Exposição à radiação por microondas coloca em risco bebês e crianças

Aline Louise - Hoje em Dia
15/06/2015 às 06:30.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:28

(Eugênio Moraes)

Mesmo antes de aprender a falar, a pequena Gabriela, hoje com 5 anos, já se entendia bem com a tecnologia. “Ainda bebê, quando pegou pela primeira vez um celular mais antigo, ela passou o dedo achando que era touch screen”, conta a mãe Cristiane Kelli Cassimiro Teles.

Grávida de sete meses, Cristiane tem costume de colocar o celular sobre a barriga para a filha Vitória ouvir música. A atitude, para ela inofensiva, pode representar riscos para a saúde do bebê e de crianças.

Estudos internacionais publicados no Journal of Microscopy and Ultrastructure, da Elsevier – a maior editora de literatura médica e científica do mundo –, mostram que as crianças absorvem duas vezes mais que os adultos a radiação por micro-ondas (MWR), presente em aparelhos sem fio.

A MWR foi declarada como possível agente desencadeadora de câncer pela International Agency for Research on Cancer (IARC) da Organização Mundial de Saúde (OMS).

De acordo com o artigo, a radiação é mais incorporada pelas crianças porque os tecidos cerebrais delas são mais porosos, os ossos da cabeça mais finos e o tamanho relativo, menor.

O documento indica, ainda, que grávidas não devem se expor à radiação por longos períodos e mães e pais devem evitar que filhos brinquem com aparelhos ou tecnologia wireless.

SUSCETÍVEL

Quanto mais nova a criança, maior o risco. O feto é particularmente vulnerável. “Se existe a possibilidade de transformação maligna das células, sob influência dessa radiação, no feto a chance é ainda maior”, assinala o oncologista pediátrico Paulo Taufi Maluf Júnior, do Instituto da Criança dos hospitais das Clínicas de São Paulo e Sírio-Libanês.

O médico explica que a ameaça é teórica, já que não existem pesquisas que comprovem a hipótese. “É difícil a comprovação científica, porque envolveria um trabalho de muitos anos, com grande número de casos. Você teria que ter, por exemplo, o acompanhamento de um grupo continuamente exposto a essa radiação e outro nunca. Talvez não cheguemos a ter esse atestado”.

Entretanto, ele lembra que já existem experimentos, com células animais, onde elas claramente se alteram, mediante a radiação. “Teoricamente, a exposição continua às micro-ondas pode, num futuro, causar lesões cancerígenas”.

Sem limites de segurança confiáveis, pais devem evitar que filhos utilizem aparelhos

Cristiane Teles limita o uso dos eletrônicos pela filha pequena. Ao todo, ela brinca cerca de 40 minutos a uma hora por dia, principalmente com o celular dos pais. “Te confesso que o aparelho é uma babá. Quando ela está mais enjoadinha, a gente acaba cedendo, às vezes até oferecendo”.

Mas o oncologista pediátrico Paulo Taufi alerta: não há limites seguros para que as crianças usem essas tecnologias. E como elas não necessitam manusear esses aparelhos, o médico recomenda que sejam poupadas de equipamentos com recurso wireless.

De letra

Gabriela já consegue acessar os desenhos que gosta na internet sozinha, mesmo sem saber ler, só usando a busca por voz. A mãe monitora o conteúdo que ela acessa, mas nunca tinha parado para pensar que o aparelho por si só poderia representar um risco.

O médico defende que os fabricantes deveriam trazer alertas dos potenciais prejuízos à saúde nas embalagens, como já acontece em alguns países.

Na Bélgica, por exemplo, não há propaganda de celulares durante a programação infantil de TV e pede-se aos pais que não deixem crianças abaixo de 7 anos manusear os dispositivos. Na França, a veiculação de publicidade de celulares para crianças menores de 13 anos é ilegal.

Na Austrália, são distribuídos folhetos explicativos que aconselham parcimônia no uso de celulares para todos, com destaque especial aos danos potenciais às crianças.

Pesquisas relacionam surgimento de tumores à precocidade do uso de aparelhos eletrônicos
A auxiliar administrativa Vilma de Jesus Alves não imaginava todos os riscos que um aparelho celular poderia representar à saúde dos filhos quando deu o primeiro, em formato de carrinho, para Pedro, de 9 anos, e Vinícius, de 7.

“Até então, a única preocupação que eu tinha mesmo era com a visão, quando eles ficavam muito próximos dos aparelhos para ver vídeos, mas não sabia do problema da radiação”. Ela também gostaria de ser esclarecida pelos fabricantes.

O pediatra Paulo Taufi lembra que estudos populacionais suecos e coreanos demonstram que adolescentes que iniciaram o uso de celular aos 13 anos tiveram maior incidência de tumores cerebrais. Nos EUA e na Dinamarca, levantamentos apontam que, nas últimas décadas, aumentou o número de casos de tumores cerebrais do tipo glioblastoma multiforme, cuja letalidade é particularmente alta.

Não há como estabelecer relação direta desse fato com o uso de celulares, mas nota-se que o surgimento de mais casos coincide com o advento dessa tecnologia.

SUTIÃ NÃO É BOLSO

Outra pesquisa mostrou que, na avaliação retrospectiva de um grande número de meninas habituadas a guardar celulares dentro de sutiãs, houve quatro casos de câncer de mama em idade mais precoce do que usualmente ocorre.

“De nenhuma dessas pesquisas pode-se concluir que os celulares causam os cânceres, pois não há rigor científico nelas. No entanto, fica o alerta para a necessidade de se investigar melhor essa relação”, destaca o médico.

MAIS CASOS

Taufi ainda argumenta que é inequívoco que a incidência de tumores cresceu nas últimas décadas. “Embora não se saiba se esse aumento aconteceu por força de maiores recursos para se fazer o diagnóstico, isso pode estar relacionado com esse estilo de vida, que engloba o uso mais ostensivo dessas tecnologias, os hábitos e a poluição”, reforça.

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