Doutor em literatura afirma: - Não se formam leitores de poesia no Brasil

Jornal O Norte
27/11/2009 às 10:41.
Atualizado em 15/11/2021 às 07:18

Luís Alberto Caldeira


Colaboração para O NORTE

Ler para o vestibular. É quase uma unanimidade entre os pré-vestibulandos a justificativa da falta tempo quando a preferência por resumos se torna suficiente, em detrimento da leitura na íntegra de todas as obras adotadas por um processo seletivo para entrar em uma faculdade. E quando o prazer da literatura se torna obrigação, a falta de interesse se transforma em falta de atenção. E quando rima, então, vira poesia. E aí que as dificuldades mais aparecem.

Como ler e analisar um poema para o vestibular? De acordo com o crítico literário Antônio Sérgio Bueno, o ideal é que se faça leitura microscópica, palavra por palavra, examinando os sons e as imagens criadas pela imaginação. Prática que deve ser aprendida individualmente, já que, segundo ele, não é ensinada dentro das salas de aula.

- Não se formam, nas escolas do ensino médio brasileiro, leitores de poesia. O estudante costuma ler um poema assim: o que um poeta disse. São apenas leituras de conteúdo – observa.

Doutor em literatura e ex-professor da Universidade Federal de Minas Gerais, Sérgio Bueno esteve em Montes Claros, para um seminário sobre as obras literárias que farão parte do conteúdo das provas da Unimontes e UFMG – Universidade Federal de Minas Gerais.

Nesta entrevista, ele comenta os erros e os acertos desta lista de livros que passa pelas mãos de milhares de candidatos a uma vaga ao ensino superior. Ou não, caso o excesso de matérias para estudar e o tempo escasso deixe a literatura em último plano.

O repórter Luís Alberto Caldeira questionou se os livros adotados pelas faculdades foram as melhores escolhas. Acompanhe na integra a entrevista concedia ao O NORTE.

(LUÍS ALBERTO CALDEIRA)





Ex-professor da UFMG e doutor em literatura,


Sérgio Bueno falou para estudantes em Moc
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- Das obras adotadas este ano pela Unimontes e a UFMG, há alguma em que o candidato deve ter mais atenção? Podemos dizer que existe uma mais difícil que a outra para o vestibular?

- Mais atenção eu acho que não é o caso. Creio que a atenção deve ser dividida para todos os livros. Mas existem textos mais difíceis e outros mais claros. Para a UFMG, por exemplo, em “Sermão da Sexagésima”, o texto de Padre Vieira já é estudado. Então, existe uma tradição crítica em torno dele. Isso facilita o trabalho do aluno, pois ele encontra facilmente matérias sobre a obra.

Já “Bom Criolo”, um livro do século 19, não é tão estudado, porque ele tratou de um tema muito polêmico na época que só agora tem merecido atenção, que é a questão da homossexualidade.

Agora no caso de dificuldade, eu cito “Crônica da casa assassinada”, porque acontece um mergulho muito profundo e introspectivo nos personagens, e isso demanda um tipo de sensibilidade pelos meandros da psicologia. É um livro trabalhoso pra ler.

Os contos de Lygia Fagundes Teles, em “Antes do baile verde”, também apresentam bastante dificuldade, apesar de serem contemporâneos. Não é uma linguagem tão transparente. São problemas emocionais tensos, complexos. Os desfechos ficam em aberto. E isso cria um grau de insatisfação e de frustração em quem lê. Os estudantes do ensino médio geralmente esperam uma narrativa que se esclareça no final e essa não tem. Eles precisam se preparar para lidar com isso.

No caso da Unimontes, foi até algo novo no Brasil em termos das listas de obras para os vestibulares. Geralmente, eles privilegiam os clássicos mais antigos. Já é uma tradição. De repente, a Unimontes coloca dois livros já do século 21 em companhia de “Sagarana”. E são livros difíceis: “Paraísos Artificiais”, de Paulo Henrique Britto, e “Por trás dos vidros”, de Modesto Carone. O aluno não está habituado a trabalhar com eles. Esses livros apresentam dificuldade, mas nem por causa disso eu acho que eles mereçam atenção maior do que os outros.

- Foram boas escolhas?

- Eu diria que, em ambas as listas, há acertos. Temos que reconhecer, por exemplo, o “Sermão da Sexagésima”. Mesmo “Bom Crioulo”, que foi o primeiro livro a tratar do tema homossexualidade, é um acerto. “Cobra Norato”, único livro de poemas, aliás, um grande poema narrativo, muito baseado no folclore brasileiro, que busca as origens do país, origens culturais, eu também acho um grande acerto. É um poema representativo do modernismo. Igualmente um acerto foi “Antes do baile verde”.

Agora, “Crônica da casa assassinada”, para mim, foi um livro falhado. Vou dar um exemplo que eu acho muito grave: ele tem dez narradores e todos os dez falam numa mesma linguagem, do mesmo modo, do mesmo jeito, sem diferenciar o estilo um do outro.

- Isso pode confundir a atenção do leitor?

