Alice no País das Maravilhas completa 150 anos de sucesso entre adultos e crianças

Thais Oliveira - Hoje em Dia
21/06/2015 às 12:57.
Atualizado em 17/11/2021 às 00:34

(Divulgação)

“Juntos naquela tarde dourada deslizávamos em doce vagar, pois eram braços pequenos, ineptos, que iam os remos a manobrar, enquanto mãozinhas fingiam apenas o percurso do barco determinar. Ah, cruéis três! Naquele preguiçar, sob um tempo ameno, estival, implorar uma história, e de tão leve alento que sequer uma pluma pudesse soprar! Mas que pode uma pobre voz contra três línguas a trabalhar?”.

Suponho que, enquanto escrevia tais rimas, o coração de Charles Lutwidge Dodgson, conhecido pelo pseudônimo de Lewis Carroll, palpitava na ânsia de reviver aquele bendito 4 de julho de 1862 eternizado em forma de fábula.O fato ocorreu durante um passeio pelo rio Tâmisa, na cidade inglesa de Oxford, reconhecida pela universidade de mesmo nome. Exatos três anos após o episódio, a “historinha” inventada para satisfazer a vontade de três irmãs veio a ser publicada sob o título “Alice no País das Maravilhas”.

Naquela época, porém, não poderia imaginar Carroll que ceder às súplicas de Edith, Alice e Lorina renderia um clássico – e reconhecimento mundial. Menos ainda a segunda menininha, à época com 10 anos, poderia adivinhar que arrebataria tantas almas ao servir de inspiração para uma das tramas “sem pé nem cabeça” mais significativas do planeta.

Emblemática
Cheio de enigmas não raras vezes indecifráveis e de jogos de palavras, o conto foge a qualquer senso. Não por acaso, Carroll é apontado como um dos precursores do nonsense. Exemplos para justificar o título não faltam.

Logo no começo Alice se vê instigada a seguir um coelho que fala, além de usar relógio e colete. Em seguida, a menina cai numa toca “quilométrica” e chega num mundo fantástico, recheado de criaturas igualmente falantes e estranhas, dando início a uma sucessão de situações surreais.

Para todos
São tantas bizarrices que somente uma criança poderia querer conhecer tal livro, não é mesmo? Ledo engano. Marmanjos são capazes de se deliciar com a história tanto ou mais do que os pequenos.

“O sucesso entre adultos é porque a obra não se esgota na visão domesticada que se faz das crianças. Intriga, surpreende, fornece metáforas e outras imagens para a nossa interpretação do mundo, para além da lógica aparente das normas pelas quais os adultos têm que viver”, afirma a professora da UFMG Myriam Ávila, especialista em literatura nonsense e doutora em literatura comparada.

Imortal
Atemporal, “Alice...”, entende Myriam, é também imortal porque é verdadeira e se tornou companheira na perplexidade, uma garantia de que se pode sobreviver em um mundo maluco como o nosso. “Carroll provou que se pode fazer humor sem apelar para clichês machistas e racistas, argumento que se pode contrapor à queixa atual de que o ‘politicamente correto’ acabou com o humor”, opina a especialista.

‘Pai’ do clássico era, no mínimo, homem controverso

Há um boato de que o autor – que também era matemático, desenhista, fotógrafo e reverendo – tinha verdadeira obsessão por Alice e por meninas da idade dela. Rumor fortalecido pelo fato de ele ter colecionado fotos de garotinhas nuas.

“Acredito que o peso de ser adulto fosse muito esgotante para ele. Conviver com meninos só o faria reviver sua deficiência em competir e agredir. Meninas costumavam ouvi-lo e colocar questões intrigantes para ele, sem os pressupostos comportamentais que lhe eram tão incômodos. À medida que cresciam, iam cada vez mais se pautando por esses pressupostos, passando a compará-lo com o padrão masculino da época. Por isso, sentia-se mais confortável com meninas pré-púberes. Podemos apenas especular a respeito dos seus desejos sexuais, mas toda a sua obra mostra um esforço em ignorar a possibilidade de extravasamento da sexualidade de forma socialmente inaceitável”, defende Myriam.

Casamento
Por outro lado, a professora lembra que alguns biógrafos sustentam a intenção de Carroll em se casar com Alice, anos após a criação da narrativa. “Na época, o casamento de um quarentão com uma adolescente não era anormal (...). Mas não teria sido bem visto pelos pais da garota devido à sua posição social inferior”, diz Myriam.

Dúvidas à parte, não se pode ignorar o legado de Carroll. Ele segue a influenciar formas de arte e a desencadear estudos diversos mesmo após 150 anos.
 


Produção literária

Companhia das Letrinhas, 1999: a proposta da versão, que foi traduzida e adaptada por Ruy Castro e desenhada por Laura Beatriz, foi a de “devolver” “Alice” às crianças.

Editora Martins Fontes, 2002: o autor britânico Tony Ross condensou os dois clássicos de Carroll, “Alice no País das Maravilhas” e “Através do Espelho”.

