A principal forma de endividamento em 2022 foi o cartão de crédito, mesmo que os juros sejam os maiores desde dezembro de 2016 (freepik)
O ano de 2022 ficou para trás deixando na economia familiar um rastro de destruição. O endividamento do brasileiro foi recorde em 11 anos - período em que a Pesquisa de Endividamento e Inadimplência do Consumidor (Peic) começou a ser feita. Quase 80% das famílias fecharam o ano endividadas, o que representa uma alta de sete pontos percentuais em relação a 2021 e de 14,3 comparado com 2019.
Essa explosão de endividados, segundo a Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC), responsável pela pesquisa divulgada na última quinta-feira (19), está diretamente ligada à pandemia da Covid-19, que começou em 2020. Com a necessidade de lockdown, muitas empresas fecharam e empregos foram perdidos, aumentando o estrangulamento financeiro das famílias.
O alto comprometimento da renda afeta principalmente mulheres, com menos de 35 anos e Ensino Médio incompleto, moradoras das regiões Sul ou Sudeste, cuja família recebe até dez salários mínimos.
A moradora de Belo Horizonte Fernanda Souza, de 28 anos, engrossa essa lista. Ela conta que o maior problema é o cartão de crédito. “A gente entra sem ver e depois passa aperto. Vai juntando uma dívida com a outra e depois tem que ficar arrumando um jeito para pagar tudo”, diz a dona de casa.
Na lista das contas a pagar de Fernanda estão roupas, brinquedos e coisas para os filhos. “A gente vai ao shopping, eles veem alguma coisa que querem, fazem pirraça e a gente acaba levando. Depois sofre para pagar”, afirma.
Pandemia
O presidente da CNC, José Roberto Tadros, explica que a pandemia reverteu a tendência de queda no endividamento que era registrada até 2019, especialmente entre os mais pobres. “Os efeitos perversos da pandemia, com o fechamento de negócios e o aumento do número de desempregados, e no pós-pandemia com o avanço da inflação, fez com que as famílias com rendas mais baixas precisassem recorrer ao crédito para manutenção do consumo de primeira necessidade. Enquanto entre as famílias de maior renda a retomada do consumo reprimido levou a maior contratação de dívidas. Esses fatores geraram o aumento no número de endividados em 2022 no país”, afirma Tadros.
Superendividamento
Outro triste recorde revelado pela Peic é o de pessoas superendividadas. Elas representam 17,6% do total de endividados no país - a maior proporção da série histórica. A cada dez famílias com renda mais baixa, duas comprometeram mais da metade da renda mensal para o pagamento das dívidas. Já entre aqueles com maiores salários, o índice cai pela metade, o que sugere que o superendividamento está concentrado entre os mais pobres.
Em média, durante 2022, o brasileiro gastou, a cada R$ 1 mil, R$ 302 em dívidas. No total, 70% das famílias comprometeram pelo menos 10% da renda com essa finalidade. Mais de 1/5 dos endividados tiveram de gastar, no mínimo, metade do salário para pagar dívidas.
“Em mais de dez anos, nunca as pessoas se sentiram tão endividadas e o que a Peic demonstra é que o superendividamento é principalmente um problema para as famílias de baixa renda. Se esse endividamento diz respeito ao custo dos créditos e da inflação, um dos fatores essenciais para resolver isso é ter uma economia brasileira com juros mais civilizados, porque taxa de juros alta é sinônimo de dívidas caras, sempre", afirma o diretor de Economia e Inovação da CNC, Guilherme Mercês.
Para ele, é importante que sejam adotadas medidas que possibilitem uma redução nos juros e na inflação, com uma nova âncora fiscal para a gestão das contas públicas. "Programas de renegociação de endividamento, como os que estão sendo anunciados (pelo governo federal) são fundamentais e estancam as angústias das pessoas e famílias. Mas em termos estruturais, o que vai resolver esse problema é uma taxa de juros mais baixa,” destaca Mercês.