ALÔ, ALÔ, BRASIL

Paulo Henrique Silva - Hoje em Dia
Publicado em 28/06/2014 às 07:07.Atualizado em 18/11/2021 às 03:10.
 (CARLOS RHIENCK)
(CARLOS RHIENCK)
Quando foram lançados, em 1972, os terminais de uso público (TUP), popularmente conhecidos como “orelhões”, ganharam imediatamente a simpatia do brasileiro, transformando-se em um símbolo do país, personagem de vários programas humorísticos como “A Praça é Nossa” e “Viva o Gordo”, em que o Zé da Galera aconselha ao técnico da Seleção Brasileira na Copa do Mundo de 1982 para “botar ponta” na equipe.
 
É nesse mesmo cenário de celebração futebolística, com a realização da Copa no Brasil, que os aparelhos de rua recebem novamente a atenção da população, desta vez não por sua funcionalidade (ficaram obsoletos após a chegada da telefonia móvel), mas pelo seu visual. São dez unidades coloridas espalhadas por diversos pontos de Belo Horizonte que tematizam um dos maiores eventos esportivos do mundo.
 
“Crias” dos alunos da Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia do Oi Futuro, que funciona no prédio da Plug Minas, no Horto, reunindo jovens das regiões periféricas da cidade, os orelhões estilizados têm outros objetivos além de comemorar a realização dos jogos na capital mineira. Entre eles, o de provocar o diálogo dos artistas com espaços urbanos que eram pouco frequentados pelos artistas.
 
“Eles ficavam mais circunscritos às regiões de origem, muitos nem mesmo andando de ônibus. O trabalho é uma forma de fazê-los circular pela cidade. Além de levá-los a pensar os espaços públicos como uma maneira de expressão, e não mais como um lugar inacessível. Esse é um tema muito forte do nosso trabalho”, destaca Ana Tereza Brandão, diretora da escola.
 
Cada vez mais as atividades do núcleo, que abriu suas portas em BH há seis anos, se dirigem para a região central, onde muitos dos orelhões foram instalados. Um deles está na Praça 7 e exibe desenhos de um senhor de idade ouvindo rádio e vendo TV ao mesmo tempo e um ser andrógino que joga bola de salto alto. A autoria é de Rafael La Cruz, que mora no Jardim Industrial, em Contagem.
 
“Não sou chegado a futebol, assim como boa parte dos alunos do projeto. Por não fazer parte do nosso cotidiano, tivemos que fazer uma pesquisa mais aprofundada, buscando referências de outros artistas que já tinham lidado ou não com o tema para definirmos o trabalho tanto conceitualmente quanto esteticamente”, registra La Cruz, que participa da Oi Kabum! há quase dois anos.
 
Os telefones públicos estilizados podem ser vistos em ruas da região da Savassi e próximas ao Mineirão, ao aeroporto da Pampulha e à rodoviária. “O que nos motivou foi a visibilidade e a oportunidade de conversar com a cidade. Antes, imaginávamos que os orelhões tinham sido deixados de lado, mas percebemos que eles ainda são muito usados pela população”, constata o artista.
 
Desafio era fugir dos clichês
 
Recorrer a telefones públicos como instrumento de intervenção pode, a primeira vista, soar estranho para uma escola que trabalha com tecnologia. A diretora Ana Tereza Brandão frisa que essa associação é equivocada, vinculada apenas ao digital, o que, nas palavras dela, está longe de abranger todo o seu conceito, especialmente aquele que a Oi Kabum! quer ter como guia.
 
“Trabalhamos ações de cultura e ciência de uma forma mais ampla, não limitado ao uso de softwares. A ideia é colocar em diálogo as mais diversas tecnologias utilizadas para a comunicação e para a arte”, assinala Ana Tereza, que vem apostando em performances e intervenções que concebem um espaço de exposição diferente, que não fique confinado às galerias de arte.
 
Gerida pela organização não-governamental Associação Imagem Comunitária, com apoio do Instituto Oi Futuro, a Oi Kabum! Escola de Arte e Tecnologia já mostrou seus trabalhos em praças públicas, centros culturais e hospitais. Mais recentemente criou book trailers (filmes curtos feitos para divulgar livros) para os selecionados do Prêmio Portugal Telecom de Literatura.
 
Ela registra que a encomenda de orelhões estilizados com o tema “Futebol, Arte Brasileira” trouxe como grande desafio fugir dos clichês relacionados ao esporte. “Como estávamos no auge das manifestações sobre o ‘não vai ter Copa’, acabamos trazendo questões e reflexões mais fortes e políticas, abordando a diversidade e as relações afetivas”, afirma.
 
Os alunos passaram por oficinas envolvendo as mais variadas técnicas. “Contratamos um educador, o designer Ronei Sampaio, que trabalha muito com a questão da sustentabilidade, para orientar os meninos na melhor maneira de executar o projeto”, sublinha. Optaram pela tinta acrílica, que recebeu duas mãos de verniz para não correr o risco de se desmanchar com o tempo.
 
O resultado encheu a diretora de orgulho ao notar que os jovens artistas, na faixa dos 16 aos 24 anos, se apegaram às obras. “Por causa das manifestações, achavam que (os orelhões) não iam durar nada. Muitos tiraram fotos para se despedir, temerosos de que seriam depredados, o que levou a um debate super interessante sobre o desapego do artista”, relata.
 
A reação confirma o que a diretora define como “a afirmação de um lugar na sociedade”. O programa atualmente é realizado em quatro cidades (Rio de Janeiro, Recife e Salvador, além de Belo Horizonte), reunindo mais de 400 participantes. A unidade mineira tem mais alunos devido ao espaço privilegiado na antiga sede da Febem, hoje local de funcionamento do Plug Minas, mantido pelo governo estadual. 
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