Belluzzo:"Desembrulhar o pacote de 2015 não será fácil"

Agência Estado
Publicado em 20/04/2014 às 08:57.Atualizado em 18/11/2021 às 02:13.

Mesmo sendo um economista "menos crítico ao governo", como ele mesmo diz, Luiz Gonzaga Belluzzo acredita que é importante realinhar a rota do governo: "é preciso dar mais peso ao investimento do que ao consumo e elevar a meta de superávit primário", diz. Na sua avaliação, outra tarefa prioritária é se dedicar à solução de problemas estruturais, como a indexação, que faz a inflação persistir, e o baixo crescimento. Entre as estratégias que defende está o fortalecimento da Petrobrás, que pode contribuir com a reindustrialização, e a permanência da política de campeões nacionais. "Você não pode entrar na competição global com uma carroça e concorrer com os caras que estão em carros de Fórmula 1", disse na entrevista que segue.

Como o sr. está vendo a economia?

Eu vejo a economia brasileira eivada de contradições e, às vezes de aporias - contradições que não se resolvem. O Brasil tem dificuldade para lidar com o regime de metas e colocar a inflação na meta. Mas se você olhar ao longo do tempo, fica muito claro que, desde a estabilização, a inflação está, na média, em 5,7%. Recentemente, isso chamou a atenção de um economista do Fundo Monetário Internacional (FMI) chamado Shaun Roache. Ele usou uma análise econométrica muito sofisticada para identificar essa persistência. A conclusão: não há certeza se essa situação se deve ao fato de a indexação ainda sobreviver na economia ou se o problema decorre da reação do Banco Central, que, na expectativa dos agentes, é inadequada. A segunda questão é o crescimento. Outra vez: a partir dos anos 80, sofreu uma crise bastante importante que teve efeitos de longo prazo e estruturais. O governo Lula (Luiz Inácio Lula da Silva) teve a seu favor uma melhora sensível das condições internacionais por conta da China. Vários aspectos dessa recuperação tem relação com a condução da política anti-inflacionária. Não é impossível recuperar - ou pelo menos buscar alguns nichos industriais - sem uma política cambial compatível com essa reindustrialização. O que estamos vendo agora? O Banco Central fazendo um esforço enorme para impedir que a inflação avance. Para isso, está admitindo uma certa valorização do câmbio. Ao mesmo tempo, ocorreu algo muito delicado de se tratar: uma crise de confiança, que teve impacto sobre a decisão de investimento. Lá na China, o Estado tem autonomia para tomar decisões. Mas aqui, o Estado precisa fazer o jogo de convencimento para virar as expectativas do mercado ao seu favor. Não adianta subir na parede contra isso porque sempre foi assim. O desafio para 2015 é esse mesmo que todo mundo fala: é preciso dar mais peso ao investimento do que ao consumo.

Os críticos dizem que o governo Dilma fez uma aposta errada em mais consumo e que isso levou a mais inflação e pouco crescimento...

Acho essa análise um tanto simplista. Eu não sou tão crítico do governo assim, mas eu falei isso antes de muita gente. Falei porque, a despeito das minhas relações afetivas com pessoas do governo, eu não vou me comportar como se fosse um porta-voz. É correto o que está sendo dito. O governo deveria ter preparado os programas de investimento em infraestrutura. Demorou muito. Além disso, houve um descompasso também em relação à Petrobrás, que tem um peso importante no aumento do investimento. Eu também fiquei preocupado ao ver a ideia de que era preciso tabelar a taxa interna de torno da economia. Eu falei, várias vezes que isso não dava. O Guido (Guido Mantega, ministro da Fazenda) chegou a ficar chateado comigo, mas depois admitiu que eu tinha razão. A demora foi corrigida e as coisas começaram a andar. A Petrobrás também começa a se recuperar. Temos que olhar para a frente. Apesar de tudo, o Brasil tem um horizonte de investimento - coisa que não ocorre em muitos países. Do ponto de vista do longo prazo, é preciso explorar nichos para a reindustrialização. O que a Petrobrás demanda, por exemplo, de equipamentos e serviços são coisas muitas sofisticadas. Não estamos vendo, mas muitas empresas estão fazendo joint ventures (parcerias) para atuar no setor de petróleo e gás e também no de infraestrutura. Se você me perguntar o que vejo quando olho para a frente, vou dizer que o Brasil tem horizonte favorável. Diferentemente de outras pessoas, não creio que a China vá desacelerar. A demanda por commodities agrícolas e minerais vai se manter. Só acho que o pacote de 2015 não vai ser fácil de desembrulhar - você vai encontrar coisas boas e coisas ruins.

Na hora que o pacote for desembrulhado, há uma prioridade?

