Presidente do Sinaenco sugere planejamento para garantir obras públicas no prazo e evitar mais gasto

Raquel Ramos - Hoje em Dia
Hoje em Dia - Belo Horizonte
Publicado em 20/04/2015 às 06:16.Atualizado em 16/11/2021 às 23:42.
 (Lucas Prates/Hoje em Dia)
(Lucas Prates/Hoje em Dia)

Planejamento. Essa é a palavra-chave que poderia garantir obras públicas entregues no prazo, evitar crises hídricas semelhante a que Minas Gerais enfrenta e até mesmo preparar o Brasil para voltar a crescer, tão logo o atual momento de recessão seja superado. A avaliação é de Flávio Krollmann, presidente do Sindicato Nacional das Empresas de Arquitetura e Engenharia Consultiva de Minas Gerais (Sinaenco-MG).

Formado em engenharia civil, engenharia de produção civil e administração de empresas, ele afirma que o planejamento – etapa que representa cerca de 2% do valor investido em uma obra – é ignorado pelo poder público. “É uma economia porca. Um planejamento mal feito implica em retrabalho e em mais gastos”. As consequências não param aí. Segundo Krollmann, a falta de planejamento também abre brechas para a corrupção.

Acabamos de sair de um período em que o poder público investiu pesado em empreendimentos de grande porte em função da Copa do Mundo. No entanto, algumas obras foram entregues inacabadas e outras sequer saíram do papel. Onde está o erro?
Em 2007, ao saber que seria sede da Copa, o Brasil deveria começar a planejar o evento. Quatro anos depois, ao perceber que nada tinha saído do papel, criaram uma solução: o Regime Diferenciado de Contratação (RDC), que permite a licitação de um empreendimento apenas com um anteprojeto, ou seja, um mero esboço da obra, algo muito superficial. O objetivo era agilizar todo processo de contratação. No entanto, como os contratos foram feitos com base em esboços, foram necessárias várias adequações durante a execução das obras. De repente, o governo se viu com várias obras travadas, e ainda bem mais caras do que estavam prevendo.

Há falhas nesse modelo de contratação?
O RDC dispensa o projeto executivo, que é instrumento único para se obter obras de qualidade. O projeto executivo traz todas as orientações e elementos da construção. Mas com esse novo modelo de contratação, cabe à empresa a responsabilidade de fazer o projeto básico, projeto executivo e, depois, a construção. O RDC também determina, com poucas exceções, que não haja aditivos na obra. Ou seja, embora o processo seja mais rápido, o governo lança a licitação sem saber exatamente o que está comprando e a empresa não sabe precificar quanto será necessário injetar no empreendimento. O RDC cria uma insegurança que pode gerar um esvaziamento do processo, como ocorreu na BR 381 (a licitação para dois lotes da duplicação foi fracassada), pelo nível de risco. Ou então, o preço será elevado porque a empresa vai querer se garantir.

De alguma forma, esse modelo abre brecha para desvio de dinheiro ou superfaturamento?
Essa deficiência de informações alimenta a corrupção. Sem os devidos dados, cria-se um cenário para se ter sobrepreços, para ter incertezas; é terreno fértil para a corrupção, para lucrar mais. Um processo licitado sem o devido projeto cria essa falta de transparência com o dinheiro público.

Que outras medidas podem evitar isso?
É preciso mudar as políticas públicas, para que sejam políticas de longo prazo. Não adianta pensar em obra apenas para um mandato, pensando que haverá tempo hábil para fazer um bom planejamento e uma boa obra. Além disso, é preciso fazer a contratação do gerenciamento e fiscalização do empreendimento. O gerenciamento acompanha o cronograma, e a fiscalização verifica se o projeto executivo está sendo seguido.

Esses serviços são falhos nas obras públicas?
Sim, muitas obras são contratadas sem que haja qualquer fiscalização. Em outros casos, a fiscalização é primarizada pelo agente público, ou seja, usam recursos e profissionais próprios para o serviço. O problema é que muitos órgãos públicos não contam com número de profissionais para determinada obra, ou não têm servidores com a devida formação. Não há condição do serviço ser bem feito nessas situações.

