“Essa história acontece em estado de emergência e calamidade pública” abre a peça “A Hora da Estrela ou O Canto de Macabéa”, em cartaz no teatro do CCBB até domingo. Originalmente, ela não tem nada a ver com o momento pandêmico, extraída do livro de Clarice Lispector, lançado em 1977, mas acabou ganhando outras interpretações.</CS></IP>
“Eu já cantava esse verso antes de a pandemia começar. Hoje, mais de um ano depois de estrearmos, com a máscara presa na boca, ele ganhou mil outras camadas”, assinala a atriz baiana Laila Garin, protagonista da adaptação musical conduzida por André Paes Leme, com canções especialmente compostas por Chico César.
A frase ganha ainda mais força ao vermos o elenco da peça com máscara, fazendo distanciamento social. “Usamos máscaras pretas; não é para não ser visto. Não dá para fingir que não está acontecendo. Não esquecemos a pandemia, mas, ao mesmo tempo, isso tudo consegue ser sublimado, havendo o encontro teatral”, observa Laila.
Ela teve certeza dessa percepção na retomada das apresentações presenciais, em maio. “Estava morrendo de saudade de subir no palco, de (fazer) uma turnê. Deu para perceber que o público está muito faminto também”, registra, admitindo que está vivendo uma estreia de fato agora, já que a peça ficou apenas uma semana em cartaz antes da pandemia.
"Nossa previsão era cumprir temporada no Rio de Janeiro, participar do Festival de Curitiba e vir para BH logo depois. Fomos para casa no dia 13 de março (de 2020) e só nos reencontramos em dezembro para comemorar os 100 anos de nascimento de Clarice Lispector, quando a gente fez uma transmissão ao vivo, com 38 mil visualizações”.
COBRANCO
A peça perdeu o gancho do centenário da autora de “A Hora da Estrela”, mas Laila destaca que a efeméride ainda precisa ser devidamente lembrada – “O ano de 2020 não existiu, devido a esse tempo louco”, pondera. Para além de datas celebrativas, Laila reforça que o texto, como qualquer clássico, é atemporal.
Nesse momento, ele está mais atual do que nunca. “Esse estado de emergência que falo no início é tanto o estado interno após ver essa nordestina andando na rua e sentir vontade de falar sobre isso, quanto o estado de desumanização, de falta de empatia. Macabéa é nordestina, mas ela representa todos os outros que estão invisibilizados”.
A metalinguagem adotada por Clarice, com um autor falando sobre a sua criação, é adaptada para o palco, em que Laila vive tanto uma atriz quanto o personagem que irá interpretar. A essência foi preservada, ao contar a história de uma imigrante cuja vida no Rio de Janeiro é marcada pela ausência de afeto e poesia.
Outra novidade é o caráter musical, seara que a protagonista tem trilhada com desenvoltura. Ela recebeu diversos prêmios por seu trabalho em “Elis – A Musical”, na pele da Pimentinha. Também gravou a sua voz no álbum “Laila Garin e a Roda”, lançado em 2017, em que passeou pelo repertório de grandes nomes da música brasileira.
“As letras e melodias criadas por Chico César trazem todo universo que não tinha no livro. É muito rico imaginar, como atriz, que Macabéa canta coisas que estão na na imaginação dela. No dia a dia dela, Macabéa não reage, não grita, não briga, não reclama, é super passiva. O canto vem de um universo interno, fantasioso, em torno de um desejo que ela não sabe direito o que é”.
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