Ao valer-se da "contabilidade criativa", o resultado primário das contas públicas brasileiras foi "esvaziado" e não mais reflete o quanto a política fiscal tem ajudado no crescimento da economia, constatou a consultora Teresa Ter-Minassian, ex-diretora da área Fiscal do Fundo Monetário Internacional (FMI).
Dizendo-se "desanimada" com os rumos da economia brasileira, Teresa - que na década de 90 chefiou as negociações dos programas de ajuda financeira do FMI ao Brasil - avalia que a falta de noção exata sobre a frouxidão fiscal e de "sinais claros do governo" vai se somar a problemas que já estão no horizonte: a desaceleração da China e a incerteza sobre a expansão da atividade nos Estados Unidos.
"O significado do resultado primário, como indicador do quanto a política fiscal expansionista impulsiona o crescimento, está se perdendo", afirmou ao jornal O Estado de S. Paulo. "Na minha opinião, teria sido melhor o governo dizer: estamos em uma situação de queda na demanda agregada; o ritmo de aumento da arrecadação é menor; por isso, vamos diminuir a meta de resultado primário. Essa seria uma abordagem razoável, não a de fazer uso da contabilidade criativa", completou Teresa.
A economista considera que há uma preocupação do governo com a política fiscal. Mas sugere ter havido erros de estratégia. Diante da redução do ritmo de crescimento da arrecadação, o governo preferiu não mexer na meta de superávit primário, de 3,1% do PIB, e valeu-se de recursos "criativos" para cumpri-la. Ao mesmo tempo, o Tesouro Nacional afrouxou os compromissos fiscais de Estados e municípios e minou sua própria capacidade de cobrá-los.
Em artigo para o blog econômico Vox-Lacea, Teresa esmiuçou cada um dos três grupos de recursos criativos usados pelo Tesouro no cálculo do resultado primário. Primeiro, as estatais Petrobras e Eletrobras foram excluídas da definição de setor público. Os investimentos públicos do Programa de Aceleração do Crescimento e benefícios fiscais foram igualmente excluídos do cálculo.
O segundo grupo diz respeito à antecipação de dividendos de empresas e bancos federais e de vendas de direitos de exploração de petróleo do pré-sal nos cálculos. Os restos a pagar - despesas não pagas pelo governo no ano fiscal devido - foram limados das contas. No terceiro estão os empréstimos concedidos pelo Tesouro Nacional ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e à Caixa Econômica Federal desde 2009, como meio de impulsionar o consumo e os investimentos. Esses empréstimos não foram considerados no cálculo.
Teresa alerta que os incentivos de ordem fiscal concedidos como meio de expandir a atividade econômica, além de omitidos nas contas, não provocaram a reação esperada. Para ela, houve outro erro de avaliação: os gargalos na infraestrutura e no mercado de trabalho continuam a criar incertezas e perda de competitividade, mas não foram atacados pelo governo.
Manifestações
Por mais legítimas que sejam as manifestações em dezenas de cidades, esse fenômeno não ajuda a economia brasileira no momento em que "os investimentos não estão arrancado", que não há política regulatória "firme e estável" e que o governo continua dando sinais diferentes ao empresariado, adverte a ex-diretora do FMI. Para Teresa, os protestos agravam o cenário econômico do País. Tudo ainda pode piorar se o governo optar pelo aumento da repressão.
"Os investidores na economia real não têm sinais claros do governo. Hoje há isenções, amanhã não. A taxa de juros básica cai hoje e amanhã sobe. As taxas de retorno das concessões públicas caem e, quando os investimentos não chegam, aumentam. Infelizmente, com os protestos, vai ser pior. Quem vai investir no Brasil?" As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
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