O Brasil em crise é um fator de risco para a América Latina, segundo avaliação divulgada pelo Fundo Monetário Internacional (FMI). A região é vulnerável a um crescimento chinês menor que o previsto, a novas baixas dos preços das commodities "e a uma deterioração ainda maior da situação do Brasil", comentou o diretor do Departamento de Hemisfério Ocidental do FMI, Alejandro Werner. O menor dinamismo da China afeta os países mais dependentes da exportação de matérias-primas. Apesar disso, o desempenho dessas economias é geralmente melhor que o da brasileira.
Além de travar o crescimento na vizinhança, o maior país sul-americano continua prejudicando os números globais da região. Sem Brasil, Argentina, Equador e Venezuela, o Produto Interno Bruto (PIB) da América do Sul teria crescido 2,9% no ano passado e poderia crescer 2,6% neste ano. As estatísticas ficam bem mais feias com a inclusão dos quatro países, com resultado negativo de 1,4% em 2015 e perspectiva de contração de 2% em 2016. O contraste é também visível em outros detalhes.
Vizinhos crescem
O cenário mundial piorou desde janeiro e as previsões para a América Latina também se reduziram. Mas a maior parte dos latino-americanos continua em crescimento, embora mais moderado. Com crescimento previsto de 2,4%, o México, juntamente com os países da América Central, acompanha a recuperação dos Estados Unidos. Na América do Sul, a maioria dos exportadores de commodities tem conseguido se ajustar à nova situação.
No Chile e no Peru, houve folga suficiente para políticas contracíclicas e as taxas de expansão projetadas para cada um são 1,5% e 3,7%. Na Colômbia, foi necessário um aperto para ajustar as contas externas, mas a expansão se mantém e está estimada em 2,5%. Todos esses países foram afetados pela mudança das condições externas, com redução dos preços de seus produtos de exportação.
Nas economias em recessão, no entanto, a contração se explica, principalmente, por fatores internos, segundo Alejandro Werner. Mesmo entre esses países há diferenças importantes e também nesse quadro o Brasil aparece mal.
Argentina
Empenhado em eliminar os desarranjos produzidos no tempo dos Kirchners, o novo governo argentino mudou o rumo da política. Entendeu-se com os credores ainda fora dos acordos de pagamentos (os holdouts), removeu controles do câmbio, eliminou impostos sobre as exportações, aumentou tarifas e começou a corrigir preços distorcidos. O PIB deve diminuir 1% neste ano e crescer 2,8% em 2017, retomando a trajetória de alta.
O Equador, com retração prevista de 4,5%, sofre os efeitos da depreciação do petróleo e da valorização do dólar. Como sua economia é dolarizada, exportações encarecem e, ao mesmo tempo, as importações ficam mais baratas. O ajuste envolverá um maior aperto fiscal e isso prolongará a recessão iniciada no ano passado. Para 2016, está estimada um contração de 4,5%.
A Venezuela continuará em recessão profunda. O PIB diminuiu 5,7% no ano passado, deve diminuir mais 8% neste ano e poderá encolher mais 4,5% em 2017. A baixa do preço do petróleo certamente afetou o país, mas foi apenas mais um problema já cheio de dificuldades. Não se cuidou das distorções políticas nem dos desajustes fiscais, como se lembra no relatório de Alejandro Werner. A inflação deve ultrapassar 700%, "alimentada pelo dinheiro emitido para cobrir o déficit fiscal, por um aumento na taxa de câmbio paralela e pela escassez de produtos básicos".
'Desacertos'
O maior membro do clube é o Brasil, metido em "uma das mais fundas recessões de sua história". Segundo o texto, a contração é "causada por uma combinação de desacertos nas políticas, fragilidades macroeconômicas e problemas políticos".
A deterioração das contas públicas e o aumento da dívida "influíram fortemente no colapso da confiança no País", acrescenta o relatório. "As perspectivas começarão a ser mais promissoras somente quando essas incertezas forem resolvidas e as questões fiscais forem abordadas", completou Werner.
Como outros funcionários do FMI, o diretor do Departamento do Hemisfério Ocidental evitou discutir em detalhe as formas de eliminação das incertezas e de recomposição da confiança.
O economista Krishna Srinivasan, da equipe de Alejandro Werner, teve o mesmo cuidado. Negou-se a falar sobre a política interna do Brasil, mas indicou sumariamente, respondendo a uma pergunta, a agenda recomendável para quem estiver no governo depois de resolvida a crise atual. É a mesma de antes - cuidar dos ajustes, promover reformas e investir na infraestrutura.
Enquanto isso, em Brasília, deputados permaneciam no Congresso Nacional, fato raro numa sexta-feira, discutindo um processo de impedimento baseado em alguns daqueles "desacertos" - as pedaladas fiscais atribuídas à presidente da República.