Artista plástico recorre à memória de Aníbal Machado e Drummond e vence prêmio literário em BH

Elemara Duarte - Hoje em Dia
24/11/2015 às 23:14.
Atualizado em 17/11/2021 às 03:04

(Hoje em Dia)

Com resultado divulgado nesta terça-feira (24), desta vez, o Concurso Nacional de Literatura Prêmio Cidade de Belo Horizonte foi palco para a história da homenagem póstuma de um neto ao seu avô. Na categoria “Poesia”, venceu o artista plástico belo-horizontino Estêvão Machado Gontijo, com os vinte poemas do livro “O Rio no Bolso”, ainda não publicado - e ele é o protagonista desta ação afetiva.

“Sou artista plástico e um poeta recém-inaugurado, agora, com este prêmio", diz. Estêvão é neto do escritor Aníbal Machado (1894 -1964), autor de livros como “João Ternura”, “A Morte da Porta-Estandarte” e “Tati, a Garota e Outros Contos”, cujos textos inspiraram o enredo da novela da Rede Globo, “Felicidade” (1991). Mas no concurso, diz, ele era apenas reconhecido pelo pseudônimo de “Amarelo”.

A história da inspiração para “O Rio no Bolso” tem algumas fases. A primeira delas é a crônica “Balada em Prosa de Aníbal Machado”, que o escritor Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) publicou, ainda emocionado, após a morte de Aníbal, de quem era amigo.

Aníbal e Drummond se radicaram na “Cidade Maravilhosa”. Drummond, diz Estêvão, era frequentador da casa do colega mineiro, especialmente das reuniões chamadas “Domingueiras do Aníbal”. Nelas, a intelectualidade do Rio e também de Minas se encontravam sob o cenário carioca da casa do avô de Estêvão, até o final da vida do autor.

Em 1964, com a morte de Aníbal Machado, Drummond rendeu-lhe uma crônica. “Nela, o vovô Aníbal conversava com a morte. Aníbal e 'o Rio das Velhas que ele trazia no bolso'”, lembra o neto sobre um dos trechos. A referência fluvial é sobre o local de nascimento de Aníbal, em uma chácara em Sabará, na Região Metropolitana de BH, e que ficava próxima do Rio das Velhas.

A crônica foi publicada na edição póstuma do livro “João Ternura”. E, aqui, entra mais uma fase da inspiração de Estêvão. “Em 2015, são lembrados os 50 anos da publicação deste livro. É uma obra que meu avô passou a vida inteira escrevendo”. A edição em questão traz a crônica de Drummond, afinal foi o escritor itabirano que tomou iniciativa para fazê-lo.

“O livro saiu em 1965, mas recentemente, essa busca pela memória foi me tocando. Estou no meio da vida, começo a olhar para o passado", admite Estêvão, hoje, aos 56 anos. O artista plástico-escritor diz que os poemas dele possuem três movimentos: 'dentro', que é a memória; 'pele', com poemas mais curtos e passando pela emoção do agora; e 'para fora', que é olhar do autor para o mundo.

“Escolhi esta imagem (do 'rio no bolso') para guiar este trabalho. Era para reverenciar a memórias do meu avô”, resume. O estreante autor diz que sempre escreveu contos curtos, cenas de teatro e, claro, poemas, mas que nunca os publicou. “Poemas, comecei a escrever há dez anos”.

Estêvão, ainda criança, diz que chegou a participar das famosas “Domingueiras” do avô. “Via Drummond, Pedro Nava, Fernando Sabino, Vinicius de Moraes...”, lista ele. Já a mãe do poeta vencedor veio para MG após a morte da avó dele, e foi criada pelo padrinho, o ex-prefeito de BH e ex-embaixador Cristiano Machado (irmão do Aníbal e que dá nome à avenida da região Norte da capital).

“Em BH, Minha mãe teve oito filhos – sete homens e uma mulher”, inicia Estêvão, que é filho de Maria Luiza Machado Gontijo, que morreu há 15 anos, e é uma das cinco filhas do primeiro casamento de Aníbal Machado.

E o pseudônimo “Amarelo”? Na explicação, mais uma vez, o poeta recorre às lembranças. Com tamanha prole, esclarece, a mãe dele precisava controlar quem já tinha tomado banho, quem já tinha almoçado, entre outras obrigações da meninada. Então, cada filho tinha uma cor de toalha, de caneca, entre outros objetos de uso pessoal. “E minha cor era amarela”. Tá explicado!

 

VOVÔ - Aníbal Machado em foto de acervo da família guardada pelo neto Estêvão Machado Gontijo

 

E na outra categoria...

Neste ano, ao lado de Estêvão Machado Gontijo, mas na categoria “Conto” do Concurso, venceu o escritor paulista Ricardo Henrique Hao, 45 anos, que reside em Marabá (PA), com seu “Antologia Brutalista”. Cada um receberá o prêmio de R$ 50 mil.

Criado em 1947, na comemoração do cinquentenário da capital, o prêmio em questão é considerado o concurso literário mais antigo do país. Um de seus principais atributos é o fato de premiar apenas obras inéditas. Autores como Wander Piroli, Carlos Herculano Lopes, Antônio Barreto, Luis Giffoni, Roseana Murra, entre outros, já integram a galeria de vencedores.

Nesta última edição, o Prêmio recebeu número recorde de inscritos (1.712 candidatos) com a participação de autores de todas as regiões do país e até de brasileiros que moram no exterior.

Neste ano, o júri definiu a produção de Estêvão Machado Gontijo - ou melhor, o  “Amarelo” - como “bem estruturada e bem realizada, conjugando forma e conteúdo com linguagem original e amplo repertório de recursos poéticos”.

 

A seguir, dois poemas de “O Rio no Bolso”, de Estêvão Machado Gontijo

amarrar pipas em nuvens embrulhar infinitos no capim plantar jardins de papelão gangorrar abelhas torturar formigas chupar árvores inteiras e escorrer mangas pela barriga sonhar cabos de vassoura dançar desenhos de poeira pintar lençóis de lama

essas,

são minhas pedras que despertam açudes

....

eu sei que não é horizonte mas céu, passarinho nenhum duvida


Na galeria a seguir, a crônica de Drummond (1964) anexada na edição do livro "João Ternura" (1965); foto de Machado, na Fazenda Nova Granja, onde nasceu; e (Acervo Estêvão Machado Gontijo):

 

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