Não sei se o leitor se deu conta, mas, na semana passada, o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran), como se não houvesse nada mais importante a fazer, resolveu transformar em realidade algo que há 20 anos estava previsto no Código de Trânsito Brasileiro (CTB), mas não vinha sendo colocado em prática: a possibilidade de autuar pedestres e ciclistas por comportamento irregular nas ruas e estradas. Com direito a valores definidos para as infrações – de, respectivamente, R$ 44,19 e R$ 130,16.
Os primeiros podem ser, por assim dizer, “multados” caso atravessem fora da faixa nas vias em que ela existir; das passarelas ou passagens subterrâneas, ou resolverem permanecer no meio das ruas e estradas causando algum tipo de perturbação ao trânsito dos veículos. Já a turma dos pedais, se insistir em trafegar pelas calçadas ou, uma vez nos locais em que a circulação é permitida, pela esquerda, ou na contramão do fluxo.
Regras existem para ser cumpridas, isso não se discute. O que se mostra absurdo, no caso, é a ênfase dada a dois grupos que, no caos do nosso trânsito, sempre são mais vítimas que culpados. Não passa pela minha cabeça defender as ações de quem insiste no erro, no proibido, longe disso. Mas um questionamento se faz necessário:
Será que, em vez de se preocupar agora com quem ainda não é fiscalizado, não é o caso de reforçar a vigilância de quem tem potencial muito maior para ceifar vidas e causar danos mutas vezes irreversíveis? Enquanto as autoridades se preocupam com quem se move sem motor, há centenas, milhares de motoristas que insistem em trafegar falando ao celular; instalam as famigeradas películas com transparência menor que a determinada pela lei e circulam com veículos caindo aos pedaços. E há a turma que corta caminho pelos acostamentos nas rodovias, ultrapassa pela direita ou em faixa contínua. Ou os motociclistas que confundem qualquer pedaço de asfalto com pista de corrida, trançando de forma irresponsável em meio ao tráfego sem sinalizar as manobras.
Para completar o quadro, outro dia mesmo a Polícia Rodoviária Federal foi obrigada a limitar seu trabalho por absoluta falta de verba. E eu nem entro na questão dos caminhões e carretas que insistem em carregar muito mais do que o peso máximo permitido, acabando com o piso das rodovias e transformando-se em riscos móveis sobre rodas.
Que tal dedicar mais atenção, estrutura e cuidado a quem realmente exige? Então, quando absurdos como os que vemos em nosso trânsito deixarem de acontecer, passa-se a fiscalizar a todos. Enquanto isso, melhor investir na educação e na conscientização. É assim que funciona nos países desenvolvidos – e acredite, também neles há quem atravesse fora da faixa ou ignore a sinalização. Só que neles morre-se bem menos.