Adolescentes e a era dos diários sem cadeado

Elemara Duarte - Hoje em Dia
02/08/2014 às 12:27.
Atualizado em 18/11/2021 às 03:37

(Arquivo Pessoal)

Aquela história de adolescente esconder o diário a qualquer custo e a chavinha do cadeado da capa camuflar em outro lugar mais precioso ainda? É passado. O segredo acabou com os blogs. Prova disso é o estudo no livro “A Escrita Virtual na Adolescência: Uma Leitura Psicanalítica” (Editora UFMG, 573 págs. R$ 70), da psicóloga Nádia Laguárdia de Lima. O lançamento é neste sábado (2), às 11h, na Livraria Quixote (r. Fernandes Tourinho, 274, Savassi). 

A autora é professora do programa de pós-Graduação em Psicologia da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da UFMG. O livro é fruto do doutorado ao qual se dedicou. Na pesquisa, Nádia demonstra o alcance destes diários íntimos do século 21 e também da escrita desenvolvida neles.

Aos quatro ventos

“São as formas atuais de escrita adolescente, ocupando o lugar dos diários íntimos. São escritos de si lançados no espaço público. Essa escrita tem importante função subjetiva nesse momento da vida em que eles estão buscando responder a algumas questões: Como o outro me vê? Quem sou eu? O que quero?”, resume a pesquisadora.

A trajetória até os blogs começou no mestrado, numa pesquisa sobre ciberespaço. Entre tantos blogs, ela focou o estudo nos “teens” – o que mais lhe chamou a atenção, num mundo envolvido com redes sociais até enjoar, é que os blogs continuam com um lugar cativo nas opções dos garotos e garotas – aliás, mais garotas.

“Na minha adolescência ainda não existiam blogs, mas tive diários íntimos como a maioria das adolescentes da época”, lembra. De lá pra cá, o mesmo impulso de desabafar ainda permanece. Porém, se antes abria-se o coração de forma escondida, hoje, é às claras.

E por que botar para fora o que se sente? Que necessidade é essa, com ou sem público? A autora explica que os escritos de si – privados ou públicos – são recursos simbólicos para a abordagem das questões da puberdade.

No entanto, acrescenta, essa escrita no ambiente virtual tem características próprias. “Ela está inserida numa cultura onde a visibilidade é muito importante. Afinal, os limites entre o público e o privado são mais tênues hoje”, salienta a psicóloga

MINIENTREVISTA

“Adolescentes estão despreparados para assumir as consequências de uma grande exposição”

Os diários de adolescentes em papel eram mais inofensivos do que os “diários” virtuais de hoje? Por quê?

Antes os limites entre o público e o privado eram mais claros. Hoje há uma grande exposição da intimidade nas rede sociais. Como a internet é algo muito novo, os adolescentes estão aprendendo com o próprio uso e, por vezes, se sentem totalmente despreparados para assumir as consequências de uma grande exposição pública da intimidade.

Antigamente, se alguém pegasse um diário para ler, “a casa caía”. Hoje, tudo é público. Que fato fez com que houvesse essa ruptura?

Os jovens encontram, na cultura, dispositivos específicos de manifestação e de expressão simbólicas, de subjetivação e de inserção social. Os dois principais motivos para a escrita de um blog, segundo os próprios adolescentes, são: o desejo de falar de si e o desejo de serem lidos. As redes sociais nos mostram como o reconhecimento do outro é importante para autenticar a própria experiência. Estamos vivendo uma época em que a própria experiência só é válida se tiver o olhar e a aprovação do outro. Estamos começando a avaliar os efeitos dessa grande exposição pública.

Quais são as temáticas mais comuns destes blogs?

Esta pesquisa me mostrou que os temas abordados nos blogs de adolescentes são os mesmos dos diários íntimos: amor, família, amizades, sexo e adolescência. No entanto, os objetos de consumo estão assumindo um lugar cada vez mais importante nos escritos dos adolescentes. Existem blogs específicos de adolescentes sobre moda feminina e objetos de consumo.

Quantos blogs pesquisou?

Fiz a pesquisa em quatro momentos. No primeiro deles, investiguei 17 blogs, no segundo, 50 blogs, no terceiro momento, 12 blogs e na última etapa da pesquisa acompanhei um blog de longa duração com três anos e meio. Não fiz uma pesquisa quantitativa, mas qualitativa. Foram blogs brasileiros. Todos os blogs não existem mais.

Há mais blogs de moças ou rapazes? Por quê?

A dificuldade em definir uma identidade propriamente feminina pode explicar o maior interesse das mulheres pela escrita de si, como tentativa de abordar o feminino, de construir um saber possível sobre o que é ser uma mulher.
 

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