Talvez a própria Andreya Garavello não se dê conta de quantas vezes utilizou a palavra "dolorosa" durante a entrevista ao Hoje em Dia, motivada pelo seu retorno aos palcos belo-horizontinos (após hiato de cinco anos), e que acontece sábado (1°) e domingo (2), às 16 horas, no Teatro de Arena do Parque das Mangabeiras, com o espetáculo "Medeia".
O termo, a atriz empregou para descrever o processo de feitura da montagem, que entende como "um desafio", e para o qual, assegura, não nutre grandes expectativas no sentido de atrair grandes plateias. “Com é uma tragédia, não há grandes expectativas de público (risos). Mas quem me acompanha vai gostar muito, ou pelo menos, acho que sim”, analisa, modesta, ainda que não poupe elogios aos colegas de cena. “Eles estão fantásticos”.
Concepção
A personagem de Eurípides é a titular da tragédia mais montada no Brasil. “É muito diferente do que já fiz no teatro, mas é também diferente da concepção que as pessoas erroneamente têm de tragédia. Ela (a montagem) permite um certo alívio, não diria cômico, mas uma respirada, para o público continuar recebendo aquelas informações”, pondera ela.
E com propriedade. Em 2005, Garavello ingressou no curso de Letras da UFMG, de onde saiu bacharel em Língua Portuguesa. Atualmente, estuda Língua e Literatura Grega, também na Federal.
Mensageiro
Há quase três anos, com a professora de Língua e Literatura Grega Tereza Virgínia Ribeiro Barbosa, participou da formação da Trupersa – Trupe da Tradução do Teatro Antigo, com voluntários da graduação e da pós. O primeiro desafio foi justamente traduzir "Medeia", na íntegra.
"Uma opção que fizemos, na cena do mensageiro (e veja que todas as tragédias têm um mensageiro), foi uma coisa meio clownesca. A gente está bancando mesmo isso. É possível que as pessoas cheguem a rir, mas de nervoso".
Curiosamente, ainda durante o processo de montagem, Andreya ligou para Tereza Virgínia e, por coincidência, ela estava lendo um artigo de um estudioso de tragédias, analisando a posição dos mensageiros. "Parecem que eles seguem uma dinâmica padrão de entreato. Para não dar intervalo, coloca-se o mensageiro para dizer o que, na verdade, todo mundo já sabia".
No caso da "Medeia", logo depois vem a cena mais pesada, a da morte das crianças. "Quando entrei para a Letras, e mesmo quando estudei teatro, não via a tragédia como um texto que podia passear por muitos gêneros. Isso é surpreendente, e, no caso de Medeia, fazemos com segurança, pois teoricamente, estamos bem embasados".
Ninguém duvida. Assim, o público que acorrer ao local em busca da Andreya comediante, de peças como "Fulaninha e Dona Coisa!" (ou mesmo "Um Casal Aberto", que, lembra ela, tinha um riso mais cortante), certamente vai ter uma boa surpresa desse momento singular de uma carreira que teve início em 1985, na Oficina de Teatro de Pedro Paulo Cava, e que logo recebeu seu primeiro prêmio, o de atriz revelação, por "A Cantora Careca".
Nos ensaios abertos, público permaneceu atento à trama
Toda sincera, Andreya Garavello não faz questão de posar de super mulher. "Estou muito cansada, como todo mundo do elenco", diz, referindo-se ao tour de force que foi o processo de criação do espetáculo. Tanto que ela nem sabe se vai ter fôlego para viajar com a peça. "Tenho 50 anos, não tenho mais como sair por aí de qualquer jeito, são oito pessoas, um cenário...".
Ela, que sempre se orgulhou de ter uma memória "fabulosa", também brinca com o fato de, agora, ter tido que criar "técnica mirabolantes" para decorar as falas. Motivo? "O texto não tem aquelas deixas, ou mesmo muitos diálogos. São monólogos imensos, com palavras diferentes, que você não costuma usar".
Mesmo assim, nos ensaios abertos na Lagoa do Nado, sem divulgação, Andreya e Trupersa ficaram felizes da vida. "Ninguém foi embora, inclusive crianças". Para Garavello, Eurípedes era "danado". "Medeia é a única mulher na literatura grega que sai por cima, que fica viva, que tem voz. Creonte tem medo dela pela sábia essência, ela é feiticeira".
Momentos distintos
Andreya lembra que a personagem vive momentos distintos. Do início, a reclamação, mas o não agir. "Depois, quando ela decide agir, sai de baixo".
Um ponto interessante, salienta a atriz, é quando a filha de Creonte aceita seu presente. "Você imagina, é uma coisa muito interessante... Minha avó já falava para não usar roupa dos outros, não aceitar nada de estranhos, e a princesinha aceita? Eu não aceitaria". Ou seja, o que a atriz quer dizer é que o que mata a princesa é a vaidade. "Isso mata o homem, a cobiça. O mensageiro deixa isso muito claro, ela se esquece até de Jasão. A vaidade vai nos levar para grandes buracos".
Ao usar o tempo presente para falar do homem, Andreya também se refere à atualidade da tragédia. "O texto traz uma situação que, se você abrir o jornal hoje, certamente vai encontrar um caso similar", diz, lembrando, sem citar o nome dos envolvidos, do famoso caso do pai que atirou a filha pela janela.
Tragédia segue arrebatando plateias
A trama traz uma mulher mais velha, Medeia, mãe de dois filhos, que é trocada pelo marido, Jasão (Guilherme Colina), por uma mulher mais jovem. Para se vingar, mata o rei Creonte e a filha, a princesa que se casou com Jasão. Depois, mata os filhos que o casal teve, deixando, assim, o grande herói dos Argonautas sem reino e sem herdeiros. Depois, foge no Carro do Sol.
O elenco traz, ainda, Geraldo Peninha (Creonte, Egeu e o Pedagogo), Gaya Bochardet (ama), Alessandra Stella (mensageiro). O coro é formado por Graziele Sena, Juliana Birchal e Josi Félix, também responsável pela criação musical. A direção geral é de Andreya Garavello, e a de ator, de Vinicius Albricker.