Artista Maurino de Araújo é tema de documentário de Cris Ventura

Paulo Henrique Silva - Do Hoje em Dia
02/01/2013 às 10:50.
Atualizado em 21/11/2021 às 20:14
 (Samuel Costa/Hoje em Dia)

(Samuel Costa/Hoje em Dia)

São mais de duas horas de caminhada entre o bairro Primeiro de Maio, região Norte, e a Savassi. Mas desde a década de 1980, quando perdeu os pais, Maurino de Araújo faz esse percurso pelo menos duas vezes por semana, atraindo olhares pela singularidade de, no trajeto, ainda dançar com um guarda-chuva.

Mas, comportamento inusitado à parte, Maurino angariou respeito (inclusive internacional) pelas obras esculpidas em madeira – algumas das quais já teria alcançado cotação em torno de 40 mil euros. Vale lembrar que ele começou expondo na antiga feira de artesanato da Praça da Liberdade.

Agora, prestes a completar 70 anos de vida (em maio), o artista de Rio Casca - que foi seminarista em São João del-Rei (por seis anos), se mudando para a capital mineira em 1965 –, vem sendo redescoberto.

Reclusão

Após quatro anos driblando a reclusão voluntária de Maurino, e agindo como uma detetive (acompanhando, de forma escondida, seus passos), a diretora Cris Ventura concluiu o documentário "Nas Minhas Mãos Eu Não Quero Pregos", cuja estreia acontece na 16ª Mostra de Cinema de Tiradentes, que terá início dia 18.

"Aprendi muito ao conhecer Maurino. Seu objetivo não é ter dinheiro ou fama. É estar bem consigo mesmo", conta a cineasta, que passou o Ano Novo acertando os últimos detalhes do filme. A narrativa acompanha essa ótica transformadora, partindo do preconceito sofrido pelo artista até a descoberta de um homem de rara sensibilidade.

A edição "enxerga" em Maurino um enigma a ser desvendado, abraçando inicialmente a visão dos moradores do Primeiro de Maio, que o consideram um "translouco" (termo usado por um residente não menos extravagante), e do questionamento de especialistas como Emanuel Araújo e Olívio Tavares de Araújo sobre seu "desaparecimento artístico". Uma das frases que abrem o filme reproduz um pedido dele: "Não me filma, não. Não quero".

Antítese

Kripton, pseudônimo de um morador que se auto-intitula "louco", define seu vizinho como "pessoa complicada e rebelde". Já Tavares de Araújo questiona a alegação de depressão: "Se tem depressão, a pessoa vai para o médico e toma remédio. Mas Maurino não é deste tipo. Faz algo que é a antítese da depressão, dançando pelas ruas de Belo Horizonte".

"As pessoas, hoje, vivem encurraladas e numeradas", diz ele

O pintor e museólogo Emanuel Araújo analisa o "comportamento um pouco diferente" de Maurino, "visto com certo preconceito", mas não sabe precisar se é fruto de uma busca de liberdade ou se "um lado psicológico novo". Para o psiquiatra e colecionador Delcir Costa, a postura é um ato criativo, destacando que vários artistas, de natureza inconstante, "nem dançar dançam e acabam desaparecendo".

Para Tavares de Araújo, Maurino "não está sendo possuído pelo demônio", mas querendo se libertar, sabedor de que chama a atenção e corre riscos. O próprio artista se defende, atentando que as pessoas, hoje, vivem "encurraladas e numeradas", não se dando conta do quanto é espetacular o encontro com o outro.

O personagem vê na dança uma ação milagrosa, capaz de "levantar até defunto". E garante que os movimentos curaram sua depressão. Filósofo, indaga a razão de "termos que justificar e provar as coisas". E frisa: "Vivo aqui, mas não estou aqui".

Para Cris, difícil foi filmar o artista em seu caminhar até à Savassi. "Marcávamos, mas ele despistava. Até o dia em que liguei de um bar em frente à sua casa. Ele disse que não sairia naquele dia, mas dois minutos depois já estava com o pé na rua", relata.

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