Editora Objetiva, 2008: o clássico de Lewis Carroll numa tradução moderna do cineasta e escritor Jorge Furtado em parceria com a tradutora Liziane Kugland

Editoria Cosac Naify, 2009: a obra conta com ilustrações do artista plástico brasileiro Luiz Zerbini, que criou cenários feitos de cartas de baralho das quais saltam os personagens, por meio de recortes.
 
Série Reencontro, 2010: adaptação em português, com linguagem acessível para o público infantil. O texto inteiro foi escrito em rimas e as ilustrações são de massinha.

Editora Globo, 2014: a edição traz ilustrações com bolinhas de Yayoi Kusama, pioneira da pop art e do minimalismo no século 20.

Editora Zahar, 2013: novo formato da edição comentada e ilustrada, que reúne “Alice no País das Maravilhas” e “Através do Espelho”.


Produção cinematográfica

Alice no País das Maravilhas (1903), de direção de Cecil Hepworth e Percy Stow: essa foi a primeira adaptação do livro feita para o cinema. O filme é mudo, em preto e branco, mas mostra alguns efeitos especiais como o encolhimento e crescimento de Alice na primeira cena após “sair” da toca do Coelho Branco.

Alice no País das Maravilhas (1931), de direção de Bud Pollard: primeira versão com som da trama que foi feita em homenagem ao centenário de Lewis Carroll.

Alice no País das Maravilhas (1951), de direção de Clyde Geronimi, Wilfred Jackson e Hamilton Luske: adaptação da obra de Carroll produzida pela Walt Disney Animation Studios. Na época o longa não fez tanto sucesso como o esperado.

Alice no País das Maravilhas (1988), de direção Rich Trueblood: é uma animação australiana, que, diferente de muitas outras versões, não usou de elementos contidos em “Através do Espelho”.

Neco Z Alenky (1988), de direção Jan Švankmajer: é um filme checo surrealista realizado por Jan Svankmajer, que combina ação real com animação stop motion. Ao contrário da maioria das adaptações, aqui, Alice aparece mais sombria e triste.
 
Alice no País das Maravilhas (1999), de direção Nick Willing: filme produzido para a TV, transmitido pela NBC. O longa conquistou quatro prêmios Emmy e teve atores como Ben Kingsley, Whoopi Goldberg, Gene Wilder e Miranda Richardson.

Alice no País das Maravilhas (2010), de direção de Tim Burton: adaptação do cineasta Tim Burton, da Disney, traz uma Alice mais crescida que volta anos depois ao País das Maravilhas. No elenco, está Johnny Depp, como o Chapeleiro Maluco, e Mia Wasikowska, que estreia no papel de Alice.

 

Fique por dentro!

Em comemoração aos 150 anos de “Alice no País das Maravilhas”, no próximo 4 de julho, será realizada a 4ª edição do Carrollsday. Idealizadora do projeto, a artista plástica Beatriz Mom conta que a proposta surgiu em 2010, com o objetivo de tirar o foco da criatura para colocá-lo no criador.
 
“Carroll era um lógico, mas a obra dele é totalmente sem lógica, sem senso. Acredito que ele quis ir exatamente para o aposto do que ele era e que a sua obra se consagrou justamente por ser permeada pelo sem sentido, pois isso instiga as pessoas”, afirma Beatriz.
 
Programação
Carrollsday 2015 – Especial 150 anos Alice no País das Maravilhas. Dia 4 de julho, das 10h às 18h, no Memorial Minas Gerais Vale (Praça da Liberdade, bairro Funcionários). Entrada franca

10 às 18h
EDIÇÕES ESPECIAIS DE ALICE [Organização de Diná Araújo - Exposição de livros e outras publicações - Local: Sala de Leitura]

ALICES ILUSTRADAS [Projeção de Alices de 150 ilustradores - Seleção de Adriana Peliano e trilha sonora e edição de Paulo Beto]
MOMTABULEIRO [Instalação de Beatriz Mom convidando o público a participar de uma partida de xadrez absolutamente sem lógica]

ALICE NO CINEMA [Seleção de Cristiane Lage - Filmes inspirados no livro Alice no país das maravilhas - Local: Midiateca]
 
10h30
CHÁ COM ALICE: UMA VIAGEM PELO MUNDO IMAGINÁRIO [Leitura e oficina de ilustração com Érica Lima e Louise Goodman - Local: Sala do Educativo]
 
11 às 17h
UM CHÁ MUITO LOUCO [Shima convida Agnes Farkasvolgyi, Christina Fornaciari, Grupo Indigestão, Julia Panadés, Rafael Bandeira e Sylvia Amélia]
 
14h
ALICE NO PAÍS DAS MARAVILHAS - EDIÇÃO COMEMORATIVA 150 ANOS [Lançamento oficial da edição comemorativa da Editora Zahar com ação surpresa da ilustradora do livro, Adriana Peliano - Local: Cyber]
 
16h
GRAND SLAM DE POESIA QUEM É VOCÊ? [Coordenação de Mariana Lage e apresentação de Guilherme Morais - Local: Casa da Ópera - Não precisa inscrição prévia]


Assista ao trailer do filme de direção de Tim Burton, lançado em 2010 e inspirado no livro "Alice no País das Maravilhas":

 

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