Primeiro arranha-céu do país, o Edifício A Noite, na Praça Mauá, centro do Rio, inaugurado em 1929, foi tombado nesta quarta-feira pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). Marco arquitetônico simbólico por ter abrigado o Jornal A Noite e a Rádio Nacional, o prédio era preservado apenas por decreto municipal, de 2000.
"Os conselheiros consideram tanto o valor histórico quanto o que chamamos de belas artes. São dois livros de tombo, e a opinião foi pelas duas inscrições", disse a presidente do Iphan, Jurema Machado. Ela destacou o papel inaugural do edifício, que demarcou um momento de grande transformação da cidade, com técnicas de construção e estilo inovadores para o início do século 20. "É um marco na construção em concreto armado no Brasil. Essa associação entre arte e técnica é a principal característica desse início da arquitetura moderna, que podia-se chamar de proto - moderno, entre o ecletismo e o modernismo", acrescentou a arquiteta.
Com 22 andares e 102 metros de altura, o prédio foi erguido numa época em que predominavam sobrados. As construções da então Avenida Central, atual Rio Branco, chegavam a no máximo oito pavimentos. Simbolizou, portanto, o início do processo de verticalização da cidade.
O Edifício A Noite ocupou o espaço do antigo Liceu Literário Português. Tanto as fachadas como áreas internas revelam influências do estilo art déco. No terraço, parcialmente sombreado por pérgulas, havia restaurantes e um mirante com vista privilegiada da cidade. Na época era possível apreciar toda a paisagem da então despoluída Baía da Guanabara.
O projeto é do mesmo autor do Copacabana Palace e do Palácio Laranjeiras, o francês Joseph Gire, em parceria com o arquiteto brasileiro Elisário da Cunha Bahiana. Na reunião do conselho, foi muito destacado o papel do engenheiro Emilio Baumgart, nascido em Santa Catarina e filho de alemães, responsável pelo cálculo estrutural da obra.
Urbanistas ressaltam a importância da construção para se chegar a soluções técnicas até então inéditas na cidade, como por exemplo levar água até os últimos andares. Foi tão determinante que influenciou o Código de Obras. O edifício resistiu à especulação imobiliária que mudou a feição da Rio Branco ao longo do século, mas não escapou da deterioração. Esse processo foi influenciado pela decadência da região portuária, a partir dos anos 1970.
O prédio está coberto há quase um ano por andaimes e telas de proteção, para evitar que rebocos da fachada caiam nos pedestres. A reforma, porém, ainda não começou. No interior, a situação também é precária. Antes de deixarem o prédio, no fim do ano passado, funcionários da Empresa Brasil de Comunicação (EBC) haviam denunciado ao Sindicato dos Jornalistas que trabalhavam em "condições insalubres", com falta d'água constante, gotejamento de esgoto no banheiro, infiltrações e com a escada de emergência interditada por falta de segurança. A maior parte do prédio era ocupada pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial (Inpi), que coordena a reforma, ainda sem data para ocorrer.
A presidente do Iphan disse que o tombamento poderá facilitar o acesso a recursos para as obras por meio de leis de incentivo. "Estamos em um momento de mudanças na região da Praça Mauá, com a construção do Museu do Amanhã e a recente inauguração do Museu de Arte do Rio. O espaço da Rádio Nacional poderia voltar a funcionar como auditório", disse Jurema. A reforma será supervisionada pelo Iphan. "O tombamento aumenta a responsabilidade do poder público."