- Confunde, pois não se identificam os narradores. É como se fosse um narrador só falando o tempo todo. Quer dizer, ele tentou inovar criando dez, mas a voz é a mesma. Então, essa é a minha crítica.

No caso da Unimontes, eu até posso estar cometendo alguma injustiça, porque eu estou olhando de fora. Eu não trabalhei com os livros da Unimontes em Belo Horizonte, mas eu trabalhei aqui, e o que eu percebi é que “Sagarana” é um dos melhores livros de contos da história da literatura brasileira. Eu achei dois problemas na lista da Unimontes: primeiro que poderiam variar o gênero, não ser só contos. E os dois livros dos autores que estão vivos, Paulo Henrique e o Modesto Carone, estão muito próximos um do outro. São contos que trabalham situações, temas, assuntos bem próximos. E achei excessivamente complexo, um grau de dificuldade que ultrapassa a condição dos candidatos. A maioria dos candidatos são muito jovens, com pouca tradição de estudo literário, e podem encontrar imensa dificuldade, porque nós professores encontramos também. Imagina os meninos que vão fazer vestibular, com a formação que o tempo não permitiu a eles mais do que eles tem. Então, eu acho esses livros mal escolhidos nesse sentido, porque apresentam um grau de dificuldade acima do que os estudantes podem fazer. Pelo menos um deles poderia ter sido trocado por um livro um pouco mais acessível.

- Uma dificuldade muito comum do candidato diz respeito à leitura de poemas. De uma forma geral, como deve ser feita a análise deste tipo de livro para o vestibular?

- Não se formam, nas escolas do ensino médio brasileiro, leitores de poesia. O estudante costuma ler um poema assim: o que um poeta disse. São apenas leituras de conteúdo. Para a poesia, é muito mais importante olhar como se diz as coisas, as formas. Então, o modo de ler uma poesia não é rápido, não é corrido. É uma leitura microscópica. Você tem que examinar palavra por palavra. Examinar o som da palavra, as imagens, e isso não se faz na escola média brasileira. Eu acho que a grande falha de nossas escolas no plano da literatura é não preparar leitores de poesia. O que um aluno tem que fazer então? Ele tem que se preparar sozinho. E como? Ler, assim, milimetricamente o poema. Uma leitura lenta, ruminada. Não pode ser uma leitura apressada, procurando uma história no fio da meada, ou princípio, meio e fim. A poesia trabalha muito com estados de alma, estados emocionais. É preciso ler com mais sensibilidade ainda do que fazer sua própria razão. Às vezes uma prosa, você pode ir até com sua razão, com sua inteligência, mas na poesia você tem que ter um olhar especial para a palavra, para o corpo da palavra, para as letras, para o som e para as imagens. O estudante tem que fazer isso sozinho, infelizmente.

- Mas muitos reclamam que, diante de tanto conteúdo e matérias para o vestibular, não sobra tempo nem para ler um livro na íntegra e acabam recorrendo a resumos. O que o candidato perde com isso?

- Para mim, é muito óbvio que o aluno que leu só o resumo está em desvantagem na competição. E quem não leu nada, nem resumo, tem mais desvantagem ainda. Então, nós temos três etapas aí: o que não lê nada e vai apenas com sua capacidade de observação das questões, o que lê o resumo e já tem alguma informação, e quem leu em sua totalidade. O ideal é ler o livro e depois uma análise da obra. Eu nem digo o resumo, pois acho que só o resumo é muito pobre. Resumir um livro é podar o livro, é mutilar o livro. É preciso que se faça uma crítica.

Mas a crítica sem ler o livro, a percepção da obra fica prejudicada porque, quando você lê o livro antes, você reconhece o assunto quando a crítica toca no assunto. Já quando não lê o livro, é preciso imaginar a situação, e, aí, nesse momento, pode falhar a percepção da gente.

Reconheço a questão do tempo. Porém, eu acho que precisava fazer pelo menos uma leitura do livro, porque o prejuízo é grande. Porque o problema está na linguagem. Literatura é linguagem e se você não lê aquele livro, não se tem acesso à linguagem. Você vai ter acesso à linguagem do crítico, que é outra. Se literatura é forma, e forma é o rosto visível do conteúdo, é conteúdo se mostrando, se você não tiver acesso a ela, você perde pelo menos 50% do que o livro está dizendo.

LIVROS ADOTADOS NESTE VESTIBULAR

UFMG:

- “Cobra Norato”, de Raul Bopp


- “Crônica da casa assassinada”, de Lúcio Cardoso


- “Antes do baile verde”, de Lygia Fagundes Telles


- “Bom Crioulo”, de Adolfo Caminha


- “Sermão da Sexagésima”, de Pe. Antônio Vieira

UNIMONTES:

- “Cobra Norato”, de Raul Bopp.


- “Crônica da casa assassinada”, de Lúcio Cardoso


- “Paraísos artificiais”, de Paulo Henriques Britto


- “Sagarana”, de Guimarães Rosa


- “Por trás dos vidros”, de Modesto Carone

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