A política econômica vai ter de caminhar em um corredor muito estreito. Seria muito ruim se tivéssemos uma perda do controle da inflação. Muito rapidamente o vício da indexação pode ser retomado porque ainda não conseguimos debelá-lo. O Brasil tem problema para administrar a inflação quando boa parte do mundo ruma para a deflação. Isso obriga o governo a ser muito cauteloso, principalmente com o ajuste do câmbio. Hoje, muitos componentes são importados. Se você mexe no câmbio, o efeito sobre os preços e sobre a inflação é instantâneo. Na veia. O Banco Central está entendendo isso. E não adianta fazer protecionismo à antiga. Aliás, um comentário: lendo o artigo de um rapaz em O Globo, que falava dos pudores desenvolvimentistas da Unicamp, eu perguntei para o João Manual (economista João Manuel Cardoso de Mello, sócio da Facamp): João, nós somos desenvolvimentistas? Essa é uma palavra vaga. Nós tentamos entender como funciona o capitalismo brasileiro em suas várias etapas e momentos. Não somos desenvolvimentistas. Somos outra coisa. Para vocês saberem: o desenvolvimentismo é algo muito datado. Vem dos anos 30 e vai até os anos 70. Os militares deram sequência nos anos do ‘milagre’.

Críticos do governo dizem que boa parte da inflação veio da alta dos gastos públicos e da queda forçada dos juros...

Eu não imagino que estejam falando, neste momento, que a inflação surge porque o gasto público produz excesso de demanda. Acho que tem relação com as dívidas. Pela necessidade de o governo produzir um superávit primário que garanta a estabilização da dívida - e da dívida bruta, porque a líquida, francamente, está muito baixa. Para mim, seria mais razoável se o governo fizesse um esforço fiscal maior. Colocaria menos peso sobre a política monetária. A despeito de toda a oposição de economistas que pensam como eu e têm certa resistência em aceitar isso, acho que é um sacrifício necessário. É crucial para o governo dar esse sinal para o mercado - vai ganhar pontos e ter mais espaços para fazer um política menos apertado. A pior solução seria manter a taxa de juros nas nuvens e elevar o câmbio para combater a inflação.

Qual o superávit necessário?

Acho que caminhar para 3% seria mais confortável.

Mas ainda há inflação represada...

Sim. Eu ia falar disso - e quanto mais você demorar para ajustar, pior.

O sr. falou da função das estatais na condução da economia. Como o sr. avalia a situação das estatais no governo?

Essa ideia de segurar as tarifas foi aplicada nos anos 70 e deu no que deu. Essa tentativa de segurar o preço também teve efeito sobre o setor de etanol. Sei que tem impacto sobre a inflação. Mas lá atrás, quando era necessário subir o preço, tinha que ter sido feito. Não há o melhor dos mundos. É preciso fazer escolhas. Parece que numa reunião recente, com banqueiros, alguém perguntou o que fazer. Algumas questões que vêm lá de trás, não foram tratadas tempestivamente, e o que vai acontecer? Você vai pagar pela decisão. Eu me lembro que em maio de 2013, quando discuti esse tema com algumas pessoas, eu disse: está na hora, a inflação está retrocedendo. Você não pode ter todas as vantagens ao mesmo tempo.

O sr. fala muito dos asiáticos, da China, da Coreia. O modelo deles presume altos investimentos e criação de campeões nacionais. É possível aplicar a receita no Brasil?

Eu tive a pachorra de ler inteirinho o World Economic (World Economic Outlook Database,relatório de perspectivas econômicas do FMI). É muito chato, mas é bom para se informar sobre o que está ocorrendo nos gabinetes dos organismos bilaterais. Fizeram um estudo cuidadoso para fazer relação entre poupança e crescimento, mostrando claramente que o crescimento precede a poupança. A Ásia tem taxa de poupança alta, mas ela é ex post (após). Para aumentar a poupança é preciso crescimento. Você não pode aumentar a poupança sem que a renda cresça. Para que ter renda, alguém precisa estar gastando. Esse é o paradoxo.

Luciano Coutinho (presidente do BNDES) deu uma entrevista para o ‘Estado’ anunciando que desistira da política de campões nacionais. O sr. acha que ela deveria ser retomada?

Acho que temos problemas sérios de reestruturação da indústria brasileira. Faz tempo que eu não converso com o Luciano. Mas você não pode entrar na competição global com uma carroça e concorrer com os caras que estão carros de Fórmula 1.

Mas isso não gera favorecimentos a grupos empresariais?

Mas isso é a lógica do capitalismo - favorecer grupos empresariais. Ou você acha que tem concorrência perfeita?

A escolha não é algo complicado? Brasil escolhe pecuária ao mesmo tempo que mata o etanol que talvez seria um trunfo numa nova fase energética global...

Nós deveríamos ter levado o etanol como um projeto importante para o Brasil. Foi o que o Lula fez. Nós escolhemos errado. É um setor que vantagens quase absolutas.

O sr. é um interlocutor frequente da presidente Dilma?

Não sou tão frequente assim. Foram duas vezes. É o estilo dela. A frequência era maior com o presidente Lula. Sou amigo dele. Ele chamava a mim e ao Delfim (economista Delfim Netto) com muita frequência. Ele era muito sábio nessas coisas. Ouvia todo mundo e tomava a decisão. Foi assim na crise. Ele escolheu o caminho, ele e o Guido Mantega, que, aliás, é muito injustiçado porque na crise foi muito bem. Agora, no caso dela, não. Ela tem outro estilo. Eu tenho até carinho por ela. Foi minha aluna. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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