 1953, passando a viver nos bairros Bonfim e Lagoinha. “Ela se envolveu em 18 processos criminais, talvez até mais, mas eram crimes com leve potencial de periculosidade. O que fica evidente é que ela foi empurrada para este lado marginal por afrontar à sociedade devido à identidade sexual”, analisa.

Morando salienta que o processo de decadência de Cintura Fina se confunde com a descaracterização da zona boêmia. “Ela chegou aqui com 20 anos, cheia de vitalidade e muito bonita, tendo vivido intensamente os anos 50 e 60. O processo de urbanização da praça da Lagoinha marca simbolicamente uma desterritorialização de Cintura Fina”.

Talvez seja um primeiro passo para compreender  a mudança de Cintura Fina para Uberaba,  cidade do Triângulo Mineiro onde viveu os seus últimos 15 anos. Outra razão pode ter sido o envolvimento da personagem com o espiritismo, já que Uberaba ficou conhecida por abrigar o centro espírita de Chico Xavier.

“Enverga, mas Não Quebra”  faz parte de um projeto maior, com o resgate da memória do segmento LGBTQIA+ em Belo Horizonte, desde a virada dos anos 1940/1950 até 1989. “Foi um período muito rico, em que esse público foi ganhando visibilidade, como figuras como Cintura Fina começando a se destacar”, revela.

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