A corrupção investigada na Asfixia, como é chamada a 40ª fase da “Lava Jato”, deflagrada ontem pela Polícia Federal (PF), foi gestada em Minas Gerais. Auditoria realizada na empresa mineira Mendes Júnior apontou como funcionava o esquema, que chegou a desviar R$ 100 milhões em pagamento de propina a ex-gerentes da subdivisão de Óleo e Gás da Petrobras. Pelo menos 18 contratos, que inicialmente somavam R$ 5 bilhões, foram superfaturados para beneficiar terceiros. O pagamento de propina aos ex-funcionários da petrolífera em troca de vantagens seguiu até 2016, quando as investigações acerca do Petrolão estavam a todo vapor. O ato foi classificado como a “falta de pudor” pela delegada da PF Renata da Silva Rodrigues.
Conforme a delegada, durante inspeção da Receita Federal (RF) na empreiteira, em recuperação judicial, foi verificado grande número de transações de altos valores. Segundo a PF, as empresas envolvidas nas transações, Akyzo e Liderrol, que têm os mesmos sócios, não tinham capacidade técnica para movimentar tal quantia, o que chamou a atenção da Polícia Federal.
Fachada
A partir disso, foi descoberto um esquema de pagamento de propinas a ex-executivos da Petrobras por meio de empresas de fachada, utilizadas pelas empreiteiras que ganharam licitações junto à petrolífera. Elas intermediavam as propinas quitando despesas pessoais dos ex-gerentes, em espécie e transferindo dinheiro para o exterior. Um dos ex-executivos ‘esquentou’ dinheiro desviado com a Lei da Repatriação, que trouxe ao Brasil R$ 48 bilhões no ano passado.
Cinco mandados foram cumpridos em Belo Horizonte, três de busca e apreensão e dois de condução coercitiva, no Funcionários, Centro e Luxemburgo. No Centro, dois andares de uma empresa localizada na avenida Afonso Pena, em prédio bem em frente ao Palácio das Artes, foram vasculhados.
Aditivos
Conforme a delegada da PF, estima-se que 1% do valor dos contratos fosse destinado às propinas. Para pagá-las, aditivos eram inseridos nos documentos, puxando o preço das negociações para cima. Ainda segundo Renata, não há indícios de que o dinheiro tenha sido redirecionado ao financiamento de partidos e campanhas políticas, embora ela não descarte a possibilidade.
Além de Belo Horizonte, foram cumpridas medidas judiciais em São Paulo e Rio de Janeiro. No total, foram 16 mandados de busca e apreensão, dois mandados de prisão preventiva, dois mandados de prisão temporária e cinco mandados de condução coercitiva.
Presos
Foram presos temporariamente os ex-gerentes da Petrobras, Marcio de Almeida Ferreira e Maurício de Oliveira Guedes e presos preventivamente os representantes das empresas Liderrol e Akyzo, Marivaldo do Rozário Escalfoni e Paulo Roberto Gomes Fernandes.
Eles foram encaminhados a Curitiba na noite de ontem. Segundo as regras internacionais de aviação, aviões de carreira são proibidos de levar mais de dois presos por vez. Por isso, os suspeitos foram encaminhados à capital Paranaense em duplas. Eles responderão pela prática dos crimes de corrupção, fraude em licitações, evasão de divisas, lavagem de dinheiro dentre outros.
Novo foco
Segundo representantes da Polícia Federal, há outros alvos em investigação. Os nomes e estados são mantidos em sigilo para não atrapalhar o trabalho da Receita Federal.
Alvo da operação usou Lei de Repatriação para lavar dinheiro
PORTO ALEGRE – Pelo menos um dos alvos da Operação Asfixia usou a Lei de Repatriação para lavar dinheiro de propina, segundo o Ministério Público Federal (MPF). A lei foi sancionada em janeiro do ano passado e permite que cidadãos com valores não declarados no exterior regularizem esses recursos junto ao Fisco.
O esquema de corrupção no setor de Energia e Gás da Diretoria de Engenharia da Petrobras foi detalhado por representantes do MPF, da Polícia Federal (PF) e da Receita Federal, em entrevista coletiva, ontem, em Curitiba.
Segundo as investigações, o ex-gerente da Petrobras Marcio de Almeida Ferreira, preso ontem no Rio de Janeiro, usou a repatriação para “esquentar” cerca de R$ 48 milhões proveniente de propinas que estavam depositados em contas nas Bahamas.
O procurador Diogo Castor de Mattos, integrante da força-tarefa da “Lava Jato” no MPF, disse que Ferreira fez a regularização dos recursos ilícitos no final do ano passado. “Ele declarou que esses valores, em tese, teriam sido angariados da venda de um imóvel, pagou tributo de cerca de R$ 14 milhões e, dessa forma, ‘esquentou’ o dinheiro que, certamente, tem origem em propina proveniente da Petrobras”, contou Mattos. O MPF não descarta que a prática tenha sido replicada por outros agentes criminosos.
“Eles usaram a legislação para lavar dinheiro. Isso é usar a lei para legalizar corrupção. Precisamos combater essa prática e abrir a caixa-preta da Lei de Repatriação”, afirmou o procurador da República Carlos Fernando dos Santos Lima. Ele também destacou a “ousadia” dos criminosos, que receberam pagamentos de propina até meados do ano passado.
Contratos
As investigações contabilizaram ao menos 15 contratos usados para pagamento de propina envolvendo as empresas de consultoria Liderrol e Akyzo, que também foram alvo da operação de ontem.
A PF afirmou que esses contratos foram revelados durante a delação premiada de Edison Krummenauer, ex-gerente de Empreendimentos da área de Gás e Energia da Petrobras.
“Esses contratos foram minuciosamente detalhados pelo colaborador. Contratos em que ele afirma que recebeu propina para agilizar procedimentos, aprovar aditivos, ou seja, o modus operandi que a gente já viu no curso da Operação ‘Lava Jato’”, afirmou a delegada da Polícia Federal Renata da Silva Rodrigues.
Procurador acredita que ainda há corrupção na Petrobras
SÃO PAULO – O procurador regional da República Carlos Fernando dos Santos Lima disse ontem que a força-tarefa da Operação “Lava Jato” trabalha com a convicção que ainda há corrupção e desvios na Petrobras.
“Fica claro que há muito trabalho ainda a ser feito na própria Petrobras”, disse o procurador. “Nada garante que nós tenhamos hoje, realmente, uma empresa limpa de toda a corrupção do seu passado”, afirmou Santos Lima.
A “Lava Jato” descobriu que, a partir de 2003, a corrupção se instalou em diretorias estratégicas da Petrobras – Abastecimento, Serviços e Internacional, todas controladas politicamente pelo PP, PT e PMDB.
A partir de 2004, esses setores da empresa abriram as portas para um sólido cartel de empreiteiras que criaram uma máquina de propinas para assegurar contratos bilionários, segundo os investigadores.
“Mesmo hoje, trabalhando em cima de casos com ex-gerentes, certamente ainda vamos descobrir muitas pessoas na ativa que também tiveram participação em fatos criminosos”, disse o procurador.
Vantagem indevida
De acordo com as investigações, mediante o pagamento de vantagem indevida, os ex-gerentes agiam para beneficiar empreiteiras em contratos com a Petrobras, direcionando as licitações para as empresas que integravam o esquema.
Os pagamentos eram intermediados por duas empresas de fachada que simulavam prestação de serviços de consultoria com as empreiteiras e repassavam as vantagens indevidas aos agentes públicos. (Com agências)