O poder público dá algum indicativo de mudança nessa área?
Sim. Diante dos atrasos ocorridos na Copa do Mundo e dos recentes casos de corrupção, alguns agentes públicos já profetizam a importância do projeto executivo. O próprio Eduardo Cunha (presidente da Câmara dos Deputados) falou recentemente que enquanto obras forem contratadas sem o respectivo projeto executivo, continuará existindo corrupção no Brasil. E em função de alguns acidentes que ocorreram, cada vez fica mais evidente a necessidade de ter uma fiscalização.

Quais regimes de contratação de projeto os países mais desenvolvidos adotam e que também poderiam ser utilizados no Brasil?
O melhor modelo é aquele em que prevalece a qualidade, a experiência e a competência, como ocorre na licitação do tipo técnica e preço. Existem fórmulas, reconhecidas e aceitas pelos tribunais de contas e pelos órgãos de controle, para se avaliar os pesos que serão dados para cada um desses itens: experiência, capacidade da empresa, competência dos profissionais e preço. É a fórmula utilizada lá fora, nos países de primeiro mundo.

Hoje, Minas Gerais enfrenta uma crise hídrica e há temor de um colapso energético. Esses problemas poderiam ter sido evitados?
Com certeza. Mais uma vez, fica claro que o Brasil não faz o planejamento. Crescimento populacional pode ser previsto, assim como crescimento de consumo e até condições climáticas. Podemos prever até as catástrofes. Tanto que prédios no Japão são projetados para terremotos muito maiores do que já ocorreram e pontes são feitas para suportar ventos que ainda não ocorreram. O Brasil deveria transformar as projeções em planejamento, e planejamento em ações. É claro que acontecerão atropelos e que haverá mudanças, mas a engenharia é feita para isso: para suportar todas as adversidades e intempéries que existem. Não se pode julgar ou definir que a crise elétrica e hídrica de hoje seja somente pela escassez de chuva dos últimos anos. Essa é uma tragédia anunciada lá atrás. Graças às condições da década passada, o Brasil passou por um momento de crescimento econômico, com uma visível ausência de investimento na área elétrica. Estava na cara que ia ter um colapso no futuro.

A que tipos de investimentos o senhor se refere?
Construção de reservatórios, de barragens, ou de novas formas de eletricidade. Temos várias plantas de usinas eólicas no Nordeste, já construídas, mas sem linha de transmissão para escoamento. São coisas que, infelizmente, só ocorrem no Brasil. Além disso, temos que ver a forma como nossos rios são tratados hoje: os leitos dos rios estão degradados, nascentes são usurpadas, e ninguém faz nada. É um caos.

Além dessa crise, temos também uma crise econômica no país. Como esse momento de recessão tem afetado o setor de arquitetura e engenharia?
Contabilizamos 6 mil demissões em Minas, apenas em novembro e dezembro de 2014. A engenharia consultiva e a arquitetura são atividades multidisciplinares. Ou seja, atuam em vários segmentos e sofrem interferência da situação de cada área. Hoje, como a crise é geral, o setor acompanha esse momento de adversidade. Para mim, é a maior crise que a engenharia enfrenta nos últimos 20 ou 25 anos.

É possível vislumbra algum sinal de melhora?
Há muitos aspectos envolvidos mas, como empresário, entendo que 2015 será um ano muito difícil, assim como 2016. Deve haver um retorno do crescimento em 2017, e crescimento pleno em 2018. É um chute, mas sabemos que a economia é cíclica. Bem ou mal, há uma lei de Deus que é maior que a lei dos homens. Um dia alguém terá que voltar a comprar, a construir. Faz parte.

Como agir nesse momento de recessão?
Essa é a hora certa de planejar, de contratar o projeto executivo para que o país chegue em 2018 pronto para crescer. Esse é o momento em que os agentes públicos deveriam estar se preparando para a retomada. Há pouco dinheiro no caixa, mas essa é uma etapa mais barata. É um investimento possível de ser feito para que, quando a economia melhorar, estejamos prontos para contratar as obras.
 

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