Entrevista com Otávio Soares Dulci: crescer é uma decisão política

José Antônio Bicalho - Hoje em Dia
13/04/2014 às 08:17.
Atualizado em 18/11/2021 às 02:06

(Frederico Haikal)

O sociólogo Otávio Soares Dulci, professor do Departamento de Relações Internacionais da PUC Minas, estuda a questão do desenvolvimento regional desde os anos 80. No final dos anos 90, publicou um livro fundamental para a história da economia mineira, “Política e Recuperação Econômica em Minas Gerais”, no qual defende que o desenvolvimento industrial do Estado não aconteceu naturalmente por força do mercado, como em São Paulo, mas que foi planificado e induzido politicamente.

“A Cidade Industrial, a Cemig, as siderúrgicas e, até mesmo, a construção de Belo Horizonte fizeram parte desse programa de modernização e industrialização, fruto de um pacto das elites econômicas e políticas”, afirma. Dulci defende a necessidade de o aparelho estatal de Minas (órgãos de planejamento, bancos e empresas) voltar a atuar como indutor do desenvolvimento. “Perdemos essa capacidade e a desaceleração é reflexo disso”, afirma.

O foco do seu estudo é econômico, mas sua formação é Sociologia. Parece-me que esse dado foi importante para as conclusões a que você chegou em seu livro.

Eu estudo as questões do desenvolvimento fazendo um elo entre política e economia. Meu trabalho foi estudar os modelos econômicos implantados e executados nos Estados como projetos políticos, através de seus governos e instituições governamentais, como bancos e estatais. Meu livro cobre basicamente a primeira metade do século 20 e procura investigar como o governo de Minas e suas elites políticas e econômicas desenvolveram a estratégia de expansão da economia, principalmente no rumo industrial, e com isso recuperaram o atraso do Estado.

Era grande o atraso?

Não era enorme, mas estava ficando claro, principalmente em relação a São Paulo. Minas Gerais, na época colonial, era a capitania mais rica do país. Mas, no início do século 20, o ambiente era de decadência. Havia uma preocupação de que a superação se desse por caminhos institucionais e políticos. O primeiro momento desse esforço foi a construção de Belo Horizonte. Foi um projeto político para criar um polo de modernidade num Estado que era visto como atrasado.

E depois da Capital?

Tivemos um marco fundamental, que foi um famoso congresso econômico de 1903, liderado por João Pinheiro (político, empresário e, mais tarde, governador). Os debates duraram uma semana e o tema principal foi a diversificação da economia, da qual se fala até hoje. Vieram representantes das principais cidades, e as propostas eram todas na linha de que era preciso políticas públicas para induzir o desenvolvimento.

Essas propostas saíram do papel?

Mais tarde, João Pinheiro se tornou governador e procurou implantar o projeto. Os governos seguintes, de alguma forma, mantiveram a meta até meados do século. A ideia principal era a de que o Estado precisava sair da monocultura do café. E a visão era a de um modelo de diversificação que atendesse às diversas regiões, que olhasse para a vocação econômica de cada uma delas.

Mas, quando é que Minas se industrializa?

Quando veio a guerra, a economia mundial ficou inteiramente paralisada, e o governo de Minas deu um passo adiante. Pensou num projeto ousado que foi a Cidade Industrial de Contagem. Esse foi um projeto tão importante como marco quanto foi a construção de Belo Horizonte. Um projeto claramente estatal para atrair indústrias com incentivos fiscais, fornecimento de terreno, infraestrutura e energia.

Quando esse modelo de diversificação econômica muda?

O governador Juscelino Kubitschek, ao assumir em 1951, deu uma guinada no modelo de João Pinheiro, da diversificação para a especialização. Ele tinha paixão pela rapidez e, para acelerar o desenvolvimento, apostou num modelo de especialização ligado aos recursos minerais. A ideia dos mineiros a partir dessa época é a seguinte: “vamos usar o nosso diferencial, que está nos minérios, para crescer”.

Esse modelo segue até hoje?

Não. Esse modelo foi acentuado pelo regime militar: a ideia de que Minas Gerais poderia acelerar o seu caminho apostando em setores chaves e deixando o resto pelo que fosse possível. Mas é quebrado no governo Tancredo Neves, que queria imprimir um contraponto ao modelo tecnocrático e planificado do regime militar.

Qual o modelo que se segue?

Desde o fim do governo militar, e até antes dele, o país entra numa crise séria, da dívida externa. E Minas entra numa ciranda grave de desajuste financeiro. Claramente, o Estado deixa de ter a capacidade de fazer política econômica de longo prazo. Nos anos 80 e 90, o Estado conseguia no máximo ter uma agenda de curto prazo, de como iria pagar suas contas. Quase não havia investimento estatal.

Ainda estamos nessa situação?

Nos últimos 10 a 12 anos, o governo conseguiu um certo ajuste interno das finanças, o chamado choque de gestão. Mas que não produziu um resultado mais decisivo de folga para investimentos.

Mas, nós vimos investimentos como na construção do Centro Administrativo... É porque o governo tem outras fontes de receitas, como no caso da participação na exploração de Nióbio, em Araxá, e nas estatais, como Cemig e Copasa, que passaram a ser importantes fornecedoras de dividendos.

A falta de uma participação mais ativa do governo na economia é só uma questão de carência de recursos?

Não. O Estado também tem se pautado mais por uma perspectiva liberal, uma aposta no desenvolvimento pelo mercado, com o Estado numa posição apenas suplementar. Hoje, a iniciativa privada é quem puxa o desenvolvimento, sendo que no período anterior o governo é quem puxava a iniciativa privada.

Quais exemplos?

A Fiat, que foi puxada por um esforço político. Outro exemplo interessante é o da Mannesmann, que queria ir para o Rio, sendo que Vargas e JK convenceram a empresa a trazer a fábrica para Minas.

Esse papel de indutor do desenvolvimento ainda cabe ao Estado nos dias de hoje?

Pernambuco, que hoje é elogiado, foi nesse caminho. Atraindo empresas ou gerando empresas para atender ao grande desenvolvimento social que o Nordeste experimentou. O governo viu isso e apoiou a implantação de fábricas dos chamados bens-salário, que são os produtos simples de consumo.

Porque isso não aconteceu em Minas?

As elites políticas e econômicas de Minas não são muito ligadas a essa meta e não deram valor a essa possibilidade. Estavam de olho em outros tipos de empreendimentos, maiores. As indústrias desse perfil acabaram se desenvolvendo em Goiás, por exemplo. Goiás se desenvolveu com carnes, óleos e toda a cadeia da agroindústria.

Mas, esse desenvolvimento de Goiás não se deve à guerra fiscal?

É claro que eles entraram na guerra fiscal de maneira forte, mas Goiás também apostou muito num certo tipo de empreendimento, que é ligado mais a um tipo de consumo popular. Hoje eles tem até montadoras de automóveis, mas o projeto goiano era agroindustrial. Que é uma coisa que Minas poderia ter mais forte.

Por que a diversificação da economia não sai do discurso?

Hoje é mais discurso, mas precisa ser meta.

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