
Após 9 meses do início das vistorias por parte da Prefeitura de Belo Horizonte (PBH), os hotéis em construção, ou entregues fora do prazo, com os benefícios da Lei 9.952, que aumentou o potencial construtivo em algumas regiões da Capital, ainda não sofreram qualquer penalidade por atraso ou paralisação das obras, como prevê o artigo 12 da lei. As multas atingiram valores exorbitantes e em um dos casos beira R$ 90 milhões.
Em alguns empreendimentos a multa ultrapassa o valor do investimento no próprio hotel, alegam representantes do setor. Eles também informam que a PBH vai propor nova lei à Câmara Municipal reduzindo o valor das multas e mudando a forma de cobrança. A Prefeitura não confirma.
O procurador-geral da PBH, Rúsvel Beltrame Rocha, disse que várias ações na Justiça tentam impedir a cobrança das multas. Ele preferiu não citar as cifras que cabem a cada empreendimento, mas confirma “valores muito altos, próximo de R$ 90 milhões só em um empreendimento”.
Editada para atrair novos hotéis para Belo Horizonte, a Lei 9.952/2010 aumentou excepcionalmente o Coeficiente de Aproveitamento (CA) para construções que atenderiam à demanda por hospedagem para a Copa do Mundo. O CA indica a quantidade máxima de metros quadrados que podem ser construídos em determinado lote e varia por região.
A Lei estabeleceu que os empreendimentos que se aproveitaram do excedente permitido pela legislação deveriam entregar as obras até 28 de fevereiro de 2014 e iniciar o funcionamento das atividades em 30 de março do mesmo ano. O não cumprimento dos prazos acarreta multa equivalente ao CA excedente calculado com base no valor venal do imóvel. Na região Centro-Sul, onde o CA era de 1 e foi para 4,5 em alguns casos, e considerando-se o valor venal do terreno de R$ 7 mil por metro quadrado, a multa pode ser de R$ 7 milhões para cada mil metros quadrados, segundo cálculos da JR & MvS Consultores.
Multa pesada
No Pullman Belvedere, empreendimento da Paranasa, que tem área construída próxima de 9 mil metros quadrados, os cálculos da consultoria apontam multa de R$ 45 milhões considerando-se o CA e o preço do terreno naquela região.
As construtoras que não cumpriram a lei buscam agora na Justiça protelar a aplicação das multas e a PBH estuda mecanismos para reduzir os valores e viabilizar os pagamentos.
“A Prefeitura está negociando diretamente com as construtoras, não há participação de entidades. Mas temos informação de que as multas ficaram impagáveis e agora se estuda formas de se chegar a um valor e parcelamentos razoáveis, e isso só pode ser feito com a aprovação de nova Lei. Caso isso não ocorra vamos assistir o aparecimento de vários esqueletos”, disse o presidente da Câmara do Mercado Imobiliário de Minas Gerais (CMI/Secovi-MG), Otimar Bicalho.
Apesar das notificações terem ocorrido, não houve aplicação de multas porque as construtoras estão interpondo recursos legais para impedir a cobrança. “Como há um prazo legal e amplo direito de defesa, pelo menos em alguns casos a Prefeitura está impedida de multar”, disse o sócio da JR & MvS Consultores, Maarten Van Sluys. Entre as alegações das construtoras na Justiça está a de que os atrasos ocorreram por motivos que elas não controlam, como falta de mão-de-obra e de fornecedores.
Levantamento da JR & MvS revela que apenas 10 hotéis, de um total de 81 aprovados, foram entregues entre 2012 e 2013. Nada menos que 35 foram inviabilizados. Entre estes, aqueles que sequer iniciaram as obras estão livres da multa. São 12 em situação de atraso e 24 entraram em operação neste ano.
Baixa ocupação ameaça sobrevivência dos mais antigos
A Lei 9.952/2010 saturou o mercado hoteleiro de Belo Horizonte e especialistas já dão como certo um processo de fechamento de alguns empreendimentos. A rede hoteleira opera este mês com uma taxa de ocupação de 42% e pelo menos três hotéis estão em vias de fechar as portas.
De acordo com a Associação Brasileira da Indústria de Hotéis em Minas Gerais (ABIH-MG), em dezembro de 2013 o segmento apurou taxa de ocupação de 64%, e o ideal seria de 70%.
“A legislação (Lei 9.952/ 2010) permitia que qualquer um construísse hotel e não houve controle do número de projetos. Somado a isso, o poder público não cumpriu as promessas de entregar novos equipamentos para eventos de grande porte na cidade. Aumentou a oferta e não houve fomento da demanda”, afirmou a presidente da ABIH-MG, Patrícia Coutinho.
A Prefeitura de Belo Horizonte desapropriou um terreno na avenida Cristiano Machado, onde seria erguido um centro de convenções de grande porte, o que não se confirmou. O caso acabou na Justiça com o ex-proprietário do imóvel questionando o valor pago pela Prefeitura, segundo o sócio da JR & MvS Consultores, Maarten Van Sluys.
Outro caso é o da construção do chamado Expominas II, na Gameleira, que ocorreria por meio de Parceria Público-Privada (PPP) encabeçada pelo governo estadual. “Não houve interessados na iniciativa privada. O governo deveria bancar a obra para impedir uma situação ainda pior para a rede hoteleira”, disse Coutinho.
De acordo com ela, três hotéis deverão, em breve, deixar o mercado em Belo Horizonte em função das baixas taxas de ocupação. Apesar disso, a cidade deverá receber mais 15 empreendimentos até o final de 2015. Sobre os hotéis com obras paralisadas, ela disse que uma solução seria mudar o objetivo do empreendimento, já que a Lei 9.952/2010 abrange, além de hotéis, hospitais e centros culturais.
“Não tenho a informação de que eles (hotéis inacabados) vão se transformar em hospitais ou centros culturais, mas esse é um caminho que pode ser seguido caso haja participação do poder público. A cidade tem carência de hospital e de locais de lazer e cultura, mas não de hotéis”, disse a presidente da ABIH-MG.
Nessa mesma linha, o sócio da JR & MvS Consultores, Maarten Van Sluys, acredita que dentro de um ano a um ano e meio a cidade deverá assistir ao fim de alguns hotéis antigos, que não suportarão a concorrência. “São empreendimentos que perderam competitividade, e alguns ainda usam métodos de gestão ultrapassados. Diante do cenário atual é natural que eles não resistam”, afirmou.