Após seguidos anos de bonança nas gestões petistas, o setor de construção, enfim, ruiu aos escândalos da “Lava Jato” e às crises política e econômica pelas quais atravessa o país. Líderes de investimento da União até recentemente, as construtoras e empreiteiras foram excluídas do rol dos principais destinos de verba federal e amargam, até agora, um corte de quase R$ 10 bilhões se comparados aos R$ 18,3 bilhões recebidos durante o ano passado.
Levantamento realizado pelo Hoje em Dia através do Portal da Transparência revela a concretização do cenário alardeado pelo setor há quase um ano. Pela primeira vez desde 2004 (a página virtual do governo não permite consultas antes desse ano), a construção recebe menos de 7% dos gastos diretos da União. No ano passado, as empresas já haviam atingido um marco negativo: ficaram com menos de 8% (confira no infográfico).
“Nas gestões petistas, tivemos uma política voltada ao consumo, taxa de juros subsidiada pelo governo, por bancos públicos, algumas privatizações acertadas. Acabou crédito do dinheiro público, acabou ciclo positivo. E agora temos que trabalhar com pés no chão”, resume o vice-presidente da Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração, Eurimilson João Daniel.
Fim da hegemonia?
Entre os anos 2009 e 2012, uma construtora foi a responsável pela maior quantia de investimento direto do governo federal – posição ocupada uma oportunidade pela Odebrecht e três vezes pela Delta, envolvida nos escândalos do Caso Cachoeira, em 2012.
Sempre presente entre as três primeiras posições desde 2006, quando a escalada de investimentos no setor de construção ganhou força, a construtora mais bem colocada neste ano – Queiroz Galvão – ocupa apenas a 9ª colocação. “Evidentemente o governo está fazendo um esforço para fazer investimento através de concessão, a fim de evitar gastos”, afirma o diretor do Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura, Petrônio Lerche.
Operação “Lava Jato” contribuiu para a derrocada do setor
Além da gravidade das crises política e econômica que atormentam o Brasil, é consenso entre construtores e especialistas o impacto causado pela Operação “Lava Jato”, da Polícia Federal, no setor. Responsáveis pela prisão de diretores das principais empreiteiras do país, as investigações de fraudes na Petrobras criam efeito cascata.
“É uma situação delicada para a Petrobras, preço do papel está despencando, a “Lava Jato” ainda está em andamento, pode explodir mais escândalos, o que tende a atrapalhar ainda mais o governo nos investimentos em infraestrutura”, afirma o professor de Economia do Ibmec Felipe Leroy.
Uma das saídas para driblar a crise já anunciada pelo governo é justamente fazer concessões e parcerias. Nesse caso, a operação da PF, mais uma vez, impacta negativamente, já que as principais construtoras do país estão envolvidas. “O governo tem que fazer parcerias para reduzir o déficit orçamentário, mas o difícil é torná-las atrativas”, analisa o professor do Ibmec.
‘Brasil parado’
O resultado dos fatores citados é dramático para quem trabalha no setor. “A impressão é que o Brasil parou. O mercado está hoje trabalhando 20% a menos do que o projetado”, diz o vice-presidente da Associação Brasileira de Tecnologia para Construção e Mineração, Eurimilson Daniel. Segundo levantamento da entidade, até 2019, estava previsto cerca de R$ 1,2 trilhão de investimentos (incluindo também repasses e gastos de estatais) na área. Do total, no entanto, R$ 810 bilhões estavam destinados a projetos de intenção, impactados pelo atual cenário.
Caged aponta o corte de 406 mil empregos em 12 meses
O setor de construção perdeu, entre agosto do ano passado e o mesmo mês deste ano, 406 mil postos de trabalho. Os números são do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), do governo federal, e foram organizados pelo Sindicato Nacional da Indústria da Construção Pesada-Infraestrutura (Sinicon).
“A maior crise é aí. A construção pesada é uma das primeiras afetadas, depois afeta setores. Se não tem obra, não tem serviços bancários, administrativos. Tem uma cadeia, comércio é um dos últimos a chegar e já está sendo atingido”, diz o diretor do Sinicon, Petrônio Lerche.
“A construção pesada hoje responde por quase 2% dos empregos no Brasil. A civil, cerca de 4%. Juntas, chegam a 6%. E elas foram responsáveis por 406 mil dos 843 mil postos de trabalho extintos entre agosto de 2014 e deste ano”, diz Lerche. Considerado apenas 2015, 191 mil postos foram encerrados no setor de construção, ante 389 mil em todos os setores.
O cenário pouco animador não remete nem mesmo ao início do primeiro Governo Lula. Naquele momento, em 2004, o setor de construção não estava entre os prediletos da União para investimentos diretos. Com R$ 2,2 bilhões, a área ficou atrás de Informação e Comunicação (R$ 2,7 bilhões), Comércio e Reparação de Veículos Automotores e Motocicletas (R$ 3,1 bilhões) e o sempre líder Atividades Financeiras, de Seguros e Serviços Relacionados (R$ 8,1 bilhões). Hoje, o setor se mantém na segunda colocação, mas é pior em outros parâmetros: recebe um percentual menor (6,2% ante 8,2%), tem apenas uma construtora entre as dez empresas que mais ganharam da União.