A pena afiada do ‘Boca do Inferno’

Pedro Artur - Hoje em Dia
Publicado em 26/10/2014 às 10:37.Atualizado em 18/11/2021 às 04:47.

O Brasil Colônia engatinhava, pouco mais de 100 anos da presença portuguesa. Ainda assim floresceu entre nós uma poesia satírica e lírica dentro dos melhores padrões do século 17 de países da civilizada Europa. E o responsável por isso atende pelo nome Gregório de Matos e Guerra (1636-1696).

“Ela (a poesia atribuída a ele) teria antes de tudo importância histórica e uma evidência de um conjunto de práticas e hábitos de produção cultural lá no século 17 na Bahia. De valor histórico de informação e muito boa poesia, do padrão da poesia espanhola, francesa, inglesa, italiana e portuguesa”, é o que afiança o professor de literatura brasileira na USP, João Adolfo Hansen. Ele é um dos organizadores, ao lado do também professor Marcello Moreira, da coleção “Gregório de Matos: Poemas Atribuídos – Códice Asensio-Cunha”, lançamento da Autêntica Editora em cinco volumes.

Os poemas, todos atribuídos a Gregório de Matos e Guerra, eram feitos para serem cantados. Bem antes da viola dos mestres Caymmi, Caetano e Gil. Explica o professor Hansen: “Muitos foram feitos para cantar, há um gênero chamado ‘romance’. Encontra-se esse nome ‘tonilho’, uma palavra espanhola aportuguesada (que significa) tom pequeno. Feitos para cantar em voz alta, provavelmente acompanhados por violas.

Agora, passados mais de 300 anos, perderam-se as músicas”, diz o professor, lembrando que, naquela época, a comunicação oral era a mais cultivada por conta do analfabetismo de grande parte da população (composta por escravos, índios, mestiços) – apenas os padres, funcionários da burocracia do palácio do governador eram letrados.

Polemista?

Conhecido pelo sugestivo apelido “Boca do Inferno”, reza a lenda que Gregório de Matos se envolvia em polêmicas com as autoridades baianas da época. Do governador às figuras eclesiásticas. Hansen – que trabalhou, para a organização dessa obra dois anos ininterruptos, numa espécie de continuidade do doutorado, em 1988 – põe o pé no freio quanto à essa questão. “Eu não diria que ele era (polêmico), pois é tudo atribuído. O gênero é polêmico, a linguagem é polêmica. Mas não se sabe efetivamente que o poema ‘Do Cura’ foi feito pelo homem Gregório de Matos e Guerra, não sabemos quem foi o homem”, explica o professor. Na sequência, adianta que, no Brasil, somente alguns poucos têm essa pena afiada. “O Stanislaw Ponte Preta, o Millôr Fernandes, o povo do ‘Pasquim’ na época da ditadura, o Angeli”, enumera.

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