'Campo Grande' recorre a uma cidade em obras para mostrar nossas mudanças internas

Paulo Henrique Silva
phenrique@hojeemdia.com.br
Publicado em 07/06/2016 às 18:55.Atualizado em 16/11/2021 às 03:47.

Sandra Kogut gosta de pôr a câmera no meio da rua, deixando a realidade interferir na filmagem. Prova disso é uma cena de “Campo Grande”, em que o protagonista mirim, sozinho na região oeste do Rio de Janeiro, em busca de sua mãe desaparecida, tenta recarregar seu celular com um vendedor ambulante, vivido por Luciano Vidigal.

“Conseguimos que um vendedor nos emprestasse seu material. E enquanto Luciano ia fazendo a cena com o Ygor Manoel, ele atendia as pessoas de verdade. No final, ele já tinha vendido tudo”, registra a cineasta, que esteve na semana passada em Belo Horizonte para acompanhar uma exibição especial do filme.

Próximo de estrear comercialmente, o longa tem uma maneira muito particular de caminhar na fronteira entre realidade e ficção. “Não gosto de fechar a rua. Não tem como melhorar o que está ali”, observa Sandra, que se aproveitou de uma cidade em obras – antes da Copa do Mundo de 2014 – para mostrar as mudanças internas dos personagens. 

Na história, duas crianças são deixadas na porta de um prédio de Copacabana, com o nome de uma das moradoras – uma senhora (Carla Ribas) que acaba de se separar e vive uma relação conturbada com a filha. Para Sandra, o filme é “um ser vivo” e o roteiro só serve como baliza para um realizador “chegar o mais longe que puder do papel”.

Além de situações verdadeiras e emocionantes, a diretora também colheu situações inusitadas, que só reforçam a ideia de como as pessoas que vivem numa cidade grande se adaptam diariamente. Numa delas, após criar um falso ponto de ônibus, ela não só viu usuários à espera como também motoristas parando no local.

Grande jornada
Quando tem que usar figurantes, a diretora, que só se vale desse artifício em última instância, prefere não saber quais são. Mas durante as filmagens de “Campo Grande”, Sandra ficou encucada com um deles, dizendo à assistente que ele estava espalhafatoso, destoando na cena. “Mas, Sandra, esse não é nosso”, salientou a moça da equipe.

“A cidade estava confusa nessa época, como uma grande canteiro de obras, que, em outra cena, a Carla tinha que caminhar até determinado ponto da rua e, quando ela chegou a esse lugar, acabara de surgir ali uma obra, com dois operários trabalhando”, recorda a cineasta, que já usou o sertão mineiro como cenário de “Mutum” (2007).

“Campo Grande” tem ecos do premiado “Central do Brasil” (1998), de Walter Salles, ao apostar na rica convivência entre um garoto sem sua mãe e uma mulher amargurada com a vida, com ambos realizando uma grande jornada pelas estradas, que também pode ser lida como uma viagem interior.
Também é muito próximo de “Que Horas Ela Volta?” e “Casa Grande”, duas produções recentes que tocam na questão sociopolítica, ao provocar o choque entre dois mundos tão diferentes como os garotos pobres e ressabiados de Campo Grande e a dona de casa que só tem olhos para seus problemas domésticos.

Compartilhar
Ediminas S/A Jornal Hoje em Dia.© Copyright 2024Todos os direitos reservados.
Distribuído por
Publicado no
Desenvolvido por