Ao Hoje em Dia, mineira e francês descrevem drama que viveram com atentados

Elemara Duarte - Hoje em Dia
Publicado em 14/11/2015 às 23:16.Atualizado em 17/11/2021 às 02:29.

Neste sábado (14), após os ataques, Paris amanheceu com ruas vazias e “em clima de guerra”, segundo a designer Sarah Dugrip, há um mês em BH, para passar férias. Ela recebeu notícias de amigos que estavam a poucos metros dos locais da tragédia. “O apartamento em que vivia em Paris fica a seis quarteirões do local. Amigos que estavam perto viram a correria. Imagino se estivesse lá. Sempre vou ao Bataclan e ao restaurante Le Petit Cambodge (onde dois brasileiros foram feridos e 14 pessoas morreram)”.

Na mesma cidade está a empreendedora mineira Renata Ávila Alamy Yanni é anfitriã AirBnB – site de comunicação entre turistas e donos de imóveis para aluguel – e foi para Paris para um evento onde participavam 5 mil integrantes do AirBnB. Ela soube das explosões quando estava em um bar, com amigos. “Esse bar fica em uma rua muito próximo aos ataques. Recebemos uma mensagem dizendo para que a gente ficasse no lugar. Tinha homem bomba na rua”.

Mesmo radicada em BH, há quatro anos, onde se casou com um mineiro, a psiquiatra francesa Héloïse Delavenne Garcia diz que não conseguiu dormir a noite seguinte ao atentado, preocupada com colegas e amigos que vivem em Paris. “É um lugar bem popular, equivalente à Praça da Savassi”, compara.

Entre os amigos da psiquiatra está o médico francês Camille Pigache, que chegou a avistar um dos terroristas armado a cerca de 200 metros de onde estava. Camille enviou seu depoimento ao Hoje em Dia. “Que a minha história possa traduzir o que as pessoas vivenciaram e a noite de horror em Paris”, disse o médico. Camille não conhece Renata, mas ambos foram testemunhas do mesmo ataque que comeve o mundo.

ACOMPANHE A ÍNTEGRA DO RELATO DAS DUAS TESTEMUNHAS DA TRAGÉDIA NA FRANÇA:

Camille Pigache, médico, mora em Paris

“Ontem à noite peguei o trem para Paris às 19h13... Cheguei no apartamento do Yannick, um amigo, um pouco antes das 21h, na Rua de Charonne. Fumei um cigarro e troquei de roupa, e nós combinamos de sair para jantar e, em seguida, encontrar outros amigos e sair para dançar no Couscous (uma discoteca). Yannick trocou os sapatos e saímos. Porém, na saída, a chave ficou bloqueada na fechadura por alguns segundos antes de conseguirmos trancar a porta. Foram 30 ou 40 segundos, algo insignificante...

Deixamos o edifício e caminhamos para o Palais des Femmes que estava pertinho. Estávamos prestes a atravessar a rua para chegar na calçada oposta, Yannick avança, eu viro a cabeça para o outro lado por um momento, e então ouço um barulho muito alto como uns fogos de artifício. Viro e Yannick está no meio da rua, imóvel, atordoado, paralisado olhando um homem em pé de costas para ele no meio da rua. Eu me dei conta que não eram fogos de artifício, e que o homem na nossa frente estava como uma metralhadora nas mãos, e que ele estava esvaziando seu carregador e atirando no bar logo a nossa frente. Eu grito: "Yannick, venha!". Ele se vira para mim, assustado, eu o pego pela mão e começo a correr na direção oposta ao homem armado, arrastando-o comigo.

Os tiros continuaram, os gritos estão enchendo o ar e eu rezo para que o homem não se vire para continuar a sua carnificina e para que eu não sinta uma bala perfurando as minhas costas. Tenho medo, corremos para a entrada do edifício, que deixamos apenas alguns minutos atrás e conseguimos nos refugiar no pátio. Ainda estamos vivos, eu estou aterrorizado. Os tiros param, todo mundo está nas janelas querendo saber o que aconteceu, eu caio no choro. As sirenes soaram de todos os lados. Nós falamos que acabou, mas eu não consigo me sentir seguro, eu continuo tremendo como uma folha, chocado, percebendo que uma cena de guerra e uma terrível carnificina acabou de acontecer diante dos nossos olhos na rua, sem ainda saber o que esta acontecendo em outros lugares em Paris...

Ontem à noite eu experimentei o momento mais aterrorizante da minha vida. Nesta manhã penso nessas pessoas que morreram diante dos nossos olhos, nos outros tiroteios, nas pessoas que viveram o horror no Bataclan, nesses 30 segundos, quando a porta não queria fechar e que salvou a minha vida. Eu fiquei com medo, muito medo, eu me vi morrendo, mas eu estou vivo, nós estamos vivos, traumatizados, mas vivos...”


Renata Ávila Alamy Yanni, empreendedora, mora em BH e passa férias em Paris com o marido

“A gente veio para o encontro anual do AirBnB, que neste ano foi em Paris, há 5 mil anfitriões do mundo inteiro aqui. Hoje (sábado, 14) teria um encerramento, com festa, mas foi cancelado. Uns 40 brasileiros vieram. Fizemos nossas férias junto com este evento. Na sexta-feira (13) à noite, tínhamos duas possibilidades de programação: ir ao jogo ou ao bar. Nós escolhemos o bar, que fica em uma rua muito próxima aos ataques. Um dos bares, que teve morte, estava a cerca de 100 metros de nós.

Então, a gente recebeu uma mensagem do AirBnB, dizendo para ficarmos no bar. A gente não estava entendendo bem. Então, chegou uma das pessoas do grupo e ela disse que tinha escutado barulho de tiros. Aí, que a gente começou a entender que realmente tinha acontecido alguma coisa. Meus familiares e amigos começaram a mandar mensagens ao mesmo tempo. Todo mundo começou a ficar muito tenso. Sirene na rua, polícia. Começaram a mandar notícia para nós. A notícia já tinha chegado ao Brasil. Mas a gente ainda não tinha noção de que estávamos no centro de onde tudo aconteceu.

A nossa grande sorte foi ter ficado no bar. Tinha homem bomba na rua. A gente esperou lá dentro, mas as pessoas começaram a ficar aflitas. Decidimos sair, muito tempo depois. Tomamos uma decisão arriscada de pegar o metrô. Foi um risco. Pegamos e passamos por baixo de onde tudo acontecia. Tínhamos medo de passar um carro com alguém atirando. Tivemos a sensação de ter escapado. Os 5 mil anfitriões ainda não foram mapeados. Mas estamos aguardando notícias. Estamos hospedados mais ou menos perto de onde tudo aconteceu, próximo do Le Petit Cambodge. Vamos continuar a viagem. O plano era ir para Londres. Todos os brasileiros do nosso grupo estão bem.

Custamos para dormir. É muito estranho estar dentro deste fato. A gente procurou saber se poderíamos ir para as ruas. Muitos tentaram agir naturalmente. Mas há um clima de velório. O comércio está praticamente todo fechado. Nas lojas abertas estão revistando as bolsas. O clima está tenso e triste. Era para ser um dia maravilhoso. E está sendo o oposto do que a gente imaginava”.

 

Ao Hoje em Dia, mineira e francês descrevem drama que viveram com atentados
Renata e o marido, em evento em Paris, um dia antes dos ataques

 

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