Com a queda no poder aquisitivo, trabalhadores recorrem a outras atividades

Tatiana Moraes
Publicado em 13/04/2019 às 19:48.Atualizado em 05/09/2021 às 18:14.
 (Maurício Vieira )
(Maurício Vieira )

Com a renda estagnada em 2019 – fruto da elevação de 4,6% do salário mínimo, corroído pela alta de 4,59% da inflação medida na Região Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH) pelo Ipead – milhares de pessoas recorrem à segunda jornada para conseguir um dinheiro extra. E na Páscoa, que deve injetar R$ 1,65 bilhão na economia da Grande BH, segundo pesquisa da Câmara dos Dirigentes Lojistas de Belo Horizonte (CDL-BH), a tendência é a de que aumente ainda mais a quantidade de empreendedores temporários.

“As pessoas têm procurado mais por esse tipo de renda extra porque é uma forma de juntar dinheiro para comprar algo que precisam e não cabe no salário. Ou, ainda, para pagar dívidas”, destaca a professora de Economia das Faculdades Promove, Mafalda Ruivo. 

É o caso de Célia Aparecida Gonçalves de Freitas. Depois de trabalhar o dia todo em um buffet, ela chega em casa nas semanas que antecedem datas comemorativas, como a Páscoa, e vai direto para a cozinha. É de lá que saem ovos recheados, ovos de colher e outras delícias que marcam a data comemorativa. 

Com o complemento da renda a cozinheira acelera a reforma da casa, que começou há algum tempo. “Esse dinheiro é muito bem-vindo. Ano passado eu consegui concluir um banheiro que havia começado há mais tempo. Se eu usasse apenas a minha renda fixa, não conseguiria”, afirma.

A jornada de Célia, no entanto, não é fácil. Ano passado, ela entregou 158 ovos, entre tradicionais, de colher e de pote e pretende aumentar as encomendas em 2019. Para isso, trabalha até de madrugada constantemente. “Durmo lá pelas 2h. Não é fácil, mas eu preciso”, pondera. 

De madrugada

O mesmo acontece com a auxiliar administrativo Camila Mariana Santos Oliveira. Na Páscoa, ela costuma entrar as madrugadas fazendo ovos para conseguir melhorar a renda. Este ano o dinheiro já tem destino certo: quitar as contas. 

Camila criou ovos recheados com brinquedos e, assim, busca pegar um filão diferente, atraindo mais clientes. Para 2019, a expectativa é a de que ela comercialize cerca de 80 ovos. “O dinheiro que eu conseguir, vou quitar alguns débitos e, se sobrar, vou guardar. Como sou mãe, vira e mexe surge algum imprevisto. É bom ter uma reserva”, diz. 

Além de trabalhar como agente de registros de certificado digital, Nathália de Souza Assumpção comercializa doces diversos produzidos em casa. Na Páscoa, ela duplica os esforços e se concentra nos ovos, com destaque para os ovos de colher e as pipocas gourmet. No período, ela aumenta em 50% a renda. “Vale muito a pena. O retorno só não é maior porque não tenho mais tempo”, afirma.

No ano passado, ela vendeu aproximadamente 100 ovos. Este ano, Nathália pretende manter a marca. Para divulgar os produtos ela conta com o Instagram e a propaganda boca a boca. “Os ovos artesanais são mais gostosos e mais baratos. Quem compra um ano costuma pedir de novo”, comemora.

Também experiente no ramo, Deise Campos divide o serviço público com a produção de chocolates. Na Páscoa, ela vende coelhinhos, bolsas, ovos, tudo feito de chocolate. Este ano ela pretende atender a cerca de 50 clientes. As caixas de bombom são a preferência da clientela. 

“O lucro não é grande porque trabalho com chocolate de primeira linha e a matéria-prima é cara. Por isso, preciso vender muito e ganhar na quantidade”, afirma. Com o dinheiro que vai receber, Deise pretende pagar pelo menos metade de uma dívida. “Qualquer dinheiro que entra é bem-vindo”, diz.
 

Número de pessoas com múltipla jornada cresceu 37,38%

A quantidade de mineiros que trabalha em vários locais aumentou 37,38% no quarto trimestre de 2018 na comparação com o mesmo período de 2014, saltando de 404 mil pessoas para 555 mil. De 2017 para 2018, a alta foi de 13,96% em igual base de análise.

Em termos percentuais, 4,1% dos mineiros tinham múltiplas jornadas em 2014. O índice saltou para 5,5% em 2018. No Brasil, 3,1% das pessoas tinham mais de um trabalho em 2014, contra 3,7% no ano passado.

Os números são do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e contemplam tanto pessoas que têm empregos formais quanto aqueles que fazem outras atividades para complementar a renda, o famoso bico.

A intensificação da múltipla jornada coincide com a evolução do desemprego, que começou a se intensificar em 2014.Naquele ano, 6,8% dos brasileiros, o equivalente a 7,2 milhões de pessoas, procuravam emprego, o maior índice, até então, desde 2003, conforme o IBGE. 

A pesquisa foi realizada nas regiões metropolitanas de BH, Recife, Rio de Janeiro, Salvador, São Paulo e Porto Alegre.
Isso significa que muitas pessoas entraram 2015 com a renda drasticamente afetada. Para compensar, aceitaram receber menos em outras atividades. E a saída foi procurar outra fonte de renda.

Naquele ano, aliás, o desemprego aumentou 38%, atingindo 10 milhões de brasileiros, um novo recorde até então. Em 2017, bateu 12,7%, recuando para 12,3% no ano passado.

“As pessoas que trabalham de madrugada para produzir algo ou que têm dupla ou até tripla jornada precisam do dinheiro. É raro ver alguém que faça tanto esforço para economizar. A não ser que tenha uma meta”, dia a professora de Economia da Faculdades Promove, Mafalda Ruivo. 

É o caso de Célia Aparecida Gonçalves de Freitas, que trabalha em um buffet de Belo Horizonte e produz ovos de Páscoa à noite. Há cerca de dois anos, ela perdeu o marido e viu a renda despencar. 

“Eu trabalhava com produção de doces em casa e ajudava bastante na renda e nas contas. Mas com a crise e o falecimento do meu marido foi necessário aumentar o tempo de trabalho”, justifica.

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